Por Marcos Ommati
A Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM), da Marinha do Brasil (MB), completou 40 anos em dezembro de 2019, tendo como missão, entre outras tarefas, de orientar a exploração sustentável dos recursos vivos e não vivos na Antártica. O Brasil é um dos países com presença física no continente gelado, mantendo uma base de análises e pesquisas diversas, que foi destruída por um incêndio em 2012.
A Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF) foi recém-inaugurada, em 15 de janeiro de 2020, e Diálogo aproveitou a data marcante para conversar com o Contra-Almirante Sérgio Gago Guida, secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar da MB.
Diálogo: O Brasil gastou milhões de dólares para reconstruir sua base na Antártica. O que o país pode esperar de retorno deste investimento?
Contra-Almirante Sérgio Gago Guida, secretário da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar da MB: O Brasil é conhecido mundialmente por respeitar os tratados a que adere. O artigo IX do Tratado da Antártica estabelece que um país pode demonstrar seu interesse pela Antártica, pela promoção ali de substancial atividade de pesquisa científica, tal como o estabelecimento de uma estação científica ou o envio de expedição científica. O investimento se justifica por isso.
Aquele continente se reveste de especial importância para o país, em face de sua influência no clima do hemisfério sul (e, por que não dizer, de todo o mundo), e de seu potencial em termos de recursos vivos e não vivos. Influenciar no destino daquele continente, mantendo o status de membro consultivo do tratado, é fundamental para um país que é o sexto mais próximo daquela massa de terra. E para isso precisamos fazer pesquisa, manter uma estação e realizar expedições constantes.
Diálogo: Por que é importante para o Brasil – ou qualquer país – ter presença na Antártica?
CA Guida: A área regulada pelo Tratado da Antártica equivale a 10 por cento de nosso planeta. Além disso, aquele continente é o grande “ar condicionado” do mundo. Costumamos tratar Ártico e Antártica com semelhança, no entanto, são áreas muito distintas. Enquanto a camada de gelo no Ártico chega a três metros, na Antártica a cobertura média é de três quilômetros. Aquela região tem influência fundamental na regulação do clima do planeta e, em tempos de acirradas discussões sobre mudanças climáticas, é fundamental compreender sua influência neste sentido.
O potencial em recursos não vivos é inestimável, mas vale ressaltar que o potencial da região em recursos vivos também é igualmente importante. Organismos resistentes às condições limites da região podem ter implicações importantes para o ser humano, como melhorar a agricultura e aplicações médicas. Além disso, a importância econômica atual do continente não pode ser descartada. Como exemplo, estima-se que a atividade turística na região atinja 75.000 visitantes nos próximos anos, movimentando uma grande soma de recursos.
Diálogo: Quais foram as principais consequências negativas do incêndio da Estação Antártica Comandante Ferraz em 2012?
CA Guida: A principal foi a perda de dois companheiros durante o incêndio. As perdas materiais foram compensadas com o estabelecimento dos módulos emergenciais antárticos e agora com a inauguração das novas instalações. A pesquisa brasileira nunca parou. Entre 2013 e 2019, nossas operações antárticas foram realizadas normalmente.
Diálogo: A nova estação cobrirá uma área de quase o dobro da que foi destruída. Que atividades poderão ser realizadas agora, que não eram possíveis antes?
CA Guida: A estação anterior nasceu com seis contêineres e foi ampliada paulatinamente chegando a 66 contêineres. Para que estes contêineres fossem unidos, diversas áreas foram cobertas, chegando ao total de 2.500 metros quadrados. Não era uma estrutura planejada e foi ampliada de acordo com as necessidades que se apresentavam. Tinha apenas cinco laboratórios e uma estrutura de comunicações aquém das suas necessidades. Funcionava mais como alojamento e uma área de preparo de amostras que seriam analisadas no Brasil.
A estrutura que recém inauguramos é formada por 226 contêineres, que ocupam uma área de 4.500 metros quadrados e foi projetada de acordo com os requisitos estabelecidos por nossos pesquisadores. Conta com 17 laboratórios e robusta capacidade de comunicação. Lá, além do preparo das amostras, podem ser conduzidas análises deste material e os dados são transmitidos para os centros de pesquisa no Brasil. É um enorme salto para o país.
Nossos experientes pesquisadores consideram a Estação Comandante Ferraz como o centro de pesquisas mais bem equipado da Península Antártica, local de maior concentração de estações científicas do continente. Podemos dizer que é uma estação à altura do robusto programa antártico desenvolvido pelo país e representa a seriedade com que o Brasil trata o tema.
Diálogo: Há intercâmbio de informações e mesmo de inteligência entre o Brasil e outros países presentes na Antártica? Como se dá essa troca de informações?
CA Guida: A Antártica é um ambiente propício ao intercâmbio. Por mais robusto que o programa de um país seja, a cooperação é sempre bem-vinda. A logística que envolve os programas de pesquisa é muito cara. Em 2019, cooperamos com Alemanha, Bulgária, Chile, Coreia do Sul, Equador, Espanha, Peru, Polônia, Portugal, Rússia e Uruguai. Esta troca de informações se dá tanto entre pesquisadores como entre os programas antárticos nacionais.
Diálogo: É melhor preservar ou explorar a Antártica?
CA Guida: Em 1998, o Brasil, como membro consultivo do Tratado da Antártica, fez parte do grupo de países que decidiu pela não exploração de recursos não vivos até 2048, por meio da promulgação do Protocolo de Madrid. Queremos continuar a fazer parte do grupo de nações que avaliará esta decisão no futuro.
Diálogo: O que a Marinha do Brasil tem projetado para os próximos anos com relação à segurança da chamada Amazônia Azul (área marítima sob jurisdição brasileira, assim nomeada por possuir dimensão e biodiversidade semelhantes à da Amazônia Verde)?
CA Guida: A recente ocorrência de poluição na Amazônia Azul por óleo ressaltou a necessidade de um sistema de gerenciamento da região que permita acompanhar o crescente tráfego marítimo no Atlântico Sul. O estabelecimento de um programa no âmbito da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar que envolva os mais diversos órgãos ligados ao mar para o estabelecimento deste sistema de gerenciamento é prioridade para a MB.
Adicionalmente, está em curso a iniciativa chamada Planejamento Espacial Marinho (PEM), já implantado em diversos países. O PEM é um poderoso instrumento público, de cunho operacional e jurídico, indispensável para a governança e a soberania da área marítima sob jurisdição brasileira (Amazônia Azul), para o uso compartilhado e sustentável do ambiente marinho, e a consequente geração de divisas e de empregos para o Brasil, além de garantir a segurança jurídica de nossos mares.
FONTE e FOTO: Diálogo