Por Plínio Cardoso dos Santos
RESUMO
Na próxima década entrará em operação o submarino nuclear brasileiro. Será necessária a negociação de salvaguardas a fim de assegurar que seu combustível nuclear não seja desviado para fins hostis. O Brasil será o primeiro Estado-parte do TNP nuclearmente desarmado a possuir um submarino nuclear, de modo que as salvaguardas a serem negociadas pelo Brasil com a Argentina, a ABACC e a AIEA, conforme prevê o Acordo Quadripartite, poderão servir como precedente por outros países.
Pensamos que os termos dessa negociação serão afetados pelo papel que o submarino desempenhará no Atlântico Sul. Diante de uma perda relativa do poder dos EUA e o interesse da China em garantir rotas marítimas seguras para seu comércio, concluímos que a relação entre as potências vai influenciar a referida negociação.
INTRODUÇÃO
“Porém, se o Brasil quiser ocupar o lugar que lhe cabe no mundo, precisará estar preparado para defender-se não somente das agressões, mas também das ameaças. Vive-se em um mundo em que a intimidação tripudia sobre a boa fé”. Estratégia Nacional de Defesa
Uma das discussões clássicas do direito internacional é a liberdade de navegação nos mares. Em linhas gerais, os estados com maior capacidade econômica e militar procuram garantir o direito à navegação de modo mais amplo possível restringindo a soberania dos demais estados costeiros. Assim podem ter acesso a mercados e recursos mais facilmente do que aqueles que possuem inferioridade de meios e tecnologias navais.
Naturalmente, nessas potências marítimas foram patrocinadas as teses clássicas da liberdade de navegação. O pioneirismo dessa defesa, tão importante na relação colonial, é atribuído ao espanhol Francisco de Vitória (1483-1546). Por sua vez, em oposição à hegemonia marítima de Portugal, Espanha e Inglaterra, o holandês Hugo Grotius (1583-1645), com o capítulo De Mare Liberum, de 1609, defendeu a importância da comunicação entre os povos e as nações disseminando a ideia de que nenhum país poderia monopolizar o controle dos oceanos.
O direito costumeiro à liberdade de navegação foi positivado em 1982 com a Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar, não ratificada, entretanto, pela grande potência marítima da atualidade. A fim de reafirmar sua hegemonia, os Estados Unidos da América (EUA) realizam exercícios e manobras militares ao longo das zonas econômicas exclusivas, incomodando países como Brasil e China nas operações navais chamadas de “Liberdade de Navegação” (Freedom of Navegation – FON).
Evidentemente, não há como se discutir geopolítica sem levar em consideração a posição dos EUA. Historicamente, eles têm se oposto ao fortalecimento de qualquer liderança regional. Nesse sentido, o fortalecimento da capacidade naval brasileira pode ser contrário aos seus interesses, seja por dificultá-los ou por viabilizar os de potenciais adversários, a exemplo da China.
Mesmo o Brasil estando entre as maiores economias globais, sua localização setentrional e comércio exterior pouco expressivo lhe confere certa autonomia na política internacional, imunizando-o de adesões voluntaristas a quaisquer das potências. Por ter condições técnicas, industriais e políticas para exercitar sua soberania sobre a costa, o País tem desenvolvido um complexo programa de construção de submarinos com vistas à dissuasão, por meio da negação do uso do mar, conforme prevê sua Estratégia Nacional de Defesa.
Com esse propósito, foi criado o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), fruto da parceria com o governo francês iniciada em 2009 para a construção de cinco submarinos, quatro diesel-elétricos e um nuclear. Vale ressaltar que essa parceria não inclui o reator do submarino nuclear, que está sendo desenvolvido somente pelo Brasil. Com esse ousado programa, o Brasil será o primeiro país nuclearmente desarmado a ter um submarino nuclear.
Diante disso, o propósito deste artigo é apresentar a relação existente entre a geopolítica e o direito internacional na avaliação da conveniência do submarino nuclear em um contexto de fortalecimento dos interesses chineses no Atlântico Sul. Pressupõe-se, para tanto, que as capacidades operacionais únicas de um submarino nuclear podem afetar interesses das potências na região. Evidentemente, o fato de esta análise ser prospectiva a torna mais subjetiva. No entanto, ainda assim, a entendemos válida para fins de refletir a importância futura do Brasil no mundo.
CONSTRUÇÃO DA CONFIANÇA E REGIME JURÍDICO INTERNACIONAL DE NÃO-PROLIFERAÇÃO NUCLEAR: A NEGOCIAÇÃO ENTRE AIEA, ABACC, ARGENTINA E BRASIL
A Estratégia Nacional de Defesa prevê o domínio e a nacionalização de todo o processo tecnológico necessário à propulsão submarina.
Além desse propósito, os benefícios do uso da tecnologia nuclear são amplamente conhecidos, a exemplo da produção e estocagem de energia, fins medicinais, agricultura e propulsão espacial. No entanto, tal tecnologia também pode ser usada para a fabricação de artefatos de destruição em massa, capazes de desafiar as atuais potências militares.
A dualidade dessa tecnologia acarreta na necessidade de se prestar garantias do seu uso pacífico (SAGAN, 2013, p.41-81). Entretanto, caberia falar em uso pacífico de um submarino militar? Se considerarmos que o direito à legítima defesa é inerente à soberania podemos dizer que sim. Afinal, não estamos desenvolvendo armas nucleares, e sim veículos propulsionados com um combustível altamente energético, embora radioativo.
A importância de um submarino para um país como o Brasil é notável. Sem ter condições de operar meios navais de superfície em grande quantidade ao longo da extensa costa, o fato de os submarinos serem, em geral, indetectáveis quando submersos confere enorme poder dissuasório aos seus possuidores. Aliás, esse efeito dissuasório teria sido observado pelo governo brasileiro durante a Guerra das Malvinas, quando em 1982 o submarino nuclear de ataque inglês Conqueror negou o uso do mar à Argentina.
A singularidade do submarino a propulsão nuclear está no maior tempo de submersão e na maior velocidade e autonomia de operação, superando os convencionais diesel-elétricos. No entanto, para dispor de submarinos nucleares, o país deve possuir a capacidade de produzir seu combustível porque, em geral, ele não é passível de ser comercializado, diferentemente daquele destinado aos reatores para uso civil.
Devido a sua complexa construção e operação apenas seis países possuem essa capacidade de desenvolvê-los e construí-los, quais sejam a França, o Reino Unidos, os Estados Unidos, a Rússia, a China – os membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas e, desde 2012, a Índia. Aliás, todos esses países também possuem armas nucleares. Percebe-se, portanto, uma relação entre o domínio tecnológico com fins militares e a capacidade de se determinar a licitude da guerra. Daí o empenho de países como o Brasil em integrar tal colegiado.
Desde o governo Itamar Franco (1992-1995), o Brasil tem manifestado a intenção de integrar como membro permanente o Conselho de Segurança.
E a diplomacia evidentemente deve estar sustentada por capacidades para assunção de responsabilidades sobre a segurança internacional. Essa demonstração de capacidade perante a comunidade internacional parece ser o principal ganho político-estratégico no investimento de tantos recursos públicos por um País com tantas carências sociais.
Nesse momento, o Brasil procura aumentar sua capacidade de enriquecimento de urânio por meio de ultracentrífugas fornecidas pela Marinha do Brasil à empresa estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB). Essa é a parte principal do ciclo de produção do combustível nuclear.
Nota-se que quanto maior o nível de enriquecimento do urânio, maior é sua capacidade energética, sendo que a AIEA considera dois níveis: o que a concentração de U235 não ultrapassa 20% (Low-Enrichment Uranium – LEU) e o que a concentração é superior a isso (High-Enrichment Uranium – HEU). Acima de 90%, denominado de bomb grade, torna-se viável a construção de artefatos bélicos com dimensões práticas.
Como o HEU contém mais energia e, portanto, proporciona maior duração das cargas de combustível, seria o nível ideal para a propulsão naval se não fossem as desconfianças internacionais acerca dos reais propósitos do Estado que o utiliza. Além disso, a capacidade desse estado em garantir segurança (safety e security) às instalações e produtos nucleares é motivo de desconfiança internacional, principalmente diante da possibilidade de desvios para fins hostis.
De todo modo, os submarinos nucleares brasileiros (SN-BR) utilizarão o LEU, como já ocorre com todo o sistema brasileiro de enriquecimento de urânio e fabricação de elementos combustíveis, bem como ocorre com os submarinos nucleares franceses. A Marinha do Brasil, responsável pelo PROSUB, estima que o primeiro submarino brasileiro a propulsão nuclear entrará em operação em julho de 2025, o que talvez seja adiado devido às medidas de austeridade adotadas atualmente.
Nos últimos dez anos pode-se observar a perda relativa da hegemonia estaduniense, principalmente com o retorno do protagonismo russo e a conquista de posições pela China. A expectativa é que na próxima década, prazo para a entrada em operação do primeiro submarino nuclear brasileiro, sejam dados sinais que confirmem um novo arranjo de forças no sistema internacional, que se espraiará para o processo decisório das organizações internacionais.
No concerto internacional para a garantia da segurança nuclear, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) possui a incumbência de fiscalizar o cumprimento dos pactos internacionais, notadamente do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), de 1968.
Objetiva assim atestar o uso pacífico da tecnologia nuclear e, com isso, reduzir desconfianças. A despeito de sua importância para a estabilidade internacional, a AIEA é acusada de oferecer e receber informações de órgãos governamentais de inteligência com vistas a prejudicar alguns países.
O Brasil, nesse sentido, já manifestou preocupação de que as inspeções, que ocorrem somente nos países nuclearmente desarmados,pudessem servir para espionagem industrial, uma vez que desenvolveu suas próprias ultracentrífugas. Essa desconfiança em relação à isenção da AIEA levou inclusive o Brasil a não ratificar o Protocolo Adicional do TNP, que amplia os poderes de inspeção da Agência. Evidentemente, as suspeitas sobre sua imparcialidade geram risco de deslegitimar seus nobres objetivos.
Nesse sentido, pudemos testemunhar o constrangimento ocorrido no evento Nuclear Debates in America Latina, ocorrido no Rio de Janeiro em 2014. Ao responder às perguntas de especialistas em segurança nuclear, ex-Chefe da Seção de Não-Proliferação e Formulação de Políticas e também do Gabinete de Assuntos Jurídicos da AIEA, Laura Rockwood, revelou que a Agência se valia de informações, como imagens satelitais, dos serviços de inteligência dos EUA e de Israel, não obstante, a Agência sempre ter negado o uso de tais informações.
Em resposta aos questionamentos estrangeiros à busca da tecnologia nuclear, legítima segundo o TNP, Brasil e Argentina superaram a desconfiança mútua e criaram um mecanismo permanente de controle recíproco: a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), criada pelo Acordo Bilateral de 1991.
Dessa forma, os países vizinhos conseguiram diminuir a desconfiança internacional e ainda alcançar a legitimidade necessária para o aproveitamento dessa importante tecnologia sem fins hostis, como já havia sido determinado pelo Tratado de Tlatelolco de 1967.
Ainda em 1991, Brasil, Argentina, ABACC e AIEA acordaram, por meio do Acordo Quadripartite, realizar cooperação para verificar se materiais nucleares têm sido desviados para fins não pacíficos, objetivando se evitar duplicidade nas dispendiosas atividades de inspeção.
Vale dizer que, o Grupo de Supridores Nucleares (NSG), formado por 46 Estados que realizam e controlam a transferência de bens e tecnologias sensíveis no campo nuclear para fins exclusivamente pacíficos, como transferências de tecnologias de enriquecimento de urânio e reprocessamento de combustível nuclear, passou em 2011 a reconhecer o Acordo Quadripartite como critério alternativo ao Protocolo Adicional.
Deve-se ressaltar que esse modelo de controle recíproco propiciado pela ABACC costuma ser lembrado como possível solução às desconfianças entre vizinhos rivais, a exemplo da tensão existente entre Índia e Paquistão ou entre Israel e Irã. Considerando que a ABAAC é a única agência binacional com tal atribuição e que a AIEA busca a redução dos dispendiosos custos de salvaguarda, motivo pelo qual busca parcerias, sem dúvidas esse é um modelo de organização internacional a ser promovido.
Retornando à discussão ao tema deste trabalho, o Acordo Quadripartite prevê a adoção de certos procedimentos para garantir o uso não hostil do material nuclear a ser usado no futuro submarino brasileiro.
Conforme seu artigo 13: se um Estado-Parte decidir exercer sua faculdade de usar material nuclear que deva ser salvaguardado em virtude deste Acordo para propulsão nuclear ou operação de qualquer veículo, inclusive submarinos e protótipos, ou para qualquer outra atividade nuclear não-proscrita conforme acordado entre o Estado-Parte e a Agência, serão aplicados os seguintes procedimentos.
Tais procedimentos são expostos nas alíneas seguintes. Na alínea a consta o dever do Brasil informar à AIEA, por intermédio da ABACC, sobre o uso pacífico do material nuclear. E na alínea b está prevista a necessidade de se criar um “arranjo” pelo qual os “procedimentos especiais” de salvaguardas serão aplicados para o material nuclear destinado ao submarino à propulsão nuclear. Ou seja, deverão ser acordadas quais as modalidades de salvaguarda deverão ser aplicadas, bem como sua natureza e extensão.
Notadamente, o interesse brasileiro será oferecer garantias suficientes a ponto de não existirem impedimentos legítimos ao uso da tecnologia. Apesar de nosso sistema de produção de urânio enriquecido ser do tipo LEU, o abastecimento dos reatores ocorrerá em instalações militares, o que levará a naturais desconfianças sobre desvios de material, ou ainda, enriquecimento acima dos 20% (HEU). Vale dizer que em nossa visita à futura base de submarinos, em Itaguaí, pudemos constatar o projeto de um centro radiológico e de outras medidas com vistas a garantir a segurança do material radioativo, do pessoal e das instalações.
Considerando o tempo necessário para a entrada em operação do submarino nuclear, essa negociação ainda demorará cerca de uma década para ocorrer. Como procuramos demonstrar, nessa futura negociação participará a AIEA, que recebe forte influência dos EUA. Apresentados os aspectos jurídicos, cuja vaguidão transfere para a negociação política quais procedimentos deverão ser impostos, entendemos que a discussão jurídica parece se encerrar aqui – sem que entremos, é claro, nas questões técnicas do campo das salvaguardas.
Dito isso, parece-nos que a negociação levará em consideração as circunstâncias geopolíticas da década, na qual provavelmente se aprofundaram questionamentos ao domínio estadunidense sobre os mares e as organizações internacionais, como a AIEA. Essa negociação de interesse do Brasil, no entanto, impacta na composição de forças desse novo arranjo multipolar.
Afinal, a importância desta negociação está no pioneirismo brasileiro: será o primeiro Estado-parte do TNP nuclearmente desarmado a ter um submarino nuclear. E, conforme aprendemos durante a visita de pesquisa à Divisão de Desarmamento e Tecnologias Sensíveis, do Ministério de Relações Exteriores brasileiro, a AIEA não aplica salvaguardas aos submarinos hoje existentes no mundo, possuídos apenas por Estados nuclearmente armados ou, no caso indiano, por estado não-parte do TNP.
Dessa reflexão podemos notar que os requisitos a serem impostos ao caso brasileiro deverão ser rigorosos o suficiente para não sermos considerados um precedente para outros países em mesma situação. Cita se como exemplo a suposta intenção do Irã em obter essa tecnologia para propulsão naval.
Em um mundo sobre forte vigilância de forças adversárias, notadamente por meio de imagens satelitais, a não detecção de submarinos, ainda mais quando capazes de submergir a maiores profundezas, pode possibilitar, aos Estados mais fracos, considerável capacidade dissuasória.
Passamos então a considerar, prospectivamente, como esse questionamento à hegemonia dos EUA poderá afetar essa negociação.
REFLEXÃO PROSPECTIVA: O SUBMARINO NUCLEAR BRASILEIRO E O CONTEXTO INTERNACIONAL
A lógica da liberdade de navegação, princípio inspirador da Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar(ONU, 1982), atende a objetivo geopolítico dos EUA. Segundo George Friedman, entre os objetivos estratégicos dos EUA está o de prevenir que qualquer outra nação desafie seu poder naval. Ao tentar prever o que está por vir, analisa Friedman a importância da hegemonia marítima alcançada no último século:
“Tendo alcançado o feito inédito de dominar todos os oceanos do mundo os Estados Unidos, obviamente, procuraram continuar a mantê-los. A maneira mais simples de fazer isso era impedir outros países de construírem marinhas, e isso poderia ser feito se certificando que ninguém estava motivado a construir marinhas, ou tivesse recursos para fazê-lo. Uma estratégia, “a cenoura”, é ter certeza de que todos tenham acesso ao mar sem necessidade de construir uma marinha.”
Na mesma obra, Friedman constata ainda que a navegação marítima em todo o planeta ocorre somente com o consentimento da grande potência naval. Daí a importância de ser vista como “polícia dos mares”, atuando tanto no combate à pirataria na costa da Somália como provendo ajuda humanitária em praias distantes. A liberdade de navegação seria assegurada, nesse raciocínio, para desestimular a construção de marinhas e, consequentemente, evitar o questionamento dessa hegemonia. Acrescenta se que o domínio dos mares permite ainda, desde a criação dos mísseis Tomahawk, atingir com precisão alvos em terra a mais de mil quilômetros do navio ou submarino lançador.
Entretanto, após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, a liberdade de navegação foi relativizada. EUA e seus aliados passaram a interceptar e inspecionar navios mercantes em águas internacionais a fim de prevenir suposto risco de proliferação nuclear com a Proliferation Security Initiative (PSI).As invasões ao Afeganistão e ao Iraque, em 2001 e 2003, com consequências desastrosas sobre a estabilidade regional, demonstraram às demais nações que, para reafirmar seu poder, os EUA estão dispostos a afrontar soberanias e desprezar o Conselho de Segurança da ONU.
Com o aumento da projeção internacional do Brasil, o início da inserção de acadêmicos na discussão da defesa nacional e a chegada ao poder de um governo nacionalista, foi lançada em 2008 a atual Estratégia Nacional de Defesa, que procura a reestruturação da defesa nacional, a dissuasão de ameaças e agressões e a prontidão para o combate. Isso acarreta no monitoramento e o controle dos espaços, a mobilidade estratégica e a presença que, no mar, implica em a Marinha do Brasil estar dotada de uma força submarina composta de submarinos convencionais e nucleares.
No mesmo ano, os EUA reativaram a Quarta Frota, com atribuição sobre a costa atlântica da América Latina. Ressalta-se que no ano anterior o governo brasileiro anunciara a descoberta de enormes reservas petrolíferas sob o pré-sal. Aliás, os EUA, que realizaram manobras militares em nossa zona econômica exclusiva em 2014, se opõem ao pleito brasileiro de expansão da zona econômica exclusiva para além de 200 milhas náuticas, possibilitada pela Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar.
Vale dizer ainda que além dos meios da logística do pré-sal, temos um comércio exterior realizado 95% pelo mar, de modo que um bloqueio naval nos principais portos do País teria um resultado preocupante para a economia nacional, não obstante a diversidade de fontes energéticas e de produção industrial. Daí parecer prudente prevenirmos a possibilidade de um bloqueio naval, meio considerado eficaz contra países muito dependentes do comércio marítimo.
Os submarinos se apresentam como importante instrumento dissuasório contra bloqueio de linhas marítimas, a principal finalidade do controle do mar, segundo o célebre estrategista Mahan. Os submarinos são tidos como plataformas por excelência para a negação do uso do mar, uma das quatro tarefas básicas do Poder Naval (as demais são controlar áreas marítimas, projetar poder e contribuir para o poder dissuasório). A negação do uso do mar, normalmente tarefa realizada pelo país que não tem condições de estabelecer o controle de áreas marítimas inclui, entre outras medidas, a destruição de navios de guerra ou mercantes do inimigo.
Pensamos que mais prejudicado com um bloqueio em nossa costa seria nosso maior parceiro comercial, a China, importador de produtos como soja, proteína animal e minérios. Note-se que, das três empresas estrangeiras investidoras do pré-sal, duas são chinesas. Vale lembrar que alimentos produzidos no Brasil são fundamentais para a segurança alimentar e, por consequência, para a estabilidade política desse país de 1,4 bilhão de habitantes.
Também importante para a China é continuar como um grande exportador de manufaturas, de modo que os salários gerados, enviados pelos trabalhadores aos seus familiares no interior do país, garantem a manutenção da coesão social e do apoio político ao governo. Nesse sentido, a China vem procurando diversificar rotas marítimas, a exemplo do interesse na abertura dos dois sentidos da rota para Roterdã via Oceano Glacial Ártico.
Em 2015 o líder chinês veio ao Brasil anunciar seu apoio à construção da Ferrovia Transoceânica, que ligará os oceanos Atlântico e Pacífico passando por Brasil e Peru. Essa alternativa ao canal do Panamá assegurará mais uma rota de escoamento de exportações brasileiras rumo àquele país, reduzindo assim as consequências de um bloqueio naval no Atlântico Sul.
Além de integrar o País ao novo eixo da economia global, essa ferrovia permitirá maior integração com seus vizinhos andinos, fortalecendo assim sua liderança regional. Segundo Friedman, a falta de integração com seus vizinhos e de acesso ao Pacífico impediriam o Brasil de exercer a liderança regional no século XXI.
Uma vez que, entende Friedman, os EUA têm se oposto ao surgimento de qualquer liderança regional, o fortalecimento brasileiro na região talvez seja, a contrário senso, do interesse chinês.
A China tem questionado a supremacia dos EUA, seja ao tentar proteger-se de bloqueios navais por meio da construção de ilhas artificiais no Mar da China ou ao criar, em 2015, um sistema de financiamento paralelo ao Banco Mundial e ao FMI com o banco dos BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China). Em resposta à crescente influência chinesa, por sua vez os EUA têm celebrado acordos comerciais bilaterais e regionais (a exemplo do Acordo de Associação Transpacífico, de 2015) restringindo a liberalização do comércio mundial, não mais vantajosa a eles. Isso inevitavelmente terá consequências para os fluxos do comércio marítimo, seja para assegurá-los ou restringi-los.
Criar uma alternativa ao canal do Panamá revela o interesse da China no Atlântico Sul. Com inauguração prevista para 2029, o canal interoceânico em construção na Nicarágua terá capacidade para embarcações superpesadas. Vale dizer que a Rússia manifestou interesse em fazer patrulha sobre o canal. A Rússia também tem questionado os EUA em busca de acesso ao Mar Negro (na Criméia) e ao Mar Mediterrâneo (na Síria).
Esses fatos, somados à formação de blocos de preferência comercial, prenunciam uma multipolaridade no século XXI. Isso impõe a adesão a uma potência ou, como alternativa, a posse de meios dissuasórios capazes de assegurar autônoma. Daí a importância de se ter capacidade para desenvolver, construir e operar submarinos nucleares.
A futura negociação que irá impor condições ao submarino nuclear brasileiro nos parece passar pela relação do País com as potências militares e nucleares. Diante da presença de algumas dessas potências no Atlântico Sul, possuir submarinos nucleares poderá gerar protagonismo para o Brasil na região. Diante desse cenário, em que incluímos hipoteticamente a China, formulamos o seguinte mapa a fim de exercitarmos uma reflexão sobre o papel que cabe ao Brasil no Atlântico Sul.
Mapa do Atlântico Sul: tráfego mercante e potências
Podemos observar, no mapa, que a maior parte dos trechos das rotas de comércio marítimo entre os oceanos Índico e Pacífico, no hemisfério sul, estão sob responsabilidade brasileira para a realização de salvamento e resgate. Denominada “área SAR”, tal região nos parece ser a única e legítima região sob influência militar brasileira em tempo de paz.
Diante do cenário prospectivo que visualizamos, podem ser identificadas cinco potências com capacidade de emprego militar no Atlântico Sul. Duas com capacidade permanente: EUA e China. E três com capacidade relativamente limitada na região: Brasil, Reino Unido (possuidor de cinco ilhas/arquipélagos) e França (na Guiana Francesa). Estes dois últimos países possuem natural interesse no possível incremento da capacidade dissuasória brasileira. Frisa-se que Reino Unido é um provedor tradicional de meios de superfície para o Brasil e a França, como já apontada, é parceira no programa de desenvolvimento de submarinos.
Como é fácil notar do mapa, a capacidade de operação naval por tais países na região é bastante influenciável por uma força naval brasileira fortalecida. Vale dizer, nesse sentido, que a OTAN tem sinalizado a necessidade de o Brasil exercer maior presença no Atlântico Sul, o que parece ter sentido com o deslocamento das preocupações para o Oceano Pacífico, por parte dos EUA, o grande patrocinador dessa organização.
Do que já dissemos da posição dos EUA, de não apoiar o fortalecimento de lideranças regionais, a expectativa é que dificultem o máximo possível essa negociação com a AIEA. Ainda que consintam com o Brasil ter submarino nuclear, e isso somente parece ocorrer se for de seu interesse estratégico, a exemplo de restringir a atuação chinesa na região não irão querer que o precedente seja alegado por outros países também interessados em operar submarinos nucleares. De modo que nos parece difícil vislumbrar apoio sincero dos EUA.
Acrescentamos bases navais chinesas na costa ocidental africana por nos parecer crível o interesse da potência emergente em possuir ou utilizar bases navais em países com os quais tem desenvolvido forte cooperação militar.
Destaca-se, nesse sentido, que o governo chinês reconhece a Nigéria como um aliado estratégico. Nesse caso, por existirem interesses em recursos naturais africanos, parece natural que sejam asseguradas bases navais, próprias ou aliadas, para o reabastecimento dos seus navios de escolta, principalmente, a fim de não depender tão somente das rotas pelo Oceano Pacífico.
Impera destacar, no entanto, que a informação de construção dessas bases navais pela China, não obstante ter sido reproduzida em diversos veículos de mídia, foi veementemente refutada pelo governo chinês em novembro de 2014. Em face disso, apesar de podermos estar totalmente equivocados, mantivemos a especulação. Resta saber o quanto uma aproximação do Brasil com a China pode prejudicar a negociação com a AIEA. E o quanto o Brasil estaria disposto a sacrificar em prol de nosso principal parceiro comercial.
Para responder a segunda questão é necessário avaliar a importância da liberdade de navegação para o Brasil. O Brasil representa menos de 1% do comércio mundial, seja pela incapacidade de produção de manufaturas competitivas seja pela localização geográfica afastada dos grandes mercados e fluxos comerciais.
Nosso isolamento torna as exportações responsáveis por apenas 11% da composição do PIB. Desde 2009, a China se tornou nossa maior parceira comercial, contudo esse destino representa apenas 20% de nossas exportações. Apesar de estarmos sujeitos às oscilações da economia chinesa, como agora em que a queda do seu crescimento econômico derrubou o preço das commodities (cuja exportação, e consequente entrada de moeda, evita uma crise cambial), entendemos que a China depende mais do Brasil do que o contrário pelas questões internas chinesas já referidas.
Isso demonstra o porquê é tão importante para os chineses a integração com a economia brasileira, que está fora dos acordos de preferência comercial realizados com os EUA. Essa aproximação entre os países foi notada com realização em 2012 da “parceria estratégica global” e, como já apontamos, com a implantação do banco dos BRICS e da Ferrovia Transoceânica. Vale dizer que as relações ainda têm muito espaço para crescimento, pois os chineses foram responsáveis por apenas 1,1% dos investimentos diretos realizados no Brasil no primeiro semestre de 2015.
Exemplo desse investimento ocorre na zona econômica exclusiva brasileira. Vale lembrar que para os leilões de exploração petrolífera no pré-sal somente se interessaram uma empresa francesa e duas chinesas.
As demais grandes petrolíferas não demonstraram interesse, talvez tenham previsto a abrupta queda no preço do barril do petróleo, de US$ 114 para US$ 45/ barril, considerada a exploração do pré-sal viável somente a partir de US$ 41/barril.
CONCLUSÃO
Historicamente as potências mundiais têm patrocinado teorias com fins de preservar seus interesses no mar. A emergência de novas potências vêm acompanhada pela construção ou resgate de teorias questionadoras do status quo. E é próprio do direito tanto servir de instrumento para preservação como de questionamento do poder. No direito internacional do mar e do desarmamento, podemos ver esse duelo sustentado sobre as condições reais de poder.
O Conselho de Segurança da ONU, a quem compete determinar a licitude da guerra, é formado por um grupo permanente de países possuidores de armas e submarinos nucleares. É esse restrito grupo que detém a capacidade para o desenvolvimento e a construção de submarinos a propulsão nuclear. Tal como a Índia, o Brasil objetiva integrar o Conselho, sem que procure, entretanto, obter armas de destruição em massa.
O Brasil tem procurado dominar o ciclo completo do enriquecimento de urânio com vistas a extrair desta tecnologia ganhos considerados estratégicos. A estratégia naval brasileira se baseia na negação do uso do mar a potências que possam questionar nossa soberania. Importa para a defesa nacional conseguir operar submarinos nucleares, cujas capacidades dissuasórias são fundamentais ao longo da extensa e rica costa brasileira.
O programa nuclear brasileiro é fiscalizado pela ABACC, agência binacional com a Argentina, e pela AIEA. Com a entrada em operação esperada para 2025, o Brasil deverá entrar em negociação para o oferecimento de salvaguardas específicas que incluam a base de submarinos de Itaguaí, conforme pensamos que irá decorrer do Acordo Quadripartite.
Os termos dessa negociação provavelmente serão influenciados pela expansão geopolítica de países como a China, que vem questionando a hegemonia dos EUA. À medida que aumentam seus poderes, os emergentes buscam reformular o poder decisório de organizações internacionais, como a AIEA. No caso dessa organização, aliás, destacam se as desconfianças sobre sua imparcialidade.
No Atlântico Sul possuem territórios a França e o Reino Unido, membros da OTAN, os quais serão afetados diretamente pelo incremento da capacidade dissuasória brasileira. Os EUA, por sua vez, reativaram a Quarta Frota causando apreensão diante do início da exploração das reservas petrolíferas do pré-sal. De modo que para eles, que exercem bastante influência na AIEA, o submarino nuclear brasileiro parece ser um obstáculo a seu intento de livre navegação e manutenção da hegemonia sobre os mares.
Por outro lado, caso seja confirmada a especulação de que a China pretende ter bases navais na costa ocidental africana, estaria o Brasil instado a exercer “por delegação” o controle do Atlântico Sul, notadamente, diante do deslocamento do eixo do poder mundial para o Oceano Pacífico. Entretanto, não há oposição de interesses do Brasil com a grande potência emergente, nossa maior parceira comercial.
Procuramos demonstrar ainda que a China tem estreitado suas relações com o País, a fim de assegurar destino para suas manufaturas e, principalmente, assegurar o suprimento de sua demanda por produtos naturais. Essa aproximação entre os emergentes tem se manifestado no setor financeiro e comercial, o que une interesses desses países também sobre a liberdade de navegação nos mares.
Evidentemente sem esgotar os aspectos desta discussão, esperamos ter demonstrado que a negociação entre o Brasil e a AIEA será afetada, ainda que indiretamente, sobre o papel a ser exercido por esse meio de combate no Atlântico Sul diante do rearranjo da ordem global. E a importância desta negociação pioneira decorre do estabelecimento dos requisitos que assegurarão a legítima operação de um submarino nuclear por um país nuclearmente desarmado a servirem, potencialmente, de precedentes para o pleito junto à AIEA de demais países interessados em operar submarinos nucleares.
SOBRE O AUTOR: Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos (PPGEM-EGN), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Bolsista Pró-Defesa/Capes.
FONTE: Revista da Escola de Guerra Naval
Eu concordo que o Brasil não tenha arma nuclear, mas os submarinos novos deveriam ter míssil de longo alcance.
Não há dúvidas de que o submarino de propulsão nuclear é importante para nossa estratégia de defesa… com esta ferramenta o Brasil oferece um risco maior risco a potenciais agressores e uma assistência muito mais convicta a potenciais aliados…
Por esta razão é importante distinguir as nações que se opõem e as que são a favor do Brasil estar equipado com tal capacidade e assim assimilá-los como potenciais inimigos ou potenciais aliados que são.
E feito isso avançar constantemente no plano de construção estabelecido, cumprindo o contrato com a DCNS, cumprindo o contrato com o governo francês e paralelamente a isso, investir o que for necessário na construção do reator. que até agora não temos nada a não ser o desenho.
Excelente análise. Estes são os possíveis entraves e soluções para o subnuc. Parabéns!
Novamente é citada a IV Frota dos EUA sendo que antes possíveis navios que fossem deslocados para o Atlântico Sul
viriam da então II Frota que a propósito já mudou de nome, então, nada mudou já que a IV Frota não conta com nenhum
navio fixo, mesmo a base de Mayport que por razões administrativas e também para reaquecer a economia local é onde
funciona o QG da IV Frota encontra-se dentro da área da antiga II Frota…a área de responsabilidade da IV Frota é o caribe
e contornando à América do Sul…a maior parte do Atlântico Sul é de responsabilidade da VI Frota não da IV !
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Enquanto os EUA, França e Reino Unido são vistos com desconfiança e mesmo temendo um submarino de propulsão nuclear
brasileiro ,talvez tomando partido em uma futura guerra ao lado da Argentina a China é vista como “grande amiga” no texto.
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E os EUA não estão preocupados com hegemonia no Atlântico Sul, a maior e melhor parte da US Navy encontra-se no
Pacífico e o que resta no Atlântico Norte, Mediterrâneo e Mar da Arábia .
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Padilha, grato por nos trazer este ótimo artigo. Muito bom!!!
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Grande abraço!!!