Nesta primeira edição do Defesa em Foco, o Prof. Oliver Della Costa Stuenkel, PhD em Ciências Políticas e coordenador da Escola de Ciências Sociais (CPDOC) e do MBA em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), é entrevistado sobre as mudanças no cenário global de defesa e segurança.
D em F: As democracias estão em crise?
Prof. Oliver Stuenkel: Globalmente, a democracia está na sua pior crise em décadas. Antigamente, os governos democráticos eram vistos como fontes de estabilidade. Hoje, são fontes de instabilidade e imprevisibilidade, a exemplo das recentes eleições dos Estados Unidos e da saída do Reino Unido da União Europeia, enquanto países como a China procuram projetar estabilidade. Brexit, Trump e Le Pen (candidata populista à presidência da França) são, acima de tudo, uma rejeição à globalização e vemos que a confiança nas instituições é baixa em todo o mundo. Uma recente pesquisa mostrou que, em alguns países da Europa e na Oceania, o percentual de nascidos após a década de 1980 que acredita não ser essencial viver em uma democracia caiu abaixo dos 30%. No Brasil, esse percentual chegou a 32%.
D em F: Quais são as implicações, para o mundo ocidental, de um cenário no qual as democracias e a globalização são questionadas e a ascensão de governos populistas em vários continentes já está acontecendo?
Prof. Oliver Stuenkel: Quanto mais tempo esse cenário durar, mais difícil será convencer outros países de que defender a governança democrática no mundo é vantajoso, tanto moralmente quanto estrategicamente. A ascensão da política identitária e “pós-fato” ameaça minar a principal vantagem das democracias em relação às autocracias: o compromisso com um debate baseado em fatos. A confiança menor existente entre países não-democráticos dificulta a cooperação e aumenta a necessidade de se repensar as garantias de segurança – algo que já está acontecendo na Alemanha e no Japão. Sobre os governos populistas em ascensão, esse ano, há três eleições onde eles podem prosperar: na França, na Alemanha e na Itália. A eleição de Marine Le Pen na França, por exemplo, poderia significar o fim da União Europeia e a mais profunda transformação geopolítica desde 1990.
D em F: Nesse cenário, quais são os riscos potenciais para o Brasil e a América Latina?
Prof. Oliver Stuenkel: Os desafios globais nunca tiveram uma combinação tão complexa: crise de governança global, mudança climática, crise de refugiados, crime transnacional, cibersegurança, segurança marítima, entre outras ameaças. Além disso, o deslocamento do poder econômico para a Ásia, com a ascensão da China, gera um cenário multipolarizado com os Estados Unidos e a Inglaterra, e que é mais instável, mesmo que temporariamente. Para o Brasil e a América Latina, as consequências são econômicas e políticas. Considerando a insatisfação com a atual classe governante em países como Colômbia, Brasil, Venezuela, Chile e Guatemala, além da reversão de expectativas devido à crise econômica, fica claro que o risco de um contágio populista é maior do que nunca. Entre os países da região, inclusive, há fatores desestabilizadores como a crise humanitária na Venezuela, que tem implicações para a Colômbia, o Equador e a Guiana; e crises em arranjos institucionais como Mercosul, UNASUL e OEA, que reduzem a capacidade da região de resolver problemas entre seus Estados membros.
D em F: Quais são as ameaças que o Brasil enfrenta na região e como vem respondendo a elas?
Prof. Oliver Stuenkel: O Brasil enfrenta problemas antigos, como contrabando e tráfico de drogas em suas fronteiras. Os crimes transnacionais e a falta de cooperação transfronteiriça representam a principal ameaça de segurança na região, uma vez que o Brasil é o segundo maior mercado de consumo de cocaína e o principal entreposto de distribuição de cocaína para a Europa. Além disso, o Acordo de Paz da Colômbia e a dissolução das FARC irão aumentar a oferta de armas e promover um rearranjo dos principais atores do crime organizado, o que vai gerar mais instabilidade. Gerenciar a faixa de fronteira, portanto, representa hoje o problema mais pernicioso da política externa brasileira.
D em F: É necessário um aumento dos investimentos em defesa nos países ocidentais? O Brasil e outros países da América Latina estão preparados para se proteger em um cenário dominado pela instabilidade?
Prof. Oliver Stuenkel: Apesar de um conflito tradicional ser possível, hoje não há mais um inimigo clássico e é preciso identificar os tipos de ameaças para então poder investir e se proteger. A insegurança e as instabilidades irão continuar. A Venezuela não deve se recuperar nos próximos 20 anos e há um número elevado de fatores que irão inserir as Forças Armadas na segurança pública e na política. Dessa forma, a tendência geral é de um aumento nos investimentos em defesa.
As opiniões contidas nesta publicação não refletem necessariamente a opinião da Saab do Brasil e da Saab AB.
NOTA do EDITOR: O Defesa em Foco traz uma série de entrevistas com renomados especialistas em Defesa e Segurança, sobre temas locais e globais que impactam sociedades e nações.