Buenos Aires – Os habitantes das Ilhas Malvinas iniciaram ontem um referendo para decidir se o arquipélago permanecerá sob o domínio da Grã-Bretanha ou passa para o controle da Argentina, cujo governo reivindica soberania sobre o território. Buenos Aires, porém, recusa a validade jurídica da consulta, pois ela se limita aos “kelpers”, como são conhecidos os britânicos que moram nas ilhas.
Apesar do dia frio e chuvoso, moradores das Malvinas formaram longas filas, muitos deles vestidos com estampas tricolores da bandeira britânica, diante das seções eleitorais.
A embaixadora argentina em Londres, Alicia Castro, voltou a afirmar que a consulta não deve ter valor jurídico. “Apenas cidadãos britânicos participam (do referendo). Ele é organizado por e para britânicos, com o objetivo de dizer que devem seguir sendo britânicos.”
Um total de 1.672 eleitores – amplamente superados em número nas ilhas pela população de 1 milhão de pinguins e 700 mil ovelhas – respondem até o fim do dia de hoje “sim” ou “não” para a pergunta: “Você deseja que as Ilhas Falklands (como as denominam os britânicos) permaneçam com seu atual status político de Território Ultramarino da Grã-Bretanha?”.
A alternativa seria iniciar uma transição para o controle argentino, talvez a partir de um período de soberania compartilhada, como sugeriu o governo do país latino-americano. A votação ocorre mais de três décadas após a Argentina ter tentado resolver à força a questão, invadindo as ilhas e perdendo uma guerra de dez semanas – que custou as vidas de 255 militares britânicos e 649 soldados argentinos, assim como as de 3 civis.
A esmagadora maioria dos moradores das ilhas é de cidadãos britânicos e analistas políticos locais esperam que os votos para que se mantenha o atual status fiquem pouco abaixo dos 100%.
Conflito. Na Argentina e na Grã-Bretanha, a Guerra das Malvinas, de 1982, causou mudanças profundas. Do lado argentino, a ditadura militar, que lançou a invasão ao arquipélago, acabou desacreditada e caiu. Do lado britânico, a vitória no extremo sul do continente americano garantiu, pouco depois, o triunfo eleitoral da primeira-ministra Margaret Thatcher, que enfrentava uma profunda crise política.
Mas nos últimos anos, a antiga animosidade retornou, impulsionada por uma dura campanha da presidente argentina, Cristina Kirchner, que adotou inúmeras medidas com intenção de impor pressão econômica aos ilhéus, entre elas a proibição de que navios de cruzeiro partam de portos argentinos em direção ao arquipélago.
O referendo foi rejeitado pela presidente Cristina, para quem os ilhéus são “implantes coloniais” da Grã-Bretanha. O ministro das Relações Exteriores argentino, Héctor Timerman, chama os moradores do arquipélago de “colonos”, mostrando a mesma dureza. “Os ilhéus das Malvinas não existem”, afirmou.
No último comunicado sobre o tema antes da votação, no sábado, a chancelaria argentina afirmou que o referendo “não porá fim à disputa de soberania”.
A posição agressiva da Argentina, acompanhada certas vezes de insinuações beligerantes de militares e políticos do país latino-americano que não excluem outra possível tentativa de tomar as ilhas à força, tem sido rejeitada pelo primeiro-ministro britânico, David Cameron.
Funcionários do premiê têm afirmado que ele é consciente de que perder o arquipélago em uma nova invasão argentina provavelmente amaldiçoaria seu governo nas urnas. Cameron conduziu uma intensa revisão da presença das forças britânicas presentes nas ilhas, que incluiu o destacamento de um batalhão com 1,2 mil soldados, a construção de uma base aérea, a permanência por todo o ano de quatro caças-bombardeiros Typhoon na região e, segundo afirmam alguns relatórios britânicos, o destacamento de um submarino nuclear para o Atlântico Sul.
Mas a resposta de Cameron é tanto política como militar. Apesar de o referendo ter sido formalmente convocado pelo governo eleito por voto popular, a manobra foi pensada a partir de estritas consultas com o governo de Londres. Funcionários da chancelaria britânica veem a ratificação da opção dos ilhéus em permanecer britânicos como uma maneira de trazer o debate internacional para seu direito de autodeterminação, o que substituiria a batalha colonial atualmente em andamento.
FONTE: O Estado de São Paulo