No 70 anos da Aliança Atlântica, líderes de países da organização reúnem-se em Londres. Estaria ela de fato em “morte cerebral”, como afirma Macron? Encontro promete ser repleto de obstáculos, em vários fronts.
É bastante improvável que o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, esperasse um pedido de desculpas do presidente da França, Emmanuel Macron, quando ambos se encontraram em Paris para aparar as arestas, após a infame descrição do francês sobre a aliança, que disse se encontrar em estado de “morte cerebral” devido a sua defeituosa cláusula de defesa mútua.
Mas Stoltenberg dificilmente estava preparado para Macron redobrar suas críticas e declarar que estava até mesmo satisfeito que tivesse gerado o furor que está dominando as manchetes, às vésperas do que se esperava ser uma reunião basicamente autocongratulatória para marcar os 70 anos da Organização do Tratado do Atlântico Norte, nestas terça (03/12) quarta-feira em Londres.
“Talvez estivéssemos precisando de um toque de despertar”, disse Macron em tom desafiador, ao lado do chefe da Otan. Ele sugeriu que a aliança crie um grupo de especialistas para avaliar como energizar o raciocínio estratégico, proposta também defendida pela Alemanha. Espera-se que os demais líderes apoiem esse conceito, com a preparação de um relatório a ser apresentado na cúpula da Otan em 2021.
Entretanto, para alguns especialistas, se a intenção de Macron era provocar choque nos aliados ao se manifestar por um poder militar mais eficiente, ele está procedendo da forma errada.
“O presidente Macron não está tentando iniciar um diálogo”, afirma Tomás Valásek, diretor do instituto de política externa Carnegie Europe. “Ele já sabe as respostas que deseja ouvir: um recomeço com a Rússia e um papel mais fraco dos Estados Unidos na segurança da Europa. Essas são posições em que ele é minoria. Se quer verdadeiramente mudar as políticas da Otan, não deveria começar atirando pedras, mas sim construir pacientemente coalizões para apoiar o ponto de vista francês.”
Uma visão particularmente controversa que Macron tenta avançar, é que o terrorismo, e não a Rússia, seria a maior ameaça aos países da Otan, e que chegou a hora de uma reaproximação com Moscou. “Um presidente de um país aliado semear abertamente a discórdia prejudica o poder de dissuasão”, afirmou Valásek.
Como ex-embaixador da Eslováquia na Otan, ele não está pronto a rebaixar a ameaça representada por Moscou tão rapidamente quanto Macron. “Todos na Otan desejariam melhores relações com a Rússia. Mas a maioria já chegou à conclusão de que Moscou está mais interessado em sabotar a Otan e a ordem da segurança europeia, uma vez que a desordem seria uma vantagem para os russos.”
Conta-se que os líderes endossarão o primeiro relatório da Otan sobre os desafios impostos pelo rápido crescimento e militarização da China. Alexander Mattelaer, pesquisador-chefe do Instituto Egmont da Bélgica, recomenda veementemente que se preste atenção ao que ocorre no gigante asiático, mas também nas relações entre o país e os EUA.
Ele alerta que o impacto na Europa e na Otan poderá ser enorme, e lembra que ninguém menos do que o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger alertou que o mundo está “no sopé de uma Guerra Fria”, enquanto não há perspectivas de “futuras negociações para reduzir o conflito político”.
Os EUA se envolverem de fato num conflito com a China seria um desastre em toda a região da Otan, afirma Mattelaer. De onde viriam as forças de defesa, se os EUA estiverem amarrados em outra parte do mundo? “Teriam que ser forças majoritariamente europeias. Esse é um argumento que o Pentágono vem tentando fazer há muitos e muitos anos.”
É claro que ninguém esquece o fator Trump. O presidente americano rouba a atenção em todas as reuniões da Otan ao repreender os aliados, especialmente a Alemanha, por seus gastos relativamente modestos com a defesa. Entretanto a Otan vem se esforçando para ensaiar um caminho positivo até a cúpula de Londres no que diz respeito às finanças, com alguns desenvolvimentos importantes sendo apresentados nos dias que antecedem o evento.
Stoltenberg anunciou uma nova fórmula de financiamento para o orçamento comum da Otan, que reduz as contribuições americanas em mais de 100 milhões de dólares e equipara a participação da Alemanha no orçamento da Otan à dos americanos, 16,35%. Todos os demais aliados, com exceção da França, concordaram em contribuir mais para a Aliança.
Apesar de esse reajuste nada ter a ver com a perpétua discussão de que os países europeus deveriam elevar seus gastos militares a 2% dos respectivos Produtos Internos Brutos (PIB), também sobre esse assunto há noticias melhores. Stoltenberg anunciou recentemente que os aumentos dos gastos continuarão, à medida que os aliados europeus se comprometem a dedicar parcelas maiores de suas verbas à defesa, após os necessários cortes orçamentários de 2014.
“Vivemos num mundo mais imprevisível, precisamos investir mais em nossa segurança compartilhada”, afirmou o secretário-geral da Otan. No entanto, a maior de suas preocupações são os aliados “imprevisíveis” dentro da própria Aliança Atlântica.
FONTE E FOTO: DW