Por Karina Oliani
Nosso próximo desafio era montar a rede de descanso. Enquanto todos se agrupavam, eu me deslocava para o outro lado do rio, sozinha!
No meio da tarde, a próxima missão era construir o abrigo que iríamos usar pelas próximas noites. Nessa parte do curso, ser mulher trouxe uma certa desvantagem. Tive que montar meu acampamento em outro local, do outro lado do rio, longe de todo restante do grupo.
– Estagiários – chamou o instrutor – isso não vai ser tão fácil pra vocês no mato, mas, pra evitar que a cada curso centenas de árvores sejam cortadas, cada um de vocês pode pegar 6 galhos desse monte e estão dispensados pela próxima hora para que montem as redes onde vão dormir. Aproveitem que a única situação onde vamos ajudar vocês a terem menos trabalho é quando precisamos preservar o nosso quintal.
Tirei a rede de selva da mochila. Especialmente desenvolvida pros guerreiros de selva ela já tem um mosquiteiro atrelado com um zíper e uma cobertura pra situações de chuva, que são diariamente garantidas na Amazônia. Preocupados com a preservação da mata, um fato que gostei bastante foi receber os gravetos que teria que cortar de árvores pra montar meu abrigo já prontos e cortados no tamanho certo.
Como se tivesse ganhado um presente, cada estagiário ordenadamente esperou sua hora de pegar seus gravetos e já começaram a relaxar, montar suas redes, como se tivessem chegado em casa. A estagiária Zero-Dez cruzou o rio acompanhada de um instrutor e foi escolher um local propício pra seu abrigo isolado na selva.
– Você pode escolher e montar sua rede. Quando tiver terminado, se dirija ao acampamento geral para encontrar seu canga para a próxima atividade, disse o instrutor.
Próxima atividade?!
Já estava ficando escuro, tínhamos começado o treinamento às 4h da manhã, os outros meninos já tinham tirado o coturno, todos estávamos certos que era o fim do expediente. Mas não, claro que não.
– Aqui, o pôr-do-sol marca só a metade do expediente – uma frase já bem conhecida que eu estava para conhecer no curso de Guerra na Selva.
O instrutor se mandou e eu fiquei ali, parada, olhando pro mato. Mas não havia tempo pra isso. Eu escolhi estar ali. Eu tenho que desenvolver o que é determinado.
Na floresta, nosso senso de localização é bem comprometido. Fiquei intrigada caso não conseguisse voltar sozinha pro outro acampamento e segui o instrutor até reconhecer a base, fazendo marcações no caminho que teria que usar várias vezes.
De volta à “minha casa”, escutei pegadas de um animal amassando as folhas no chão. Saquei o facão e já comecei a fazer um entalhe na árvore que escolhi, fazendo bastante barulho, a fim de marcar a minha presença pra quem quer que fosse que estava lá comigo.
Quando buscamos um local pra montar um abrigo, há algumas coisas que devemos levar em consideração:
O local é seguro?
No meu caso tinha galhos grandes o suficiente que sustentassem o meu peso? Em cima de mim tinha algum tronco podre que poderia cair na minha cabeça à noite? Estava próxima de algum rio grande que pudesse alagar o local numa chuva forte?
Procurar, o máximo possível, se afastar de animais que possam oferecer algum risco. Procurar elevar sua rede a uma distância segura do chão contra insetos e cobras peçonhentas.
E ver se esse local parece ser a “rota da vida” de algum animal que ofereça risco? Todo animal tem que beber, comer e dormir, “rota da vida” é o termo usado pra designar o trajeto que alguns animais fazem no seu território, da água até suas tocas.
Quando se está caçando, se busca justamente isso. Mas quando não queremos virar a caça, principalmente sozinha, à noite, no meio do mato, é algo a levar em conta.
FONTE: Estadão