Por General de Exército Décio Luís Schons
O Projeto Amazônia Conectada (PAC), empreitada de enorme potencial para conectar o vasto interior da Região Amazônica ao restante do Brasil, carrega em si as marcas pioneiras deixadas por empresas como a Siemens Brothers e a Amazon Telegraph Company que, nos últimos anos do século XIX, lançaram os primeiros cabos
telegráficos subfluviais, ligando Manaus a Belém do Pará (Figura 1).
Também não é possível, quando se trata desse tema, deixar de lembrar os feitos do Marechal Rondon, ao conectar por cabos telegráficos aéreos o interior do Brasil, através de terreno inóspito e esparsamente habitado, numa obra de profundo significado para o conhecimento e a integração de populações e de parcelas
significativas do território nacional.
Figura 1 – Projeto Amazon River Cable (https://atlantic-cable.com/Cables/1895ParaManaos/)
O PAC nasceu da necessidade estratégica de conectar as unidades do Exército Brasileiro espalhadas na imensidão da Amazônia com canais de transmissão de dados de alta velocidade seguros e confiáveis.
À primeira vista, a maneira mais prática seria mediante a utilização das comunicações satelitais. Todavia, os altos custos envolvidos, somados às condições particulares de propagação atmosférica características da região, aconselharam o uso da fibra ótica. Após detalhados estudos, a opção foi pelo lançamento de cabos subfluviais, com inspiração nos inúmeros cabos transatlânticos que formam a espinha dorsal das modernas redes mundiais de comunicações.
Tal conduta, além de ser menos dispendiosa, mostrava-se muito menos agressiva ao meio ambiente, quando comparada ao lançamento de redes aéreas ao longo da calha dos rios.
Agregando valor à iniciativa, estava seu caráter eminentemente dual, uma vez que os demais entes governamentais presentes na região poderiam tirar proveito do projeto para viabilizar suas ações em benefício das populações interioranas.
No ano de 2014, um Memorando de Entendimento entre o Comando do Exército, a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) e o Governo do Estado do Amazonas marcou a formalização das primeiras ações. Já no ano seguinte, o governo federal criava o Projeto Amazônia Conectada, por meio de portaria interministerial envolvendo o Ministério da Defesa, o Ministério das Comunicações e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.
Desse modo, ficava, mais uma vez, demonstrada a complementariedade entre os interesses da Defesa e os da sociedade brasileira em geral. O Exército Brasileiro, buscando atingir um objetivo estratégico na área das comunicações, encetava a implantação de sua rede operacional (EBNET) na Amazônia e beneficiava, nesse processo, órgãos da administração parceiros, que passavam a contar com a imensa capacidade provida pela nova infraestrutura para implementar políticas públicas. Esse transbordamento permitiu visualizar o oferecimento à população do interior do estado do Amazonas de uma série de serviços propiciados pela existência de uma rede de dados de alta velocidade: internet, telemedicina e universidade a distância, além das valiosas interconexões entre saúde, segurança pública, trânsito e turismo.
A primeira fase do PAC
A primeira fase do Projeto Amazônia Conectada teve lugar entre os anos de 2014 e 2017. Essa fase constituiu o que poderíamos chamar o Projeto Piloto do PAC e passou por três estágios bem demarcados.
No primeiro estágio (2014-2015), a equipe demonstrou que a tecnologia de cabos de telecomunicações lançados no leito dos rios era viável. O estudo de viabilidade foi além dos aspectos puramente tecnológicos para compreender o sistema e seus componentes, identificar os cinco projetos que definiriam um futuro programa e, não menos importante, comprovar o reduzido impacto ambiental que sua implantação acarretaria. Para verificar na prática a viabilidade do empreendimento, foram lançados dez quilômetros de cabos subfluviais, ligando duas organizações militares localizadas às margens do rio Negro, em Manaus.
No segundo estágio (2015-2016), foram lançados mais de 240 quilômetros de cabos subfluviais no rio Solimões, conectando as cidades de Coari e Tefé. Com a integração desse trecho à infraestrutura de fibra ótica do gasoduto Manaus–Coari, estava estabelecida a conexão por fibra ótica entre Manaus e Tefé.
No terceiro estágio (2016-2017), com o lançamento de 585 quilômetros de cabos subfluviais, foram interligadas as cidades de Manaus, Manacapuru e Coari (no rio Solimões) e Manaus e Novo Airão (no rio Negro). Nesse passo, diversos parceiros aderiram ao PAC, com órgãos integrantes dos Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo trazendo experiência e recursos financeiros que tornaram viáveis as entregas planejadas.
Muitos desafios foram enfrentados e vencidos na fase piloto do projeto: desde o recebimento de uma quantidade gigantesca de cabo ótico, com o transbordo para as balsas de lançamento, até a manutenção da rede em caráter contínuo, passando pelo entendimento das peculiaridades dos leitos dos grandes rios e pela escolha acurada dos equipamentos mais adequados para iluminar a fibra ótica e conectar as cidades.
A cooperação e o perfeito entendimento entre todos os atores envolvidos no processo foi a pedra angular na busca de soluções consistentes e sustentáveis. Em consequência, o lançamento foi um sucesso e várias cidades passaram a ser conectadas por meio de fibra ótica.
É importante que se ressalte a busca por insumos produzidos no País e a utilização de serviços especializados disponíveis na região, fator marcante para o fomento da Base Industrial de Defesa (BID) do Brasil e para a sustentabilidade do projeto.
Em reconhecimento à eficácia do planejamento e da execução do projeto e à nobreza dos objetivos do empreendimento, o PAC foi premiado, no final de 2015, como o Projeto do Ano no Brasil pela Revista Mundo Project Management, cobiçada premiação nacional na área de projetos; já em 2016, o projeto foi premiado pelo
Datacenter Dynamics Awards Brazil, como o Melhor Projeto para a Prestação de Serviço Digital no Setor Público.
Infelizmente, a nova realidade orçamentária do País causou a paralisação temporária das ações e a interrupção das conexões em alguns trechos.
A segunda fase do PAC
Em outubro de 2019, o Exército Brasileiro recebeu recursos financeiros recuperados pela Operação Lava Jato para serem utilizados em prol da Amazônia. O PAC apareceu como candidato natural a receber parte desses recursos, o que representou a retomada do projeto, agora na sua segunda fase.
O planejamento incluiu, além da revitalização dos trechos lançados na primeira fase, o lançamento de 350 quilômetros de cabos óticos subfluviais no rio Negro, conectando Novo Airão, Vila de Moura e Barcelos.
Seguindo rigorosamente o planejado, o cabo ótico foi adquirido no exterior em dezembro de 2019, com a entrega prevista para meados de 2020. Em março de 2020, a pandemia da COVID-19 atingiu o Brasil e a equipe do PAC precisou se ajustar a uma nova realidade. As diferentes equipes realizaram reuniões remotas por videoconferência, fizeram o uso intensivo de ferramentas para o desenvolvimento de soluções de forma colaborativa a distância e desencadearam treinamentos on-line, numa excepcional demonstração de cooperação entre as empresas e os órgãos públicos envolvidos.
Em 24 de julho, no Porto Super Terminais, na cidade de Manaus (Figura 2), teve início o recebimento dos 470 quilômetros de cabos adquiridos. Foram cinco dias de uma operação planejada de forma exaustiva e executada de acordo com os protocolos previstos pelo Ministério da Saúde para as atividades durante a pandemia.
Figura 2 – Transbordo do cabo ótico
Durante os meses de junho, julho e agosto de 2020, ocorreram as demais etapas preparatórias para o lançamento do cabo subfluvial (Figura 3): o levantamento batimétrico no rio Negro, para definir a rota a ser adotada no novo trecho; a construção das caixas de ancoragem para o cabo subfluvial e o lançamento das conexões terrestres; a implantação dos contêineres-datacenters e dos equipamentos de transporte de dados DWDM (Dense Wavelength Division Multiplexing), que garantem a alta disponibilidade do sistema ótico; e o treinamento das equipes de segurança do Comando Militar da Amazônia que iriam prestar apoio durante o lançamento.
Figura 3 – Entregas da 2a fase do PAC
Na última semana de agosto de 2020, teve início o deslocamento da plataforma de lançamento. Faz-se necessário monitorar o cabo 24 horas por dia, em uma operação com duração de dez dias (Figura 4). Esse monitoramento ocorre dentro da plataforma de lançamento (verificando as condições óticas do cabo) e dentro do rio, mediante equipes de mergulho, para verificar as condições de proteção do cabo ótico no leito do rio.
Figura 4 – O quarto estágio em execução
Após o lançamento, começou o trabalho de comissionamento do sistema implantado, com o estabelecimento das conexões entre as cidades por meio do alinhamento dos equipamentos DWDM já instalados nos contêineres-datacenters.
Desse modo, concretizava-se mais uma conexão entre cidades ribeirinhas da Amazônia.
No dia 14 de setembro, o Departamento de Ciência e Tecnologia pôde estabelecer uma videoconferência com alta qualidade de sinal entre sua sede, em Brasília; a sede do Comando Militar da Amazônia, em Manaus; e o Comando do 3º Batalhão de Infantaria de Selva, em Barcelos (AM).
As próximas ações previstas no âmbito do PAC preveem revitalizar, ainda em 2020, o sistema anteriormente construído; prestar contas das ações desenvolvidas no corrente ano ao Tribunal de Contas da União (TCU) que, em Acórdão Nr 2641/2019, exarou recomendações para o aperfeiçoamento do PAC; e realizar o planejamento relativo à terceira fase (trecho Barcelos – São Gabriel da Cachoeira), a ser executada a partir de 2021.
A partir de solicitações dos executivos municipais, as cidades de Novo Airão e Iranduba estão sendo atendidas pela PRODAM, empresa estatal do Amazonas que passou a utilizar a capacidade excedente de transporte do PAC para melhorar os serviços públicos prestados à população. Da mesma forma, ainda em setembro, Vila de Moura e Barcelos passarão a ser atendidas mediante a cessão de uso de capacidade excedente para as prefeituras locais.
A execução do PAC não se encerra após o lançamento do cabo de fibra ótica em cada trecho. Há, naturalmente, a necessidade de manutenção e patrulhamento constante de toda a rede construída, da revitalização periódica do sistema e da integração da rede com outras iniciativas, públicas ou privadas, de modo a torná-la mais resiliente. Todas essas iniciativas já estão em execução.
Por proposta do Exército e seguindo orientação do TCU, tramita no âmbito do governo federal uma minuta de decreto presidencial que transforma o Projeto Amazônia Conectada em Programa Amazônia Conectada, de modo a, entre outros pontos, aperfeiçoar o modelo de governança e conferir à iniciativa um caráter de perenidade.
Além de proporcionar ao Exército e às demais Forças Armadas meios modernos de comando e controle, o Projeto Amazônia Conectada já iniciou a inclusão digital de milhares de famílias, que poderão estudar, trabalhar e gerar novos negócios a partir desse empreendimento de cunho perfeitamente dual.
Mais que uma demonstração de continuidade histórica e de valores entre os antigos desbravadores e o Exército de hoje, o PAC é o exemplo perfeito de como iniciativas no âmbito da Defesa podem transbordar para a área civil e contribuir, de forma decisiva, para o progresso de toda a sociedade.
Coautores:
Gen Div Decílio de Medeiros Sales (Vice-Chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia)
Maj QEM Luciano da Silva Bastos Sales (Gerente do Projeto Amazônia Conectada)
FONTE: EBlog do Exército
Que trabalho fantástico. Imagino o quão complicado deve ser a passagem desses cabos subfluviais.
Parabéns as forças armadas e as empresas envolvidas, pois além de beneficiar as comunicações do exército, também será de extrema importância para essas regiões na Amazônia.
Que reportagem excelente, não conhecia o projeto parabéns