Em meio à escalada da violência na República Democrática do Congo, o general brasileiro que comanda as tropas de paz da ONU no país, Carlos Alberto dos Santos Cruz, afirmou que os rebeldes cometeram um crime de guerra ao bombardear ao menos três vezes a cidade de Goma desde a semana passada.
“Bombardear população civil é crime humanitário”, disse Santos Cruz, em entrevista à BBC Brasil. “População civil não é objetivo militar. (Os ataques são) só pra causar o caos e o pânico. (Os rebeldes) querem se tornar importantes no processo político através de uma chantagem humanitária.”
“Isso são coisas inadmissíveis. E a ONU reagiu dentro do mandato”, acrescentou. “Ela tem que proteger a população civil e também se defender. Principalmente os civis da cidade de Goma.”
As tropas da ONU entraram no combate entre rebeldes e forças do governo na última sexta-feira – após os ataques a Goma, que deixaram ao menos cinco moradores da cidade mortos.
Nesta quarta-feira, os capacetes azuis voltaram a atacar o grupo rebelde M23 no distrito de Kibati (a 15 km de Goma) com um esquadrão de helicópteros de ataque e artilharia e infantaria mecanizada. A ofensiva é realizada em conjunto com as forças congolesas.
Ao menos um militar das forças de paz foi morto na ação, e outros dois ficaram feridos. Não há estimativas oficiais sobre o número total de baixas entre os rebeldes e forças do governo.
Fontes médicas locais disseram que só no fim de semana aproximadamente 60 rebeldes e 20 soldados congoleses morreram nos combates. Mais de 700 pessoas teriam sido feridas. Os combates chegam ao sexto dia consecutivo.
“Estamos tomando todas as ações e usando todos os nossos meios para eliminar a ameaça ou ao menos empurrar os rebeldes para longe da cidade (de Goma), fora do raio de alcance dos canhões deles”, disse o general.
Dinâmica da missão
O M23 é o maior dos cerca de 50 grupos rebeldes que atuam na região dos Kivus, no leste do Congo. Ele é formado por ex-militares congoleses, a maioria da etnia tutsi, contrários ao governo central. A ONU e os Estados Unidos suspeitam que eles recebam ajuda militar do país vizinho Ruanda.
Os rebeldes chegaram a capturar Goma em novembro do ano passado e só deixaram a cidade após forte pressão diplomática e negociações de paz.
Porém, no dia 14 de julho, o governo e o M23 voltaram a se enfrentar em um combate de larga escala.
O general Santos Cruz, que havia assumido o comando da missão pouco mais de um mês antes, decidiu não interferir na campanha – enquanto a população e as tropas da ONU não vinham sendo alvo da violência.
Mas a situação mudou com os bombardeios a Goma. “A dinâmica da missão mudou porque a missão foi atacada e porque a população civil foi atacada de maneira indiscriminada”, afirma o militar brasileiro.
Brigada de Intervenção
Depois que Goma foi invadida no ano passado, o Conselho de Segurança da ONU aprovou um mandato sem precedentes para as forças de paz no Congo. Além de embasamento jurídico para atacar os rebeldes, a operação de paz foi autorizada a montar uma unidade militar especial chamada de Brigada de Intervenção – com o objetivo de atacar os grupos armados.
Ela será composta por 3 mil militares e contará com forças de artilharia, blindados pesados, helicópteros de ataque Mi-24 e unidades de forças especiais.
Santos Cruz disse à BBC Brasil que a brigada ainda está incompleta, à espera de militares do Malauí.
“Nós estamos esperando, e dentro de um mês vai chegar o terceiro e último batalhão. A brigada está a dois terços da sua força total, um pouco mais, mas ainda falta aí 25%. É um bom reforço que a gente está precisando”, afirmou o brasileiro.
Inquérito
No último sábado, um grupo de manifestantes tentou invadir uma base da ONU dentro de Goma. Eles protestavam contra o que alegavam ser a incapacidade dos capacetes azuis de proteger a cidade.
Na ocasião, militares uruguaios da missão de paz mataram dois manifestantes na tentativa de impedir a invasão.
A ONU abriu uma investigação sobre o caso. Santos Cruz afirma que as circunstâncias e responsabilidades devem ser apuradas.
O brasileiro acrescenta que há suspeitas de que grupos de moradores de Goma estejam sendo “manipulados” por pequenos grupos supostamente ligados aos rebeldes, para se voltar contra a ONU.
O general diz ainda que a ONU continuará apoiando o Exército congolês na campanha contra o M23. Ele afirma, porém, que os rebeldes ainda têm tempo para abandonar o confronto e optar por uma solução política para o conflito – retornando à mesa de negociações em Kampala, Uganda.
FONTE: Luis Kawaguti da BBC Brasil em São Paulo