Antes de abordar sobre o BPC Dixmude, vamos voltar a década de 60 e ver com quais meios a Marine Nationale (MN) operava e o ganho operacional com a chegada da Classe Mistral em 2006.
O TCD Ouragan L-9021 e o Orage L-9022 foram lançados em 1963 e 1968, respectivamente, e operaram até 2007, quando deram baixa do serviço ativo. Esses navios deslocavam full load 8.500 ton e tinham 149 metros de comprimento, possuiam dois convoos que permitia operar com os helicópteros pesados SA321 Super Frelon, e embarcavam em torno de 200 soldados.
Com o tempo, a MN viu a necessidade de possuir meios mais capazes, o que acarretou no lançamento do TCD Foudre (L 9011) em 1990 (atualmente LSHD Sargento Aldea – Marinha do Chile), que deslocava 12.000 ton, possuía a capacidade de operar até 4 helicópteros simultaneamente, acomodando até 450 soldados e provido de uma doca alagável com 13.000 m², o que lhe proporcionava uma capacidade maior para atender as necessidades da MN. Em 1998 o Siroco (L 9012), segundo navio da mesma classe, foi incorporado à MN, onde permanece na ativa até este momento.
O BPC Mistral – Um novo conceito em navio de desembarque anfíbio
Estudos para um navio de intervenção multi-propósito (Bâtiment d’intervention polyvalent, BIP) começou, quando as indústrias de defesa estavam se preparando para uma reestruturação e integração. O BIP foi concebido para ter um design modular e escalável, que poderia ser disponibilizado para as várias nações da União Européia e construído de forma cooperativa, mas questões políticas, relativas ao emprego e a repartição dos contratos, fez com que a integração dos países europeus falhasse e o projeto BIP tornou-se uma prioridade exclusivamente francesa.
Na Euronaval de 1998, os franceses confirmaram que estavam planejando construir uma série de navios com base no conceito do BIP-19. No entanto, a construção de dois navios, Mistral e Tonnerre, não tinha sido efetivada até 8 de dezembro de 2000.
Um contrato para a construção foi publicado em 22/12/2000, e após aprovação da autoridade pública de aquisição (Union des groupements d’Achats públicos, UGAP) em 13 de Julho de 2001, foi atribuído à Direction des Constructions Navales (DCN) e do Chantiers l ‘Atlantique no final de julho.
Uma equipe de projeto de engenharia foi estabelecida em Saint-Nazaire, em setembro de 2001, e após consulta entre DCA e a DGA (Direction Générale de l’Armement), começou a estudar e adaptar o design do BIP-19. Durante o processo de design e validação, um modelo em escala 1/120 foi construído e testado em um túnel de vento, revelando que com fortes ventos, a altura do navio e as superestruturas alongadas, criavam turbulência ao longo do convés de voo. Então, o projeto sofreu alterações para minimizar esses efeitos e proporcionar melhores condições para operações aéreas embarcadas com helicópteros.
Os navios foram construídos em locais diferentes, sendo que à DCN, coube encabeçar a construção, sendo responsável por 60% do custo da construção e 55% da hora trabalhada, montando os motores em Lorient, os sistemas de combate em Toulon, e a metade posterior do navio, o que incluia a ilha e a superestrutura em Brest.
O STX Europe, uma subsidiária da STX Shipbuilding da Coreia do Sul, construíu as metades para a frente de cada navio, em Saint-Nazaire, e foi responsável por transportá-las para o estaleiro DCN, em Brest, para a montagem final. Alguns dos trabalhos de construção foram terceirizados para o Stocznia Remontowa, de Gdańsk, enquanto a Thales cuidou dos radares e dos sistemas de comunicação.
Previa-se que cada navio levaria 34 meses para ser concluído, desde a concepção até aconstrução dos dois navios, que custaram € 685 milhões, aproximadamente o mesmo que um único navio como o HMS Ocean (Britânico) ou do USS San Antonio (Americano), alcançando também o mesmo custo da classe Foudre, que desloca a metade da tonelagem dos navios da classe Mistral e levou 46,5 meses para ser concluído.
A partir do Dixmude, e dos dois primeiros navios para a Marinha da Rússia, tudo será construído em Saint-Nazire, pela STX França, que pertence a STX Europe, Alstom e ao governo francês. Coube a DCNS, o fornecimento do sistema de combate do navio.
Os 3 navios da Classe Mistral (BPC Mistral, Tonerre e Dixmude), são, depois do porta-aviões nuclear Charles de Gaulle, os maiores navios da Marinha francesa.
O BPC Dixmude
Como um bom ‘Canivete Suísso’, o BPC Dixmude pode realizar diferentes ações numa mesma missão, proporcionando ao seu operador, um ganho enorme em termos de operacionalidade.
As informações dos sensores do navio são centralizadas no sistema SENIT (Systeme d’exploitation Informações Navale Tactiques). O SENIT 9 opera baseado em torno do radar Thales MRR3D-NG Multi, operando na banda C que incorpora recursos IFF. O SENIT 9 também pode operar com troca de dados através dos Link 11 OTAN, Link 16 e Link 22.
Para as comunicações, o navio usa o sistema de satélite Syracuse, com base nos satélites franceses Syracuse 3-A e 3-B que fornecem 45% das comunicações Super High Frequency.
Armamento
Para sua defesa aérea, o navio conta com dois lançadores Simbad, para mísseis Mistral. 4 metralhadoras de 12,7 mm e previsão para instalação de 2 canhões de 30 milímetros.
Incidentes como o da corveta israelense Hanit , atingida por um míssil disparado pelo Hezbollah durante a Guerra do Líbano em 2006, mostraram a vulnerabilidade dos navios de guerra modernos contra ameaças assimétricas. Os 3 navios da classe Mistral são considerados sub-equipados para auto-defesa, por esta razão, não podem operar em águas hostis sem navios de escolta.
Comparando o Dixmude com os 2 navios da mesma classe anteriores, Mistral e Tonerre, algumas modificações foram introduzidas como:
-Motores diesel MAN no lugar do Wärtsilä;
-Instalação de mais um Bow thruster afim de melhorar a manobrabilidade;
-Melhorias no isolamento de redes elétricas;
-Pintura do convés de voo mais resistente;
-Aumento da área envidraçada do Passadiço Superior;
No Passadiço, uma das diferenças visíveis está no console secundário de controle dos azipods como pode ser visto nas fotos abaixo.
O COC – Centro de Operações de Combate
O COC do Dixmude é a primeira vista muito simples. Ele por ter os consoles coloridos não tem aquela imagem escura que normalmente se observa em navios escoltas, porém, isso em nada diminui sua importância, pois seus equipamentos são modernos o que confere ao navio a possibilidade de exercer o comando e controle da Força.
1) Radar Ar/Superfície Thales MRR3D-NG;
2) Radar de Navegação DRBN-38A Decca Bridgemaster E250;
3) MAGE (Medidas de Apoio de Guerra Eletrônica);
4) Syracuse e
5) Inmarsat
Acomodações
Conforto.Esta é uma das características mais positivas do navio. O conforto a bordo é elevado, tanto para a tripulação quanto para os soldados e pilotos. Com equipamentos modernos, camarotes espaçosos, corredores e escadas amplos, o navio é 100% funcional. Um pequeno exemplo é o sistema de descarga a vácuo, semelhante ao usado em aviões.
Operações aéreas
Com um convoo medindo aproximadamente 6.400 m², possui 6 “spots” para a operação com helicópteros, sendo que o spot 1 é capaz de operar com um helicóptero de até 33 toneladas, como o CH-53E Super Stallion.
Diferentes modelos podem operar no BPC Dixmude como o SA319B Alouette III, Lynx MK4, SA565 Phanter e Caïmann (NH-90) da Aeronavale, SA342 Gazelle, SA330 Puma e EC665 Tiger da Aviation légère de l’armée de Terre (ALAT) e com o EC725 Caracal da L’Armée de l’Air.
Os 1.800 m² do hangar podem acomodar 16 helicópteros, possuindo uma área de manutenção equipada com uma ponte rolante.
O navio possui 2 elevadores com capacidade de levantar até 13 toneladas cada. O principal, localizado à popa do navio, é capaz de carregar os helicópteros com seus rotores em configuração de voo e o elevador auxiliar, que fica a boreste logo atrás da ilha, somente com as pás dos rores dobradas e as caudas rebatidas.
Operações Anfíbias
O BPC Dixmude tem capacidade de receber 450 soldados, porém este numero pode ser duplicado mudando algumas configurações internas do navio, projetada para este fim. Os 2.650 m² do hangar para veículos pode transportar até 100 veículos blindados ou 13 tanques pesados Leclerc, ou no caso da MB 13 CLAnf.
A Doca alagável do navio possui 885 m², podendo operar com quatro embarcações de desembarque CTM (Chaland de Transport de Materiel/LCU Landing Craft Units). O navio também é capaz de operar duas embarcações LCAC (Landing Craft Air Cushions) ou dois EDA-R /LCAT (Landing Catamaran).
Apesar de poder operar com o LCAC, o que melhoraria a capacidade do navio em operar com o United States Marine Corps e a Marinha Real, a Marine Nationale parece não ter intenção de adquirir o LCAC, muito pelo contrário, a DGA encomendou oito EDA-R, que é de projeto francês.
Um Senhor Hospital
O BPC Dixmude transporta uma unidade médica equivalente a um hospital de campo completo, contando com serviços de odontologia e diagnóstico, sala de cirurgia, atendimento psicológico e de higienização de alimentos.
Os 750 m² do hospital dispõem de 20 quartos e 69 camas, das quais 7 são próprias para cuidados intensivos. As duas salas de cirurgia são completas e o navio ainda conta com uma sala de radiologia, fornecendo radiografia digital e ultra-sonografia, e ainda um tomógrafo. 50 camas medicas são mantidas em reserva e podem ser instaladas no hangar de helicópteros, afim de ampliar a capacidade do hospital em caso de emergência.
CCM – Propulsão
Diferentemente de seus irmãos, o BPC Dixmude utiliza motores diesel MAN no lugar do Wärtsilä. O navio utiliza propulsores azimutais, alimentados por eletricidade fornecida por três geradores a diesel, podendo girar em qualquer ângulo. Esta tecnologia de propulsão, proporciona significativa capacidade de manobras, além de liberar um espaço que normalmente seria utilizado para acomodar as máquinas e eixos do hélice.
Com suas 21.600 toneladas de deslocamento, o navio pode atingir até 19 nós de velocidade máxima. Segundo o Captain Guillaume Goutay, a velocidade máxima poder ser atingida em apenas 10 minutos, podendo sustentar por um bom tempo. A velocidade de cruzeiro fica entre 15 e 17 nós.
Como nesta ocasião não nos foi permitido realizar fotos do CCM, a título de ilustração, usamos as fotos abaixo feitas a bordo do BPC Tonerre, pois existem poucas diferenças entre eles.
Nas imagens abaixo, podemos ver os transformadores que convertem os 6,2MW, gerados pelos MCAs em diferentes correntes, para o perfeito funcionamento do navio.
Nesta oportunidade na Praça de Máquinas do Dixmude, vimos de perto o equipamento da RR, que controla os estabilizadores do navio, e o local exato aonde os azipods são fixados, observando o painel de controle individual, no caso o do azipod de boreste.
Conclusão
O Plano de Articulação e Equipamento da Marinha do Brasil (PAEMB), criado em consequência da Estratégia Nacional de Defesa (END), é um plano de reequipamento que abrange todos os meios da Marinha do Brasil.
Segundo o PAEMB, teremos: dois novos porta-aviões, seis submarinos nucleares e quinze novos submarinos de propulsão convencional e, ainda dentro deste plano, a contratação e construção em estaleiros nacionais, de quatro “Navios de Propósitos Múltiplos”, que devem ser entregues até 2028.
Inexplicavelmente este tipo de navio, tão necessário à nossa Marinha, não foi incluído no pacote chamado Prosuper e com a recente baixa do Navio de Desembarque Doca Rio de Janeiro e o atual estado em que se encontra o NDD Ceará, a Marinha do Brasil não vai conseguir operar adequadamente com os Fuzileiros Navais.
Os navios da classe Mistral possuem características muito interessantes para a MB pois, são silenciosos, estáveis, possuem um hospital de campo completo, tem grande capacidade de carga, podem operar com todos os modelos de helicópteros da nossa Aviação Naval, acomoda um numero expressivo de soldados, veículos blindados e Tanques/CLAnfs, contando ainda com sistemas de comunicações no estado da arte e um ponto muito importante nos dias atuais: É o mais barato.
Na nossa opinião, uma das razões para o seu baixo custo está no seu limitado sistema de auto defesa. Esta característica obriga o navio a ter sempre uma, ou mais escoltas, operando em conjunto. Uma opção de custo, não muito elevado para melhorar sua auto defesa, seria a instalação de lançadores automáticos quádruplos Tetral, no lugar dos Simbad, que são duplos.
Nós Editores do Defesa Aérea & Naval, gostariamos de agradecer a Sra. Marcia D’ângelo (Consulado da França no Rio de Janeiro), pelo suporte que recebemos para a realização desta cobertura, por ocasião da visita ao Rio de Janeiro da Mission Jeanne D’Arc 2012.
LEIA MAIS:
PASSEX da Missão Jeanne D’Arc com a Marinha do Brasil: Fase Anfíbia I
PASSEX da Missão Jeanne D’Arc com a Marinha do Brasil: Fase Naval I
PASSEX da Missão Jeanne D’Arc com a Marinha do Brasil: Fase Anfíbia II
PASSEX da Missão Jeanne D’Arc com a Marinha do Brasil: Fase Naval II
PASSEX da Missão Jeanne D’Arc com a Marinha do Brasil: Fase Naval III
PASSEX da Missão Jeanne D’Arc com a Marinha do Brasil:Fase Anfíbia Final
Grande Padilha, meus parabéns pela matéria.
Só um acréscimo ao seu texto o PAEMB na verdade prevê sim a adquisição desse Classe de belonaves, quando se diz “Navios de propósitos múltiplos” o PAEMB está falando exatamente de embarcações como as belonaves da Classe Mistral ou da Classe San Giorgio. O documento oficial do PAEMB não foi muito claro quanto a isto, mas é isso que o mesmo quer dizer como propósito múltiplo. Seriam dois navios ao estilo do HMS Ocean como uma Divisão Anfíbia móvel e dois navios de desembarque doca como a Classe Mistral. O demais navios seriam três navios logísticos. Mesmo o PAEMB não demonstrando também existe a necessidade de novos caça minas e rebocadores armados de alto mar.
Grato pela observação Cícero.
Abraços,
Padilha
Parabéns pela matéria. Completa e perfeita.
Abraços,
Justin
Meus parabéns, foi uma das melhores coberturas de visita a um navio que já vi: rica em detalhes, comparações e opinião do autor.
Mas este novo já tem 3 modelos em operação, e é o mais barato de todos os existentes, logo, como somos pobres e nunca poderemos sonhar com nada do Tio Sam, senão a turma do contra briga, acho que este navio atende bem.
continuando; muito novo, pois sempre há algo a corrigir ou melhorar…
Mais uma vez parabéns pela riqueza de detalhes do texto e das fotos.
Grandenabraçop
Blz! Eu sei como ´são estas coisas Padilha, de qualquer forma, as informações que vocês trouxeram para nós foram bastante precisas e para mim comprovou uma tese:
Nunca é bom compra um projeto muito
Juarez, eu perguntei em off, e não obtive resposta. Estranhei da mesma forma que não foi possível fotografar o CCM do navio. O Chemaq não autorizou. Em suma, nem sempre conseguimos tudo o que queremos, mas fazemos o possível e o impossível, para trazer infos e belas imagens para vocês. Apesar de ter sido “sabotado” rsrsrsrs, eu consegui as fotos aéreas que eu queria.
Parabéns pela matéria !
Parabéns Padilha! Bela matéria, a popósito, por um acaso, os editores perguntarm ao pessoal da MN o porque da troca dos motores?
Grande abraço
Valeu Gerson, que bom que vc gostou!
Boa Padilha!!…Bela matéria, bem esclarecedora!.
Obrigado por suas palavras
Sensacional em dobro!! Parabéns pela excelente matéria!!
Parabéns ! Sensacional!