Por Francisco Sarsfield Cabral
A invasão da Ucrânia leva os europeus a levarem a sério sua defesa, sem colocar em questão a liderança dos EUA. Após anos em que viveram à sombra do poderio militar americano os europeus finalmente ganharam consciência de que não podem eximir-se nessa área vital.
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, afirmou que a política de Segurança e Defesa da UE “evoluiu mais nos últimos dias do que nas últimas duas décadas”. As novidades incluem entregas de equipamento militar à Ucrânia por parte de vários Estados membros, incluindo Portugal. E “a UE, pela primeira vez, utiliza o orçamento europeu para comprar e entregar armas a um país que está sendo atacado”, disse a presidente da Comissão Europeia, referindo-se ao pacote de 500 milhões de euros do Mecanismo Europeu de Apoio à Paz, para apoiar a defesa da Ucrânia.
A maior novidade nesta área veio da Alemanha. Os alemães até há pouco colocavam obstáculos e reservas à passagem no seu território de armas para os ucranianos. No dia seguinte ao início da invasão caiu esse tabu germânico. Por outro lado, o chanceler Scholz, com o acordo dos três partidos da coligação no poder em Berlim, prometeu elevar as despesas da Alemanha com a defesa de 1,5% do PIB para 2%.
Esse número de 2% era há muitos anos uma promessa por cumprir pela maioria dos países da UE, não obstante as insistentes pressões dos EUA (que gasta 3,5% do seu PIB em defesa). Os europeus acharam mais cômodo e mais barato viver à sombra do potencial militar americano.
Trump pôs em dúvida o empenho do seu país na OTAN, assustando os europeus. Mas nem a possibilidade de Trump voltar para a Casa Branca em 2025 levou os europeus a tomarem a sério o esforço de defesa. Até agora.
Recorde-se que em 1952, na sequência da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, os seis países desta Comunidade (França, Alemanha, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo) criaram, no papel, uma Comunidade Europeia de Defesa, para coordenar as forças armadas daqueles países. O projeto foi, porém, chumbado em 1954 na Assembleia Nacional francesa, com votos dos gaullistas e dos comunistas.
Voltaria depois a falar-se em defesa europeia. A posição francesa evoluiu para reclamar uma menor dependência do guarda-chuva nuclear americano. Os que, como Macron, advogavam uma autonomia estratégica da UE suscitavam receios, nos EUA e na Alemanha, de isso significasse um menor envolvimento na OTAN. Mas recentemente Macron desfez essas dúvidas: a OTAN é essencial. A invasão da Ucrânia reforçou a unidade entre os europeus e Washington.
Faltava a disposição para, finalmente, os europeus arcarem um pouco mais do esforço financeiro de uma defesa digna desse nome. Tanto mais que a saída do Reino Unido, um país nuclear, tornou a UE militarmente mais fraca. Na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia parece ter chegado a hora da defesa europeia.
FONTE: Renascença