Pequeno país comunista é um estado tampão no ponto mais vulnerável da fronteira da China e eleva a dependência dos EUA dos chineses. Confira na coluna Zeitgeist, por Alexandre Schossler.
A declaração do presidenciável republicano Donald Trump sobre as tropas americanas estacionadas na Coreia do Sul – sugerindo que Seul pague pela proteção – e os reiterados testes nucleares da Coreia do Norte chamam a atenção para uma das construções geopolíticas mais peculiares do pós-Guerra: a divisão da Península Coreana em dois estados, popularmente conhecidos como Coreia do Norte e Coreia do Sul.
Essa divisão é um resultado direto da vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial e deu fim ao domínio japonês na península. Em 1910, o Japão havia anexado a então Coreia, dando a ela o status de província. Com a derrota do Japão na guerra, Estados Unidos e União Soviética assumiram a administração do território coreano e o dividiram entre si, dando origem aos dois atuais estados do norte e do sul.
Em 1950, o norte invadiu o sul para tentar impor a reunificação da península, sem sucesso. Ao contrário, o conflito de três anos daí resultante, a Guerra da Coreia, acabou sedimentando a divisão entre o norte comunista, já sob a esfera de influência da China, e o sul capitalista, aliado dos EUA. Sem grandes mudanças, essa é a situação que perdura até hoje.
Um pilar essencial para a manutenção desse status quo são os interesses da China. Muitos analistas consideram a Coreia do Norte um estado tampão, cuja existência impede que a China tenha fronteira com um país capitalista e aliado dos Estados Unidos, onde estão estacionados 28 mil soldados americanos.
A favor dessa visão está a tese de que a China tem seu ponto mais vulnerável na fronteira com a Península da Coreia. Por outros lugares, esse país de dimensão continental é difícil de ser atacado, com montanhas, florestas, desertos e a Sibéria oferecendo proteções naturais. Como aponta o especialista em geopolítica George Friedman, um dos poucos locais onde a China é vulnerável é o Rio Yalu, que separa o país da Coreia do Norte.
Assim, é do total interesse da China que a Coreia do Norte continue sendo exatamente o que ela é – um regime comunista, inimigo dos EUA – e que a reunificação da Península da Coreia nunca ocorra.
Friedman, porém, vai um pouco além na sua análise da importância geopolítica da Coreia do Norte para a China: segundo ele, a existência desse pequeno país comunista, com suas obsessões nucleares, eleva a dependência que os EUA têm da China – pois só a China sabe lidar com essa ameaça incontrolável (aos olhos dos EUA). Assim, enquanto existir a Coreia do Norte e seu programa nuclear, os Estados Unidos vão precisar da China para controlar o perigo e evitar um conflito.
Nos últimos anos, porém, o governo da China deu sinais de que anda perdendo a paciência com a Coreia do Norte e seu jogo nuclear. No início de março, os chineses concordaram com sanções mais duras ao regime em Pyongyang pelo Conselho de Segurança da ONU – mas não tão duras que arrisquem a estabilidade do regime no pequeno país vizinho.
Publicada às segundas-feiras, a coluna Zeitgeist oferece informações de fundo com o objetivo de contextualizar temas da atualidade, permitindo ao leitor uma compreensão mais aprofundada das notícias.
FONTE: DW