Em um dos momentos mais críticos das relações entre Argentina e Reino Unido, as bandeiras britânicas presentes nas casas, nos automóveis e no comércio ratificaram, ontem, o que todos já sabiam: os cerca de três mil habitantes do pequeno arquipélago localizado ao Sul do continente americano querem permanecer sob o domínio britânico.
Em um discurso afinado, os 1.368 cidadãos habilitados a votar compareceram em massa ao referendo que começou no último domingo e terminou às 18h de ontem. A grande maioria queria dizer “sim” à presença de forças militares britânicas no lugar, cujo tamanho pode ser comparado ao País de Gales.
Provocação da presidente
Para a presidente argentina Cristina Kirchner, a notícia não podia ser pior. Afinal, a principal razão do plebiscito foi uma provocação feita por ela, ao questionar o governo britânico sobre a soberania nas Malvinas, ou melhor, Falklands, segundo corrigem os moradores.
– Aqui não usamos a palavra Malvinas, à exceção do Malvinas House, que é um hotel assim chamado porque a filha do dono tinha esse nome – explicou John Fowler, nascido na Inglaterra, mas há mais de 40 anos morador do local.
Fowler, que é subeditor do jornal “Penguin News”, disse que a ratificação da soberania do Reino Unido se deve ao receio dos habitantes, especialmente daqueles que presenciaram a invasão das Malvinas por soldados argentinos, em 1982, de que o fato se repita. Ele lembrou que os primeiros ingleses chegaram no início do século XIX.
– É claro que queremos ser um povo independente. Mas somos todos, de alguma forma, traumatizados com o que aconteceu aqui há 30 anos, quando milhares de soldados argentinos invadiram as Falkands – comentou Aase Dave, de 71 anos, descendente de escandinavos e nascida nas Malvinas.
Tanto ela como diversos votantes disseram estar preocupados com o futuro. E esse futuro, sem a proteção britânica, não interessa à maioria deles.
– Esse referendo é uma resposta para o mundo e não para nós. Queremos deixar claro para todos o que pensamos – enfatizou o fazendeiro Dawen Bacley, que votou acompanhado da esposa, Jackeline.
Passaporte britânico
Como as Malvinas são definidas como um protetorado e território ultramarino do Reino Unido, as pessoas nascidas aqui têm passaporte britânico, mas são usualmente chamadas de malvinenses (português) ou kelpers (inglês). Quem nasceu na Inglaterra só pôde votar no referendo se estivesse vivendo no arquipélago há mais de um ano. No caso das demais nacionalidades, a exigência era que os votantes morassem no local há mais de sete anos e fossem naturalizados britânicos. Isso valia, inclusive, para os argentinos.
Além disso, embora os habitantes possuam um sistema legislativo independente, as Malvinas estão subordinadas ao Reino Unido no tocante à defesa e às relações exteriores. E, ao que tudo indica, essa situação permanecerá assim por muito tempo.
– É nosso interesse que todos saibam o que pensamos e o que queremos – disse Keith Padgett, chefe do referendo.
Mas o agrônomo Nicholas Petaluga, que estudava em Buenos Aires há 31 anos – quando os argentinos iniciaram e perderam, meses depois, a Guerra das Malvinas -, deixou claro que, apesar do status de território, os moradores se julgam os donos do lugar. Petaluga nasceu no arquipélago.
– Somos os donos da terra e somos muito agradecidos por nossa relação com o Reino Unido – disse.
FONTE: O Globo – Por Eliane Oliveira