Por 1º Sgt Jairo Linck*
Este artigo busca descrever as atividades realizadas por ocasião da Operação Zeus, transcorrida na Base Aérea de Santa Maria-RS, com o propósito de levantar subsídios e sugestões para o embarque, o desembarque e o transporte aéreo da Viatura Blindada Guarani e da Viatura Blindada de Transporte de Pessoal M113BR na aeronave KC-390,da Força Aérea Brasileira (FAB).
As atividades de transporte demandam grandes ações e planejamentos necessários para se verificar qual o modal mais viável para a realização de determinado transporte. Na execução desse planejamento, o vetor aéreo tem a possibilidade de realizar longos deslocamentos com elevada rapidez, embora seja limitado emrelação a volume e a peso.
Com vistas a incrementar esse modal, foi realizada, nos dias 17 e 18 de outubro de 2022, a Operação Zeus, coordenada pelo Ministério da Defesa e com a participação da Força Aérea Brasileira, da Embraer e do Exército Brasileiro, para dar continuidade às avaliações operacionais daquela aeronave. A atividade também permitiu que, paralelamente, pudessem ser atualizados os conhecimentos acercado transporte aéreo de blindados, o que foi realizado naquele contexto.
Etapas de testes e avaliações realizadas
A atividade transcorreu, de início, com o briefing da missão, análise de dados meteorológicos e procedimentos de segurança, seguidos do embarque da VB Guarani, posicionamento da viatura dentro da aeronave e execução das amarrações pelos “Load Masters” (militares especialistas em transportes de carga da FAB).
Na sequência, deu-se a corrida de decolagem com abortiva do cargueiro na pista e realização de frenagem normal, no intuito de realizar-se verificações e medições desses procedimentos.
Processo semelhante foi praticado na sequência, com a realização de frenagem máxima, para posteriormente proceder-se a decolagem e o voo, por aproximadamente 30 minutos, com realização de manobras de pequena curvatura. Findo o tempo de voo e executada a aterrissagem, outro procedimento avaliado, executou-se o desembarque da VB Guarani e a avaliação final dos possíveis danos e deslocamentos da carga durante o voo.
Dando continuidade aos testes previstos, foram embarcadas duas VBTP M113 BR, sendo posicionadas no compartimento de carga, com as amarrações previstas, finalizando com o seu desembarque.
A aeronave KC-390
Trata-se de um avião de transporte militar multimissão, desenvolvido para o transporte tático/logístico, reabastecimento em voo e combate a incêndios florestais. Atualmente, é a maior aeronave já produzida na América Latina. A partir de 2019, o então denominado KC-390 passou a ter a denominação de C-390 Millennium com as seguintes capacidades conforme infográfico abaixo:
Quanto às dimensões e capacidades de carga dessa aeronave, algumas considerações merecem destaque.
Quanto à questão do transporte aéreo propriamente dito, as dimensões mais importantes da aeronave são relacionadas ao compartimento de carga. Para esse setor específico, é empregado o termo “utilizável”, que especifica a necessidade de espaços livres nos entornos da carga transportada que permitem a circulação e as observações de rotina da tripulação, além de atender às situações de segurança e emergência.
Dessa forma, conforme o infográfico ao abaixo, o KC-390 possui as seguintes dimensões em seu compartimento de cargas.
Em conformidade com o Caderno de Instrução de Transporte de Viaturas Blindadas – EB70-CI-11.453, pode ser observada a existência de tolerâncias entre os valores totais das dimensões do compartimento de carga em relação às áreas de ingresso, no caso da rampa, com as dimensões utilizáveis.
Atenção especial deve ser dada à parte superior e às laterais da área de acesso à aeronave. Na área de estacionamento de viaturas no interior do avião, da mesma forma, as atenções devem ser voltadas para a altura e para as laterais internas do compartimento.
Observando-se o que prescreve o Manual Técnico da própria aeronave, percebe-se que existem cinco pontos críticos nas manobras de embarque e desembarque de viaturas na aeronave.
Esses pontos podem ser observados na figura abaixo.
Por ocasião do embarque e do desembarque de veículos blindados sobre lagartas, trabalha-se com peso elevado e com trens de rolamento que podem danificar o piso do avião, mesmo havendo patins de borracha. Logo, é preciso proteger o piso, instalando “rolling shoring” (placas de madeira que aumentam a superfície de pressão sobre o assoalho).
A Viatura Blindada Guarani
Desenvolvida inicialmente com os propósitos de equipar os Batalhões de Infantaria Mecanizados e de substituir as viaturas EE-11 Urutu, da Cavalaria Mecanizada, a Viatura Blindada Guarani também foi projetada para ser aerotransportada. Atualmente, a família de blindados Guarani encontra-se equipada com três versões de torres em suas composições. Também de forma diferenciada e empregadas para atender a outras necessidades daquelas tropas, essas VB, sem torres de armamento, podem ser utilizadas como meio de transporte de tropa, posto de comando, viatura para morteiro ou, ainda, como viaturas especiais de Engenharia.
Consequentemente, para a realização do transporte aéreo, as dimensões de cada um desses modelos são muito relevantes e necessitam ser cuidadosamente estudadas por ocasião da utilização do modal aéreo.
Tomando-se por base as dimensões das variantes de torres e comparando-se esse dado em relação à disponibilidade de altura utilizável do KC-390 Millennium, facilmente se verifica a impossibilidade de ingressar com esse tipo de viatura com essas torres montadas, mesmo em modo de transporte, como ocorre com a VB Guarani dotada do canhão UT-30 BR.
Da mesma forma, verifica-se que as restrições ocorrem exclusivamente em relação à altura das viaturas, ou seja, os índices de peso, largura e comprimento não são impeditivos para o seu ingresso, acomodação ou estacionamento.
A Viatura Blindada de Transporte de Pessoal M113
Utilizada por muitos exércitos ao redor do mundo, essa VBTP é amplamente empregada em diversas unidades blindadas do Exército Brasileiro.
Atualmente, essa viatura vem sendo utilizada em duas versões: M113 B e a sua versão modernizada, denominada M113 BR. Possuidora de capacidade anfíbia, ela engloba ampla gama de versões tanto para o combate como para o apoio ao combate, além de possuir a capacidade de ser aerotransportada.
É possível seu transporte aéreo no KC-390, portanto, inclusive com a acomodação e voo de até duas unidades no compartimento de carga.
Embarque e voo da VB Guarani
O procedimento de embarque da VB Guarani (sem torre) foi realizado com a configuração de seus pneus no modo “areia”, tração 6×6 e bloqueio longitudinal acionado. A viatura foi previamente inspecionada e não apresentava nenhum tipo de vazamento ou perda de fluídos. O tanque de combustível encontrava-se com a metade de sua capacidade plena. Já a atividade de amarração foi executada pelos “Load Masters” da FAB com a observação do pessoal do CI Bld.
Foram executadas duas amarrações em “X” na traseira e na frente do blindado. Além disso, foram utilizados mais seis pontos de fixação em sua parte inferior, todos com correntes apropriadas.
A atividade de corrida de decolagem com abortiva contou com a frenagem total da aeronave. A abortiva foi executada com base nos testes de certificação do C-390, sendo, posteriormente, verif icados possíveis deslocamentos, alívios e solturas das amarrações da carga.
A decolagem, por sua vez, ocorreu por volta das 18h do dia 17 de outubro, com a realização de um voo de aproximadamente 40 minutos sobre a região da cidade de Santa Maria, não sendo constatadas alterações das amarrações ou anomalias na carga durante o teste.
Embarque da VBTPM 113
O procedimento de embarque da VBTP M113 BR foi realizado com o emprego de duas viaturas. As VBTP foram inspecionadas anteriormente quanto à tensão das lagartas, também quanto a vazamentos ou perda de fluídos hidráulicos ou óleos lubrificantes, não sendo constatada nenhuma anomalia.
Da mesma forma como ocorreu com a VB Guarani, os tanques de combustível das viaturas foram deixados na metade de sua capacidade.
Outro aspecto de relevância foi o emprego de chapas de madeira para reforçar o piso da aeronave, ou “rolling shoring”. Isso permitiu o embarque e a acomodação das VBTP sem danos à rampa e ao piso do avião.
O voo dos M113 BR embarcados não foi realizado devido à constatação da necessidade de substituição do tipo de anilha utilizado na frente da viatura, o que não permitiu enlace seguro das correntes das amarrações. Visualiza-se a colocação de anilhas do tipo argola para sua execução, portanto. No total, cada VBTP foi presa em oito pontos de fixação.
Após a acomodação e a amarração daquelas viaturas, constatou-se que as anilhas utilizadas na parte frontal, em formade T, não poderiam garantir a segurança necessária para o voo, por não serem do mesmo modelo das anilhas traseiras, em forma de argola. Com aquele tipo de anilha, poderia ocorrer alívio de pressão sobre as amarrações após manobras da aeronave.
Conclusão
Baseando-se nesta experiência, tem-se que o embarque e o desembarque da VBTP Guarani sem torre no KC-390 é possível. Também constatou-se que as VB Guarani equipadas com torres Remax, Platt ou UT-30 BR, mesmo em modo de transporte, não podem ser embarcadas devido à altura adicional.
Quanto às amarrações no interior da aeronave, por conta do maior número de pontos de ancoragem comparando-se com uma carreta de transporte rodoviário, houve a anulação de qualquer movimento relevante durante o voo.
A VBTP M113 BR, por sua vez, também é viável de se transportar nesse avião cargueiro, desde que haja preparação de suas rampas e de seu assoalho com a colocação de tapumes (“rolling shoring”). Além disso, foi verificado que é possível o embarque seguro e a acomodação de até duas dessas viaturas no compartimento de carga.
Finalmente, conclui-se que o modal de transporte aéreo dos veículos blindados aqui citados já é uma realidade, podendo-se chegar a qualquer parte do território nacional dotada de pistas de pouso adequadas.
Assim, as “Asas que protegem o Brasil” são capazes de levar nossos punhos de aço para onde for necessário com rapidez.
(*): 1° Sgt Jairo Linck é formado em Cavalaria na Escola de Sargentos das Armas em 2002.
O autor possui os cursos de Operação da VBCCC Leopard 1A5BR, da VB Guarani e do Sistema de Armas do Leopard 2A4 (Chile) e foi monitor do CIBld no triênio 2020-2022.
FONTE: Revista Ação de Choque/CIBld
Interessante que um grande argumento para a escolha e investimento na aquisição da UT-30Br, era justamente sua capacidade de rebatimento, que proporcionaria a viatura a possibilidade de ser aerotransportada.
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Dentro deste fator, não parece fazer mais sentido continuar investindo na UT-30Br, quando a própria ARES tem um produto mais moderno, que além de já estar sendo exportado, também apresenta o benefício de ser remotamente controlado e não apresentar penetração do casco.
O Sgt pode estar perdendo a oportunidade de apresentar uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado em Eng. de Produção. Magnífico trabalho!
Interessante uma matéria de como “pear” estas viaturas no interior do KC-390, vide a importância e responsabilidade da ação na segurança de voo.
Ótimo artigo parabéns