Em termos de vôo em formação, lembro-me de um no qual levei um susto enorme, isso foi no início do ano..
Decolamos, 4 aviões, de Santa Cruz para mais uma missão de lançamento de foguetes no “stand” da Marambaia liderado pelo Maj. Bezerra, Ary Casaes Cavalcante. A missão correu normalmente e ao final ouvimos pelo rádio: “Esquadrilha d’Ouros, formação Diamante”. Posicionei-me abaixo do líder, bem no meio dos outros dois aviões formando, basicamente, uma cruz.
A Esquadrilha em vez de regressar para Santa Cruz tomou o rumo do Campo dos Áfonsos em Marechal Hermes, subúrbio do Rio de Janeiro aonde se situava a Escola de Aeronáutica (antiga AFA). Chegando lá, inesperadamente o Maj. Bezerra iniciou um looping bem em cima da pista. Até aí tudo bem, pois estávamos acostumados a fazer acrobacias diariamente. Na subida do looping, já na vertical, o avião número 2 entrou para dentro da formatura. Não tive outra opção a não ser tirar o motor para evitar uma colisão. Ele havia tomado meu lugar. Deparei-me então na seguinte situação: perna de subida do looping, motor reduzido, atrasado em relação aos outros 3 aviões e a velocidade caindo vertiginosamente. Coloquei, imediatamente, as manetes de potência todas a frente e falei pelo rádio de acordo com a doutrina da Caça: “Nº 4 atrasado”.
A partir daí, imagino o que o Líder, Maj. Bezerra, tenha pensado: o nº 4 atrasou, olhando para seu lado direito, não viu o nº 2 (ele estava na minha posição bem abaixo do avião do líder), no seu lado esquerdo o nº 3 na ala corretamente. Como estávamos em uma demonstração em cima da Escola de Aeronáutica, tendo como platéia todos os cadetes da FAB e para tentar “não fazer feio”, resolveu comandar outra acrobacia chamada “desfolhada”. Resumidamente, o desfolhado na subida do looping, em Diamante, os aviões 2 e 3 saem da formação em ângulos de 90º; o líder continua no looping e o nº 4 abandona a formação girando 180º na vertical e ao completarem os loopings individuais, já nivelados cruzam a baixa altura em forma de cruz.
Devido a perda da velocidade na subida, não me foi possível fazer o “desfolhado”. Cheguei ao topo do looping completamente “estolado”, com uma velocidade bastante baixa. Passei no dorso com o F-8 trepidando bastante e mergulhei atrás do líder ganhando velocidade. Para minha surpresa, o Maj. Bezerra resolveu terminar a acrobacia rasante.
Como eu estava a baixo do nº 2 que por sua vez estava abaixo do líder, fui obrigado a subir um pouco pois não havia espaço, para mim, entre o solo e os outros dois aviões.
Ao mudar uns 3 metros de altura, rasante e numa velocidade aproximada de uns 400 km/h, fui surpreendido pelo “remu” (massa de ar turbulenta que um avião deixa, normalmente em vôo, logo atrás dele). Meu avião, em função do tal “remu” gira lateralmente e vira de cabeça para baixo. Lembro-me, nitidamente, ter visto os aviões C-82 e C-119 do GTT (Grupo de Transporte de Tropas), estacionados na Base dos Afonsos, todos de dorso. Não eram os aviões estacionados que estavam de cabeça para baixo e sim eu que estava naquela situação.
Não me perguntem como consegui sair daquela “encrenca”. Certamente, devo ter empurrado o manche para frente, afastando-me um pouco do solo e dei um meio “tounau”.Felizmente a ponta da asa não bateu no chão, conseguindo nivelar o Gloster, prossegui na formatura.
Tudo isso aconteceu em segundos e não tive tempo para pensar em nada. Ao pousar em Santa Cruz, no regresso, foi que “a ficha caiu”. Eu devo ter lançado no sangue, muita adrenalina, pois ao tentar sair do avião, não consegui. Minhas pernas estavam bambas e sem firmeza para levantar-me. Solicitei ao mecânico o caderno de registro do avião e o preenchi dentro da cabine para voltar a calma. Ninguém notou nada e, após alguns minutos, consegui sair do F-8.
Esse foi um dos muitos sustos que levei durante a minha vida de aviador.
Nem todos conseguem sair de uma “encrenca” salvando o avião. A sorte do piloto, por vezes sacrifica a máquina. Foi o que aconteceu com o Ten. Carlos (Manoel, Pereira) no dia 25 de abril de 1965.
Ao voltar de uma missão, já na curva final do pilofe (manobra de pouso), trem em baixo, todo o flap, motores reduzidos e pouca velocidade para o pouso, entrou no “remu” do avião do Ten. Pereira (Odilon Holmitives) que o precedia. O F-8 projetou-se no solo sem que o Ten. Carlos tivesse a mínima chance de reagir. Com pouca velocidade o Gloster praticamente “pousou” sozinho no meio do mato da cabeceira da pista 22 da Base Aérea de Santa Cruz. O piloto saiu ileso e devido ao susto que todos passamos, o “pouso” do F-8 ficou imortalizado no cancioneiro da Caça, com a música “Kilombo, pilofe com tombo” (paródia da Festa de Arromba de Roberto Carlos).
Em todas as reuniões anuais da ABRAPC (Associação Brasileira dos Pilotos de Caça) essa música é cantada por todos, mesmo aqueles que não voaram o Gloster Meteor. Cantamos felizes, pois relembramos que o Ten. Carlos saiu ileso do acidente e prestamos uma homenagem ao avião que se sacrificou para salvar a vida de um caçador. Foi o vôo derradeiro do F-8 4418, nº de fabricação G5-453730.
Aqui cabe um comentário sobre vôos de formatura onde dois ou mais aviões voam a poucos metros uns dos outros.
Quando Aspirante Aviador, ouvi de um instrutor que o aluno deveria “vestir” o avião como se fosse um casaco. Interpretei que deveríamos esquecer a pilotagem e nos preocuparmos somente o que o avião líder fazia.
Acredito que todo piloto militar veste o avião quando em vôos de formatura. Anos mais tarde, já como instrutor de caça em Fortaleza, um Aspirante Aviador perguntou-me quais seriam os movimentos dos pés nos pedais e das mãos no manche e na manete do motor voando na ala de outro avião. Fiquei calado por uns instantes e respondi sinceramente: “Não sei!!!”
Como estamos olhando os movimentos do avião líder e mantendo permanentemente as mesmas distâncias longitudinais, verticais e laterais, não dá para nos conscientizarmos quais os movimentos que fazemos com os pés e mãos.
Na verdade “vestimos” realmente o avião como se fosse um paletó, esquecendo que ele existe. O que interessa é a distância relativa, nos três eixos, do avião líder. Um macete que eu usava era manter, sem deixar sair, uma perspectiva de um parafuso da asa do avião líder, sempre “dentro” do contorno da cabeça do piloto em liderança. Na visão do ala, abaixo e ao lado do líder, alinhar uma área da asa, um parafuso por exemplo, do avião líder a uma referência em relação ao piloto em comando, é relativamente fácil.
Dentro deste contexto, lembro, particularmente, de uma delas, em cima da Base Aérea de Santa Cruz, na qual demos um “show” comentados por todos os outros pilotos. A esquadrilha foi liderada pelo Cap. Pereira (Odilon Holmitives) tendo como nº2 o Ten. Duncan (Euro Campos), nº 3 o Cap. Frota (Ivan Moacyr) e eu de nº 4 fechando a formatura chamada de Diamante. (os 4 aviões voam em forma de cruz). A demonstração aérea, em comemoração a alguma data festiva, durou aproximadamente 50 minutos e durante todo o tempo, não saímos dos limites do “box” (caixa imaginária) do espaço acima da Base. Até hoje não sei como o Pereira conseguiu aquilo, pois todas as acrobacias demandam bastante velocidade e, para isso normalmente as aeronaves saiam do tal “box”.
As acrobacias rente ao solo, eram suaves e eu não fazia esforço nenhum para manter corretamente a minha posição.
Volto a comentar sobre o piloto que tem o dom de voar. O Líder, Cap. Pereira, conhecido na FAB como Macuco, foi um deles. Todos os 4 aviões sabiam que o Macuco os estava comandando e o ajudava a deixar aquela demonstração a mais perfeita possível. A minha impressão era a de que os comandos da aeronave mexiam-se autonomamente, sem nenhuma ação de minha parte. Naquele vôo eu fui espectador.
Sempre desconfiei que os F-8 eram seres vivos, com sentimentos, orgulho, tendo lá as suas vaidades e não queriam “fazer feio” perante ao piloto com o dom de voar. Saí do avião, após o pouso, descansado como estivesse levantando da cama após um sono tranquilo, completamente em paz comigo mesmo, com a FAB e com o mundo.
Era muito bom e fácil voar na ala do Cap. Pereira.
Ouro tipo de vôo que considero inesquecível foi o de emprego militar das aeronaves F-8. O “Stand” de tiro do Grupo de Caça localiza-se na Restinga da Marambaia, litoral do Rio de Janeiro, praticamente em frente da Base Aérea de Santa Cruz. O “stand” era tão perto para o F-8, que por vezes fazíamos vôos com duração de 20 minutos e lá jogávamos um monte de bombas e centenas de obuses dos canhões de 20 mm.
Uma das missões que mais gostava era a de Bombardeio Picado. Na perna com o vento do mergulho, a 8 mil pés, deveríamos enquadrar o alvo, no solo, dentro da alça de abertura manual do canopy. Para que essa situação acontecesse, deveríamos estar quase na vertical do alvo. Ai era só dar um meio parafuso e mergulhar. Durante a descida dever-se-ia equalizar a rotação dos motores para que o F-8 não ficasse passando de um lado para o outro, sem que conseguíssemos enquadrar o visor no alvo. A doutrina era largar as bombas a 4 mil pés e recuperar o mergulho para novo circuito. Dependendo do Esquadrão que estivesse tomando conta do Stand no dia, continuava-se no mergulho e lançávamos as bombas a mil pés, ou seja as entregávamos “em casa” e os acertos eram muito mais precisos. A partir daí, para não entrar chão adentro, puxávamos o manche e a força da gravidade na recuperação, atingia, por vezes 8 Gs. (8 vezes mais do que a gravidade normal). Nessa manobra, o coração não tinha força suficiente para bombear o sangue para a nossa cabeça. O primeiro órgão a sentir isso, são os olhos. Enquanto durasse a força “G” perdíamos a visão, só a recuperando após a aeronave passar pelo plano horizontal em relação ao solo.
Essa indisciplina era feita em virtude da forte competição entre os dois Esquadrões do Grupo. O “Segundão” tinha que ganhar sempre.
Quando Chefe da Seção de Armamento do 2º/1º Gav. Ca, reuni toda a Seção e mandei que estudassem uma maneira de melhorar os acertos de foguetes.
Após um tempo o Ten. Feitosa, Oficial de Armamento do “Segundão” propôs fixar os foguetes na parte traseira dos trilhos subalares para que eles saíssem mais tensos por correrem maior distancia “bitolado nos trilhos”.
Mandei fazer a mudança e nada comuniquei ao primeiro esquadrão.
A campanha de lançamentos de foguetes naquele ano foi um sucesso para o 2º/1º Gav.Ca. Ganhamos a Taça Eficiência, troféu disputado entre os dois Esquadrões anualmente, com larga margem de pontos.
Outra missão, o Tiro Aéreo, é feito com um circuito de vôo difícil de explicar. É o tráfego aéreo mais complicado até para um aviador, não caçador, entender. Imaginem um circuito de tiro terrestre. Normalmente o avião faz um circuito retangular fazendo o mergulho para o alvo sempre no mesmo rumo. Após o tiro, o piloto faz uma curva para um dos lados, na Marambaia era para a direita, sobe para a altitude do circuito e entra no rumo inverso do mergulho para o alvo. Após voar por algum tempo, curva novamente para a direita e no través do alvo, faz outra curva e mergulha enquadrando-o no visor para iniciar o tiro.
No aéreo, teoricamente, seria a mesma coisa, porém com um pequeno detalhe: o alvo se move numa velocidade um pouco inferior ao do Caça. Na prática, o circuito é linear e não em forma retangular e o caça voa basicamente no mesmo rumo em todo o circuito de tiro. Os caças ficam em um “poleiro” a mil pés acima e afastados lateralmente do avião que reboca o alvo. Um de cada vez mergulhavam sobre o alvo (faixa retangular de fibra aproximadamente 10 x 2 metros) e no ângulo e velocidades previstas, despejavam uma saraivada de tiros dos 4 canhões do Gloster.
Os obuses eram pintados de cores diferentes em cada avião, de maneira que pudéssemos conferir os acertos no alvo após o pouso. Muitas vezes saia uma discussão danada entre os pilotos cujas cores dos obuses eram laranja e amarelo.
Durante todo o tempo que voei F-8, nunca houve uma pane de motor e acredito que em toda a sua operação no Brasil nenhum piloto tenha voado monomotor sem ser em treinamento. Fui testemunha da robustez dos motores Rolls-Royce Derwnt 8 em um vôo de esquadrilha em alta altitude. Não lembro quem eram os pilotos, eu era o nº 2 o Ten. Vasquez (Julio Pato) o nº 4.
O motor do F-8 foi concebido na época da II Guerra. Era um motor a jato, convencional, porém sem a evolução tecnológica existentes nos motores modernos. Uma dessas tecnologias inexistentes era um assessório chamado FCU (Fuel Control Unit). Todo motor funciona com uma mistura ideal do ar atmosférico e combustível. A medida que o avião sobe, o ar vai se tornando mais rarefeito, necessitando em consequência, de menos combustível. O FCU é o responsável por isso.
Pois bem, estávamos a 42 mil pés, em torno de 12 mil metros de altitude, quando o nº 4 atrasou e para acompanhar a formatura foi obrigado a levar a manete dos motores a potência máxima. Como o movimento não foi extremamente lento, os dois motores superaqueceram, por excesso de combustível e apagaram. O F-8 iniciou uma descida. A reascendimento das turbinas, conforme o Manual de Emergência deveria ser feito abaixo de 18 mil pés. Quando o Vasquez cruzou esta altitude, deu partida nos motores e prontamente voltaram a funcionar. Regressamos para Santa Cruz, fizemos algumas acrobacias em cima da Base e pousamos normalmente.
Tinha sido apenas um susto e ao caminharmos de volta ao hangar, ouvimos o mecânico nos chamar:
-“Ten. Vasquez, venha ver só uma coisa”.
Ao chegarmos perto do escapamento das turbinas, vimos estarrecidos um líquido prateado escorrendo de dentro do motor para o chão. Este líquido prateado era alumínio derretido de alguma peça interna do motor. Vejam vocês que mesmo com parte do motor derretido, o Vasquez deu partida, os motores ascenderam normalmente, voaram mais uns 20 minutos sem deteriorar as suas performances e levaram o avião e o piloto são e salvos para a pista. O hoje Cel-Av R/R Vasquez guarda, como lembrança, parte daquele alumínio recolhido, após solidificar-se, no pátio de estacionamento da Base.
Naquela época, éramos considerados heróis até para os soldados e sargentos. Tenentes, tirávamos serviço de Oficial de Dia e de Operações da Base. Numa dessas ocasiões, quando estava como Oficial de Dia, mandei o barbeiro montar uma “barbearia”, próximo ao Portão da Guarda, no final do expediente de um dia normal de trabalho.
Na revista de saída dos primeiros soldados, casualmente do Corpo de Bombeiros, separei todos aqueles que estavam com o cabelo fora do padrão e os mandei para a “barbearia” improvisada. O inusitado correu, imediatamente por todo o efetivo dos soldados e contaram-me, posteriormente, que “vazou” soldado em todo o perímetro da Base para não passarem pela revista de saída. Eu era para ser odiado por todos os soldados, porém num próximo serviço de Oficial de Dia, um dos soldados bombeiro apresentou-se a mim e perguntou-me se podia dar-me uma lembrança. Achei estranho, mas disse-lhe que tinha a minha permissão. Passou-me então duas coisas que guardo até hoje com muito carinho.
O primeiro, foi uma maquete do Gloster esculpido por ele em madeira e pintado com as cores do “Segundão”. O segundo foi um desenho livre onde eu aparecia num F-8 sobrevoando a torre de Santa Cruz, onde no seu andar térreo localizava-se o Corpo de Bombeiros da Base. Devia ter anotado o nome do soldado. Infelizmente não o fiz.
Para fechar o ano de 65 vou contar um vôo que realmente não me agradou.
Não lembro ao certo, mas deve ter sido no dia 23 de outubro, Dia do Aviador. Imaginem a BASC de “Portões Abertos” e cheia de visitante.
Como era um dia festivo, direcionado as famílias dos militares e civis simpatizantes, o Comandante da Base autorizou aos pilotos a voarem com suas famílias nos aviões administrativos. “Caçador emérito” convidei minha mulher a fazer um vôo de T-21.
Decolagem, subida para uns mil pés, numa manhã de céu claro e um cenário maravilhoso da baia de Sepetiba. O vôo estava indo muito bem até que resolvi mostrar para minha mulher uma acrobacia. Por ser mais “light” iniciei um tounau barril. Acostumado com o Gloster, atingi 80 nós na picada, levantei o nariz do avião acima do horizonte e, com o pé e mão para a direita, começamos a rodar. A diferença que não me dei conta na hora, foi a velocidade do avião que estava acostumado e o T-21. O Fokker foi bem até o dorso e nessa posição, já sem velocidade e sustentação embicou em direção ao solo. Não tive alternativa a não ser puxar um “Gesinho” para colocar o avião na horizontal novamente.
Minha mulher conta até hoje que ela não conseguiu tirar a mão da perna, em função da força “G” e colocá-la na barriga. Vocês devem estar se perguntando: Por que na barriga?
Respondo: Ela estava grávida de 6 meses de meu segundo filho.
No início do ano ele nasceu saudável e sem vestígios daquele vôo. Ufa…….