Comandante brasileiro das tropas no Haiti alerta que a crise política vai aumentar protestos nas ruas e perigo de confusão. Forças da ONU devem estender permanência no país por mais seis meses
Por Gabriela Walker
Às vésperas da data prevista para a posse do novo presidente, que deveria ter sido eleito em abril, o Haiti está mergulhado em incertezas. Um acordo assinado em 5 de fevereiro previa para 14 de junho a posse do novo mandatário e o fim do governo interno.
Ao adiar a votação de abril, o presidente interino, Jocelerme Privert, deu indicações de que pretende transferir o pleito para outubro, quando o país deve realizar eleições para o Senado. Em entrevista ao Correio, o comandante das tropas da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), o General brasileiro Ajax Porto Pinheiro, ressaltou preocupação com a segurança do país para os próximos dias.
Com o fim do prazo para a posse do novo presidente marcado para o próximo sábado, manifestantes devem voltar a tomar as ruas de Porto Príncipe. Nos últimos meses, Porto Príncipe assistiu ao enfrentamento de ativistas contrários e favoráveis ao antigo governo de Michel Martelly, presidente que deixou o poder em 7 de fevereiro, após o fim do mandato. A oposição acusa o ex-presidente e o Haiti Tet Kale (PHTK) de favorecerem o candidato do partido, o rico exportador de bananas Jovenel Moise, primeiro colocado nas votações de primeiro turno. A instabilidade no país deve adiar o prazo para o fim da missão da ONU a retirada das tropas, que deveriam ocorrer em 15 de outubro. O mandato da Minustah deve ser prolongado, enquanto o impasse político não for resolvido. “O período eleitoral tende a ser violento e as animosidades têm crescido; então, é fácil concluir que não dá pra encerrar a missão”, alerta o general brasileiro. Segundo ele, o prazo para a retirada das tropas deve ser adiado para abril de 2017, caso as eleições sejam realizadas com sucesso em outubro.
O adiamento das eleições de abril provocou uma série de protestos. Como está a situação em Porto Príncipe agora?
As manifestações tiveram um aumento em abril e acalmaram um pouco nos últimos dias. A situação é tensa -calma. Quando os protestos diminuem, aumenta a criminalidade, pois parece que o foco das gangues muda e eles cometem mais assaltos e, em consequência, mais assassinatos. As manifestações estão paradas, porque parte dos ativistas que saem para protestar, de um lado e de outro, recebem verbas dos partidos. Atualmente, os partidos não têm muitos recursos para financiar tantas manifestações; então, concentram os esforços para os dias que acreditam que a pressão terá mais efeito. Em maio há algumas datas-chave para o Haiti.
O senhor acredita que a calma tende a continuar até quando?
Os protestos vão voltar a se intensificar neste mês. Estamos esperando confusão porque, em 14 de maio (sábado), se encerra o prazo para a posse do presidente, que deveria ter sido eleito no mês passado. No entanto, o governo interino ainda tem um mês até o encerramento do período de 120 dias do mandato, previsto no acordo de 5 de fevereiro.
A oposição, que até fevereiro era situação, concordaria com a extensão do mandato de Privert?
Hoje temos uma total indefinição. Há várias opiniões. Um grupo quer que o presidente permaneça, outro pede que o primeiro-ministro assuma ou que o cargo seja repassado para o presidente do Tribunal Supremo de Justiça deles. Há várias possibilidades e muitas interpretações da Constituição. Ainda não sabemos, mas nós nos preparamos para o pior. As tropas estão em treinamento para identificar os locais que podem ter problema no futuro. Realizamos operações de patrulha em diferentes locais de forma permanente.
Há poucos dias o senhor teve uma reunião com o presidente Privert. Ele tem planos para convocar novas eleições?
Ele não tocou nesse assunto. Mas é quase consenso, hoje, que as eleições devem ser realizadas em um domingo de outubro. A data faz sentido, até por questões econômicas e logísticas. Nós precisamos começar a trabalhar 60 dias antes das votações. Por exemplo, leva tempo para imprimir as cédulas eleitorais, o que é feito em Abu Dabi por questões contratuais, e para o transporte delas até o Haiti. Se iniciássemos hoje esse processo, as eleições ocorreriam em julho. Em outubro, estão previstas votações para renovar um terço do Senado. O custo é muito alto para realizar duas eleições em tão curto espaço de tempo.
As cédulas chegaram a ser impressas para 24 de abril?
Não, como se suspeitava que as eleições não fossem ocorrer, eles esperaram uma certeza para não perder recursos. Teria sido uma correria, caso elas não tivessem sido adiadas. Não consigo imaginar a logística para ser possível. Em meados de janeiro, poucos dias antes da data prevista para as eleições, quando o candidato Jude Célestin anunciou que não participaria do segundo turno sem uma auditoria dos votos, o país estava pronto para votar… Nesse momento, nós perdemos todo o material eleitoral, sim. Em janeiro, foi um grande prejuízo, pois o material estava pronto e distribuído. Cada fase eleitoral custa em torno de US$ 9 milhões ou US$ 10 milhões. Para um país com problemas econômicos, como o Haiti, é algo muito custoso. Parte da verba é custeada pela comunidade internacional, mas cerca de um terço é de responsabilidade do país. O valor inclui a impressão e a distribuição nos 1.508 pontos de votação, feita por uma empresa terceirizada e, em locais mais críticos, por nós da Minustah. Inclui, também, a diária e a alimentação das forças de segurança, que ficam de plantão e coletam o material eleitoral.
Se as eleições forem em outubro, serão no mesmo mês em que acaba o mandato da Minustah?
Em 15 de outubro, acaba o mandato da missão. Não foi oficializado ainda, não está escrito em nenhum lugar, mas se espera que seja prorrogado por algo em torno de seis meses. Penso não ser recomendável a retirada ou a redução das tropas no momento em que vai ocorrer uma eleição muito complicada no país. O período eleitoral tende a ser violento, e as animosidades têm aumentado. Isso vai descambar em outubro; então, é fácil concluir que não dá para encerrar a missão. O Conselho de Segurança deve decidir os próximos passos no início de outubro. O que se comenta é que a missão terá uma extensão técnica, mas que o mandato não será renovado. Com isso, haverá um tempo de seis meses para consolidar o processo eleitoral.
O que foi discutido no encontro com Privert?
Participaram da reunião representantes da Minustah, o presidente interino, o premiê (Enex Jean-Charles) e três chefes de ministérios. Nós conversamos sobre a nossa situação no país e a nossa atuação antes, durante e depois do período eleitoral. Eles tinham muitas perguntas, e uma das preocupações do presidente era com a porosidade da fronteira do Haiti, por onde se transportam armas com facilidade. Ele perguntou como poderíamos atuar, mas isso não faz parte da missão da ONU, não está no nosso mandato e nós não temos efetivo para esse tipo de operação. A responsabilidade sobre isso é da Polícia Nacional do Haiti.
Há uma preocupação de que tais armas possam ser usadas em um momento de maior instabilidade?
Por parte de gangues, sim. Mas a polícia do Haiti, nos últimos dois meses, tem feito apreensões de armas quase que diariamente. Em geral, são armamentos menores e munição. Os policiais têm atuado nessa área e contam com a ajuda de denúncias da população e com a fiscalização rotineira nas estradas. Uma missão de avaliação da ONU estava prevista para março.
Ela se concretizou?
Não, eles adiaram porque a eleição de janeiro e a posse do presidente prevista para fevereiro não ocorreram. Decidiram esperar por uma definição. A missão não está definida, não se sabe quem virá, nem quando virá. É provável que ocorra em junho ou julho, mas o fato é que eles terão que vir ao país antes da reunião do Conselho de Segurança para terem informações.
O presidente foi a Nova York algumas semanas atrás. O que foi discutido?
Ele foi pressionado para que convoque uma data para a eleição. O mandato dele se encerra em 14 de junho, e é preciso uma definição sobre a parte institucional. A ONU, as embaixadas estrangeiras, a Organização dos Estados Americanos (OEA), a União Europeia (UE), todos cobram dos políticos haitianos um consenso sobre a realização de eleições. Enquanto isso não ocorre, o país fica nesse impasse, que gera insegurança e indefinições na área econômica. “Estamos esperando confusão porque, em 14 de maio (sábado), se encerra o prazo para a posse do presidente, que deveria ter sido eleito no mês passado”.
FONTE: Correio Braziliense