Por Raphael Boechat, advogado do escritório JBL Advocacia e Consultoria
O mercado relevante dos produtos controlados pelo Exército é composto por diversos itens de estocagem, produção e venda controlada, características estas que dão a este mercado particularidades, como a existência de oligopsônios e monopsônios.
A depender do calibre de um armamento, ou mesmo do grau de segurança de um colete balístico, a indústria possuirá como comprador somente o Exército Brasileiro ou mesmo as polícias estaduais, fato que direciona a quase totalidade deste mercado ao das compras governamentais, por meio das licitações públicas.
Recentemente, tem se alardeado na mídia a abertura de escritórios do governo Brasileiro nos Estados Unidos, ou mesmo a utilização da Comissão do Exército Brasileiro em Washington (CEBW), para a condução de compras públicas, por meio de licitações internacionais.
A princípio, a justificativa adotada pelo governo brasileiro se arrimaria na “falta de competitividade” da indústria nacional ou mesmo no preço, como razões para transcender as fronteiras nacionais e realizar essas compras.
Contudo, a leitura atenta dos dispositivos legais vigentes, em especial do Decreto Federal 10.030/19, conduz a uma outra conclusão que pode ser vista, a luz do direito da concorrência, como tratamento discriminatório.
Atualmente, como não existe no ordenamento jurídico brasileiro uma norma que regule a fabricação de um colete balístico, por exemplo, utiliza o poder público da NIJ 01.0106 (National Institute of Justice) como referência no controle e fiscalização dos resultados obtidos nos ensaios balísticos.
Para obter a certificação de respaldo e correspondência de segurança de seu colete balístico, a indústria estrangeira realiza os testes de ensaios em laboratórios acreditados pela NIJ, sendo este documento aceito pelo Governo Brasileiro, quando da licitação.
Já a indústria nacional não pode realizar os testes em tais laboratórios, devendo elas se subordinarem ao RETEx, Relatório Técnico Experimental, que é emitido pelo Exército Brasileiro, por meio de seu órgão de teste, o CAEx, ou por meio de um OCD, nos moldes da portaria n°189 da DFPC.
Ocorre que pela especificidade e sofisticação da NIJ 0101.06, o CAEx não tem realizado tais testes e, mesmo que a indústria nacional obtenha os mesmos documentos dos concorrentes internacionais, são desclassificadas das licitações, por não possuírem, justamente, o RETEx.
Está em trâmite a consulta pública N° 2/2020-SENASP/MJSP – Projeto de Norma Técnica atinente a Coletes de Proteção Balística, sendo que se impõe como medida essencial para o tratamento isonômico a aplicação da Análise de Impacto Regulatório (AIR) Decreto Nº 10.411, DE 30 DE JUNHO DE 2020 e ainda o reconhecimento aos tratados de cooperação internacional como o ILAC (International Laboratory Accreditation Cooperation).
Ou seja, por meio de reconhecimento o produto uma vez certificado por meio de laboratório signatário do ILAC, passaria-se, por meio da acreditação, a gozar da mesma notoriedade entre os órgãos membros deste termo (cita-se: https://ilac.org/ilac-mra-and-signatories/), o que seria uma ponte entre o INMETRO e os LABORATÓRIOS ACREDITADOS PELA NIJ, reforçando a ideia de certificação compulsória, também prevista na Portaria n°189 da DFPC.
A defesa então da indústria nacional nesse caso concreto, não decorre de reserva de mercado (ainda que a Constituição e a lei de licitações assegurem tal prerrogativa) ou mesmo de exercício de patriotismo, mas realmente de exigir um tratamento isonômico e de boa prática concorrencial, como instrumentos para assegurar a igualdade de oportunidade e tratamentos.
Texto de um advogado que atua pra industria nacional? Nada contra mas que tal por o contraponto do governo?
Se recebermos, postaremos.