Por Cap Marcelo Eduardo Deotti Júnior e Cap Alexandre Serio Buscher (*)
Introdução
Desde meados dos anos 2010, o Exército Argentino (EA) busca o desenvolvimento de projetos para equipar suas Brigadas Blindadas e Mecanizadas. Essa ação tem como principal objetivo garantir melhores condições para o cumprimento de suas missões institucionais. Recentemente, foi aprovada naquele país a lei FONDEF (Fundos de Defesa Nacional) que visa garantir investimento para o desenvolvimento da Indústria de Defesa Argentina.
Nesse contexto, está em andamento o Projeto Estratégico Vehículo Blindado de Combate a Ruedas (VBCR), que visa a modernização, em um primeiro momento, da Brigada de Infantaria Mecanizada X (BrMec X), sediada em Santa Rosa, província de La Pampa. Em seu escopo, consta como principal objetivo a aquisição de uma plataforma para equipar suas unidades em um curto espaço de tempo. Após extensa análise, o Estado-Maior do EA delimitou o universo de seleção, sendo a Viatura Blindada de Transporte de Pessoal Média Sobre Rodas (VBTP-MSR) 6×6 Guarani eleita como finalista. A fim de subsidiar o processo decisório, em abril de 2021, foi solicitada ao Exército Brasileiro (EB) a exportação temporária de uma unidade do blindado para a execução de uma avaliação técnico-operacional em solo argentino.
A solicitação foi atendida e o EME determinou que a 2ª Brigada de Cavalaria Mecanizada (2ª Bda C Mec), Brigada Charrua, selecionasse uma guarnição e uma viatura para a missão. Para isso, foi realizado processo seletivo que levou em consideração a experiência na viatura, testes de conhecimentos e domínio do idioma espanhol. Então, foram selecionados 5 militares e uma viatura do 5º Regimento de Cavalaria Mecanizado (5º RC Mec), sediado em Quaraí-RS.
Face à importância da missão, torna-se relevante entender como foi a sua execução, com a intenção de identificar o seu alcance e consequências. A seguir, serão apresentadas as atividades realizadas e as conclusões obtidas após os inúmeros testes realizados com o blindado brasileiro no período de 25 de maio a 24 de junho de 2021, em Organizações Militares das Forças Armadas da República Argentina.
Desenvolvimento
Seleção de Pessoal e Atividades de Preparação
Para a seleção de pessoal, designado para a missão o Comando da 2ª Bda C Mec elencou como critérios de seleção o currículo do militar, o histórico de emprego com o blindado, o conhecimento das características de operação da VBTP, além do domínio do idioma espanhol. Em consequência, as Organizações Militares da Brigada Charrua detentoras do Produto de Defesa selecionaram militares para os testes da 2ª Bda C Mec. Ao final das avaliações, o 5º RC Mec foi selecionado para enviar pessoal para todas as funções da guarnição: comandante, motorista, atirador e mecânico de chassi.
Além da guarnição do 5º RC Mec, foi designado um oficial do Quadro de Engenheiros Militares que atualmente serve na Comissão de Absorção de Conhecimentos e de Transferência de Tecnologia junto à empresa IVECO Veículos de Defesa (CACT‐TIV), em Sete Lagoas-MG.
Com a seleção de pessoal realizada, foi feita uma extensiva revisão na VBTP. Fruto da diagonal de manutenção rigorosamente em dia, foi identificado que o Guarani selecionado estava totalmente apto para enfrentar os desafios dos testes. Na sequência, foram realizadas atividades de confirmação, como giro técnico, colimação, correção em zero e navegação. Ao término das atividades de preparação, a viatura foi transportada para a guarnição militar de Uruguaiana-RS, local onde ocorreria a passagem na fronteira. A entrada na Argentina ocorreu no dia 24 de maio de 2021.
Além dos militares brasileiros e argentinos, integrantes das empresas IVECO Veículos de Defesa do Brasil e ARES Aeroespacial e Defesa participaram das avaliações. Destaca-se que a missão se desenvolveu em ação conjunta e harmônica entre todos esses elementos, permitindo, assim, extrair o máximo das capacidades do Produto de Defesa apresentado.
Avaliação Técnico-Operacional
A missão dividiu-se em capacitações e avaliações técnico-operacionais. A intenção dos militares argentinos era que seus motoristas e atiradores recebessem treinamentos da viatura para poder executar os testes que não demandassem muita experiência. Com isso, antes de cada fase de avaliação, alguns militares argentinos recebiam instruções dos brasileiros. Após as capacitações, de acordo com o grau de dificuldade de cada teste, a condução do blindado foi alternando-se entre os militares brasileiros, argentinos e o técnico da empresa IVECO, mantendo-se como Comandante do Carro o militar brasileiro.
A avaliação técnico-operacional (Evaluación Tecnica Operacional – ETO) foi dividida em três fases. Cada uma possuía um objetivo específico e foi realizada em cidades e Organizações Militares distintas. Destaca-se que em cada local havia uma estrutura adequada ao tipo de teste. Dessa forma, foi possível verificar os diversos recursos da viatura em terrenos apropriados disponíveis em cada área.
Avaliação Técnico-Operacional 1 (ETO 1)
A primeira fase (ETO 1) tinha como objetivo realizar os testes de dimensão, pesagens, verificações de pressão sobre o solo, tempo de utilização do enchimento automático dos pneus, bem como submeter a viatura a obstáculos em uma pista de cimento preparada com rampas laterais, longitudinais, degraus, fosso, curvas de pequeno raio, entre outros.
A ETO 1 ocorreu no Batallón de Arsenales 602 em Boulogne Sur Mer, província de Buenos Aires.
Um ponto interessante é que esse Batalhão possui estrutura que no Brasil se assemelharia a uma mistura de Parque Regional de Manutenção com Arsenal de Guerra. Esses batalhões realizam trabalhos de manutenção de 3º escalão e também aplicam processos modificadores, como por exemplo a revitalização das VBTP M113, dos SK105 e dos VCTP e VBC da família TAM, bem como possuem uma linha de modernização para a VCA Palmaria e, no futuro, para o TAM 2C.
Ao término da ETO 1, ficou constatado que a viatura está de acordo com as especificações técnicas informadas pelo fabricante e seu desempenho na pista surpreendeu positivamente a equipe de avaliadores. O Guarani enfrentou, sem nenhuma dificuldade, todos os obstáculos, inclusive os mais complexos como a rampa de 60%, na qual foram realizadas passagens de frente e de ré sem parar e depois com parada de cinco minutos.
Finalizando as atividades da primeira passagem em Boulogne Sur Mer, foi realizada uma formatura de apresentação de material de emprego militar adquiridos e repotencializados pelo Exército Argentino. Nessa oportunidade, o Guarani e o TAM 2C foram colocados em posição de destaque ao centro do dispositivo. A solenidade contou com a presença, dentre outras autoridades, do Embaixador do Brasil, do Ministro da Defesa da Argentina e do Comandante do Exército Argentino.
O Ministro da Defesa e o Chefe do Estado-Maior Geral do Exército (Comandante do Exército) enfatizaram as capacidades que ali estavam sendo adquiridas e da parceria executiva e política para viabilização do portfólio de programas estratégicos do Exército Argentino.
Foi citada a importância da Lei FONDEF que trata de recuperar capacidades do Exército para que possa cumprir sua missão institucional de garantia da soberania. Além disso, visa impulsionar o desenvolvimento da Indústria de Defesa que, segundo palavras do Ministro, trata-se de uma indústria estratégica, fortemente multiplicadora da atividade econômica e geradora de empregos.
Cabe ressaltar que ambos citaram a vantagem estratégica de adquirir uma viatura da República Federativa do Brasil, explicando que facilitaria o emprego combinado das duas nações, estreitaria laços de cooperação e incentivaria a indústria na América Latina.
Avaliação Técnico-Operacional 2 (ETO 2)
Na sequência, as comitivas brasileira e argentina se deslocaram para a cidade de Pigué, na Província de Buenos Aires, para a realização da segunda fase da avaliação Técnico-Operacional do Guarani.
No Regimiento de Infantería Mecanizado 3 (RI Mec 3) foram realizadas as capacitações de militares argentinos para que pudessem realizar diversas instruções práticas diurnas e noturnas ao longo da semana e executar a maioria dos testes, ficando apenas as rampas de 60% e frenagem para o motorista da IVECO, por solicitação da empresa.
Na ETO 2, foram aplicados testes de todo terreno com obstáculos verticais, rampa vertical, rampa lateral, teste de frenagem a 60 Km/h, transposição de trincheira, entre outros. Todos esses obstáculos eram naturais ou com pequenos aperfeiçoamentos da equipe do Regimento e foram executados com um Grupo de Combate (Grupo de Tiradores) argentino, armado, equipado e aprestado na VBTP.
Além dos obstáculos citados, foram realizados os testes de condução noturna com o Periscópio de Visão Noturna do motorista em um percurso de 20 Km. Teste de autonomia em estrada, autonomia em estrada de terra e autonomia em marcha através campo. Cabe ressaltar que a VBTP apresentou consumo de acordo com o previsto no manual de operações e durante todos os testes, não apresentou qualquer tipo de falha, mesmo enfrentando terrenos com variados graus de dificuldade.
Após esses testes, foi realizado um deslocamento para a Laguna de Las Encadenadas, local onde foi realizada a navegação e condução em terra com motorista escotilhado.
Uma vez mais, o Guarani provou ser uma viatura confiável que supera os obstáculos previstos nos Requisitos Operacionais. Apesar do uso em situações extremas, não foi necessária nenhuma intervenção de manutenção corretiva, sendo a ETO 2 um sucesso.
Avaliação Técnico-Operacional 3 (ETO 3)
As equipes foram deslocadas para a Base Naval de Infantería de Marina (BNIM), em Punta Alta, próximo à cidade de Bahía Blanca (província de Buenos Aires). O Batallón de Vehículos Anfíbios (B VehAnf) ficou responsável pelas atividades nessa região, onde ocorreu a ETO 3.
A finalidade da ETO 3 era realizar testes em terreno arenoso e a avaliação do Sistema de Armas Remotamente Controlado (SARC). Para isso, foi executada a colimação e a correção em zero do REMAX. O teste de tiro consistiu em provas diurnas e noturnas com viatura parada, viatura em rota de aproximação, viatura em rota de afastamento e viatura em deslocamento perpendicular ao alvo, todas com alvos parados. Nessa oportunidade, o Guarani equipado com SARC REMAX alcançou desempenho altamente positivo.
Após a realização dos tiros, foi executada a pista de deslocamento em areia. Foi utilizada uma pista de obstáculos naturais de treinamento de motoristas dos blindados anfíbios dos fuzileiros navais. A VBTP se comportou muito bem e superou o percurso sem nenhuma dificuldade.
Finalizando a ETO 3, ocorreu uma videoconferência (VC) com a presença de várias autoridades argentinas e brasileiras com o intuito de apresentar os resultados. Nessa oportunidade, os oficiais superiores argentinos que acompanharam todas as provas, explicaram como foi o desenvolvimento da ETO e suas conclusões acerca do desempenho do blindado. Como consequência das explanações, ficou explícito que a VBTP atingiu todas as metas e teve uma performance acima da esperada.
Os oficiais argentinos concluíram que a VBTP Guarani é uma opção viável e que se trata de uma excelente escolha para o Programa Estratégico do Exército Argentino.
Após a VC, foi realizada uma demonstração de tiro da VBTP em movimento, dentro de um contexto tático, com escotilhas fechadas e, em seguida, alguns dos tiros da avaliação também foram apresentados.
Para essa atividade, foi constituída uma guarnição com o motorista da IVECO, o atirador da ARES e o Cmt de VBTP do EB.
Ao final, todas as autoridades realizaram uma visitação na viatura e tiveram a oportunidade de realizar o tiro com o REMAX. Além do disparo remotamente controlado, solicitaram para que fosse realizado o tiro em modo degradado, com a torre em modo manual.
A impressão dessa atividade foi altamente positiva e todas as autoridades foram enfáticas na satisfação com tudo que foi demonstrado. Em diversos momentos citaram a importância de haver laços entre os exércitos do Brasil e da Argentina e a possibilidade de exercícios combinados com maior interoperabilidade por meio da aquisição do Guarani.
Encerradas as atividades em Punta Alta, a equipe deslocou-se novamente para Boulogne Sur Mer para realização de algumas avaliações finais. Mais uma vez, transcorreu tudo conforme o previsto e o destaque dessa passagem foi o embarque da VBTP no C130 argentino na Base Aérea de Palomar.
Conclusão
Durante a missão, a comitiva brasileira se deparou com o desafio de apresentar um Produto de Defesa brasileiro, desenvolvido em uma parceria entre o Departamento de Ciência e Tecnologia do EB e a empresa IVECO Veículos de Defesa, além de promover a imagem do Brasil e do EB por meio da conduta de seus integrantes e do desempenho do material nas diversas tarefas.
Todos os testes foram concluídos com louvor, culminando em uma apresentação ao alto escalão do Exército Argentino em videoconferência, concluindo que o blindado possui todos os predicados exigidos e superou as adversidades de maneira que surpreendeu
os avaliadores.
Ao longo de trinta dias de inúmeras atividades de avaliação, apresentações diversas, eventos com autoridades argentinas e algumas solenidades, pode-se concluir que a missão foi coberta de sucesso, alcançando todos os objetivos propostos pelo Exército Brasileiro e pelo Exército Argentino. Essa missão mostra o sucesso do programa Guarani que, com poucos anos de existência, já vem se tornando referência na América do Sul. Foram inúmeras as demonstrações de gratidão e camaradagem ao longo do período, deixando claro que a imagem do Brasil e de sua Força Terrestre foram engrandecidas junto à nação amiga da República Argentina.
(*): Cap Marcelo Eduardo Deotti Júnior é atualmente o Oficial de Operações do 5º Regimento de Cavalaria Mecanizado. Possui o Curso de Formação de Oficias de Cavalaria – AMAN (2009); o Curso de Operação da VBE Soc Leopard – CI Bld (2014); o Curso de Operação da VBTP-MSR 6X6 Guarani – CI Bld (2016); e o Curso de Aperfeiçoamento de Oficias de Cavalaria – EsAO (2019).
Cap Alexandre Serio Buscher é atualmente integrante da Comissão de Absorção de Conhecimentos e de Transferência de Tecnologia junto à empresa IVECO. Possui o Curso de Formação de Oficias de Artilharia – AMAN (2009); e o Curso de Aperfeiçoamento do Quadro de Engenheiros Militares (Eletrônica) – IME (2017).
FONTE E FOTOS: CIBLD – Ação de Choque
Na atual situação econômica da Argentina, acho muito improvável essa compra.
Parece que o potencial cliente gostou do produto. Será que até o fim próximo semestre fecharão negócio? Boa sorte pra nós 🇧🇷
Resta saber quando os hermanos terão dispobilidade orçamentária para executar esses projetos de reaparelhamento, tomara que nosso BNDS custeado comnoa impostos do povo brasileiro, seja bastante criterioso se nossos vizinhos exigirem empréstimos para executar essa compra. Quanto a viatura, sempre tive a impressão de ser um ótimo projeto.
Desse mesmo motor usado pelo GUARANI , (Iveco 380Cv) Tem como Extrair no mínimo 440 Cv ,com simples Mexida no Módulo de Potência..
O 8×8 da Iveco , O Centauro ll tem 750 Cv
Maior potencia implica em melhor performance e Econômica de Combustível .
Boa tarde…
Gostaria de perguntar se.o GUARANI pode ser usado pela .marinha como carro de transporte de tropas e se ele.pode ser lançado como os CLANFTS da Marinha?
Sim, o Guanari pode ser usado pela MB, mas não pode ser lançado com os CLAnfs
Excelente matéria do DAN👏👏👏
O Guarani mostrando seu valor e que o 6×6 ainda tem o seu lugar ao Sol(grandes exércitos mundo afora utilizam e tem projetos atuais de 6×6 mas a turma dos foruns por estaa bandas quer saber mais que os militares e projetistas🤷🏽♂️). Parabéns Iveco/EB pelo excelente veículo q produziram.
👍🏻🇧🇷
Muito interessante a matéria e muito bom ver um produto nacional sendo avaliado e atendendo as expectativas! ! Que o Guarani tenha sucesso! !
Parabéns aí DAN por mais uma excelente matéria. Virou rotina já.
Obrigado.
Obrigado Doug!
Poteciais clientes da ENGESA, alguns dos quais compraram o Urutu, solicitaram testes da blindagem com tiros reais. Testes deste tipo comumente são realizados em mock-ups de setores das blindagens, mas houve pelo menos um teste (até onde eu saiba o unico) para um cliente, que atirou no blindado ao final dos demais ensaios.
Houve alguma verificação balística da blindagem do Guarani?