A República Democrática do Congo pode estar perto de por um fim a um conflito militar interno que dura duas décadas, com a derrota cada vez mais iminente do grupo rebelde M23.
Analistas dizem que vitórias no campo militar e avanços no campo político podem abrir caminho para a paz, mas alertam que é preciso haver cautela em eventuais negociações de agora em diante.
Na última semana, os rebeldes do M23 no leste do país sofreram grandes derrotas militares. O líder político do grupo, Bertrand Bisimwa, se viu obrigado a declarar um cessar-fogo e aceitar o retorno a negociações de paz.
A derrota também serve como recado para pelo menos outros dez grupos rebeldes que operam na área, aumentando a esperança de um processo de paz mais duradouro no país.
“O M23 é apenas o grupo mais ativo no leste. A sua derrocada não significa paz instantânea. Ainda estamos nos primeiros dias disso”, afirma Stephanie Wolters, do Instituto de Estudos de Segurança, uma entidade de pesquisas da África do Sul.
Até o ano passado, os rebeldes eram vistos como mais organizados e empenhados do que as forças militares do governo. O Exército congolês tem uma fama de ser indisciplinado, ineficiente e corrupto.
Em novembro de 2012, o M23 tomou a cidade de Goma – a principal cidade no leste do Congo, com população de um milhão de pessoas. A ação foi considerada uma humilhação do governo e, após relatos de violações de direitos humanos, provocou pressão sobre a comunidade internacional para intervir no país.
Depois disso, o presidente Joseph Kabila promoveu reformas na estrutura hierárquica das Forças Armadas, sobretudo nas tropas que lutam no leste.
Desde então, cessaram as denúncias sobre violações de direitos humanos, pelo menos as feitas contra o governo.
Forças da ONU
Outro fator decisivo foi a aprovação pela ONU, em março deste ano, do envio de uma força internacional de três mil soldados africanos, com mandato para entrar em confronto direto com os rebeldes.
Até então, a missão da ONU na República Democrática da ONU (Monusco) oferecia apenas apoio operacional a tropas do governo, sem se envolver diretamente na luta contra o M23.
Mas, no dia 23 de agosto, a brigada de intervenção da Monusco, com unidades de infantaria, forças especiais, artilharia e helicópteros de ataque, e comandada pelo general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz, usou pela primeira vez o seu novo mandato para lançar um ataque pesado contra rebeldes do M23.
A principal missão do general vinha sendo fortificar a cidade de Goma – a principal do leste do país – que os rebeldes vinham ameaçando invadir. Santos Cruz afirmava que não interviria enquanto tropas da ONU ou a população não fossem ameaçadas.
A ação militar foi em resposta a um ataque de artilharia do M23 contra a cidade que matou ao menos cinco pessoas – entre elas uma mulher e uma criança.
Em entrevista à BBC Brasil após a reação das tropas da ONU, Cruz disse que “bombardear população civil é crime humanitário”. “População civil não é objetivo militar. (Os ataques são) só pra causar o caos e o pânico. (Os rebeldes) querem se tornar importantes no processo político através de uma chantagem humanitária. Isso são coisas inadmissíveis. E a ONU reagiu dentro do mandato.”
A Monusco, que desde então tem dado apoio ao avanço das tropas do governo contra o M23, deve em breve receber novos recursos para suas operações, como drones (aeronaves não-tripuladas) para vigilância. Isso aumentaria o conhecimento sobre as movimentações de grupos rebeldes pelo país.
Apoio externo
Mas ainda é cedo para dizer se o M23 foi de fato derrotado.
Por anos, o governo congolês fracassou nas tentativas de negociar com os rebeldes do leste, em parte por supostas interferências externas.
Investigadores da ONU acusaram os governos dos países vizinhos Ruanda e Uganda de oferecer apoio ao M23, mas ambas nações negam as informações.
Ruanda chegou a se oferecer para sediar as negociações de paz entre os rebeldes e o governo congolês. O país chegou a enviar tropas à República Democrática do Congo no passado, supostamente para para combater o FDLR – um grupo da etnia Hutu acusado de ligações com o massacre de 1994 em Ruanda.
Há denúncias de que o FDLR lutou ao lado do governo congolês no combate ao M23. Por isso, analistas acreditam que, enquanto houver uma ligação entre as forças do Congo e o FDLR, sempre haverá um risco de Ruanda entrar no conflito congolês do lado dos rebeldes do M23.
Para o analista Ola Bello, do Instituto de Assuntos Internacionais da Cidade do Cabo, na África do Sul, para se chegar a um acordo de paz é preciso levar todos esses fatores em consideração, inclusive as divergências com países vizinhos.
“A derrota do M23 cria um espaço político para incluir todos os elementos do conflito em um processo completo de negociação diplomática entre a República Democrática do Congo e seus vizinhos ao leste”, diz ele.
FONTE: BBC Brasil