Em 29 de maio de 1948, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), necessitando monitorar o cumprimento do armistício entre Israel e os países árabes vizinhos, após a Guerra Árabe-Israelense de 1948, decidiu estabelecer a Organização de Supervisão de Tréguas das Nações Unidas (UNTSO), caracterizando a primeira ocasião em que militares de diferentes nações uniram-se, sob a égide daquele organismo internacional, para atuar em uma operação de paz. Desta forma, a data daquele marco inicial passou a ser empregada como justa homenagem a todos aqueles que servem, que um dia serviram e, em especial, aos que tombaram no cumprimento do dever, em operações de paz das Nações Unidas.
A Marinha do Brasil (MB), portanto, reserva este dia para reverenciar os valorosos marinheiros e fuzileiros navais que, de forma voluntária, têm se distanciado de seus lares para levar acolhimento e esperança a povos assolados por conflitos e tragédias, honrando a vocação brasileira para a solução pacífica de litígios e a defesa da paz.
A participação nacional em mediação de conflitos, pelos meios diplomático e militar, remonta a datas anteriores à criação da ONU. Ainda no início da década de 1930, o Brasil participou ativamente das negociações que puseram fim ao episódio conhecido como a “Questão de Letícia”, entre Colômbia e Peru, e da fase subsequente à disputa, incluindo o emprego de meios navais e aeronavais para assegurar o respeito à neutralidade brasileira e, posteriormente, supervisionar o cumprimento do acordo de paz.
Em 1947, o Brasil desempenhou relevante papel ao contribuir com diplomatas e observadores militares para a Comissão Especial das Nações Unidas para os Bálcãs (UNSCOB), durante a guerra civil grega. Embora essa comissão não configurasse, ainda, uma operação de paz estabelecida pelo Conselho de Segurança, a participação brasileira demonstrou o genuíno compromisso do país com os objetivos e princípios norteadores da Carta de São Francisco, ou Carta das Nações Unidas.
Em 1956, o Brasil iniciou oficialmente sua +participação nas missões de paz da ONU, ao designar um contingente para compor a Força de Emergência das Nações Unidas (UNEF), estabelecida para supervisionar a retirada das forças britânicas, francesas e israelenses do Egito, após a Crise de Suez. Desde então, o Brasil tem enviado militares para missões de manutenção da paz em diversas partes do globo terrestre, contabilizando participações na África, Ásia, Europa e Américas.
O vigésimo aniversário do desdobramento do primeiro contingente a integrar a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH), celebrado este ano, é ocasião relevante e oportuna para reconhecer a liderança exercida pelo País no segmento militar daquela Missão, bem como o esforço empreendido, durante os seus treze anos de duração, para o restabelecimento da ordem pública, mitigação dos efeitos de desastres naturais e reconstrução nacional, contribuindo para a redução da criminalidade, o fortalecimento das instituições e, por fim, para a promoção e proteção dos direitos humanos e recuperação da esperança da população haitiana. A atuação, nos 26 contingentes desdobrados, de cerca de 35 mil homens e mulheres das três Forças Singulares, além de policiais militares de diferentes estados, caracterizou a mobilização do maior número de tropas brasileiras no exterior desde a Segunda Guerra Mundial.
A MB se fez presente no Haiti, mesmo antes do estabelecimento da MINUSTAH, por meio do envio de Fuzileiros Navais para atuar na segurança da Embaixada brasileira, ainda nas primeiras horas da crise. Até os dias de hoje, a proteção daquela representação diplomática permanece sob responsabilidade da Força Naval. Ao todo, mais de seis mil militares da Marinha atuaram na MINUSTAH, enquanto diversos meios navais e aeronavais da Esquadra asseguraram o necessário apoio logístico ao revezamento dos contingentes brasileiros, confirmando a capacidade expedicionária proporcionada pelo conjugado anfíbio e a característica de permanência intrínseca ao Poder Naval.
O aprendizado da participação brasileira na MINUSTAH trouxe reflexos positivos em todas as áreas da atividade militar, com ênfase nos aspectos doutrinários, operacionais e de logística, traduzidos nos cursos, estágios e seminários ministrados pelos nossos reconhecidos Centros de Operações de Paz. O maior legado, no entanto, se deu pela demonstração inequívoca, perante a comunidade internacional, do compromisso brasileiro para com a paz mundial, bem como da competência e profissionalismo de seus marinheiros, soldados e aviadores.
Foi, justamente, esse legado de competência e profissionalismo que propiciou à ONU a confiança para atribuir aos militares brasileiros novos desafios, os quais não tardaram a surgir. Em 2011, coube ao Brasil assumir o comando da Força-Tarefa Marítima (FTM) da Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL), único componente naval a atuar em uma Missão de Paz da ONU. O exercício ininterrupto daquele comando, por quase uma década, assim como o desdobramento de seis navios, alternadamente, para atuarem como capitânias, em missões que variaram de oito a onze meses de afastamento de suas sedes, constituíram-se em prova cabal da resiliência das suas tripulações e da capacidade logística e operacional da MB.
A trajetória exitosa da nossa Força nas Operações de Paz continua superando novas marcas, desde sua atuação no Haiti e no Líbano. Duas Oficiais de Marinha foram agraciadas, consecutivamente, em 2019 e 2020, com o prêmio “Defensoras Militares da Igualdade de Gênero da ONU”, em razão de sua destacada atuação.
O Centro de Operações de Paz de Caráter Naval (COpPazNav), reconhecido pelo Departamento de Operações de Paz da ONU como o primeiro curso internacional de preparação específica para Estado-Maior de Força-Tarefa Marítima, vem também se destacando na capacitação de mulheres e de profissionais de imprensa para atuar em Operações de Paz.
Mais recentemente, o Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais de Força de Paz ascendeu ao nível III do Sistema de Prontidão de Capacidades de Manutenção da Paz das Nações Unidas, tornando-se a primeira tropa do Estado brasileiro a conquistar tal certificação.
Ao celebrarmos, hoje, o Dia Internacional dos Mantenedores da Paz, faço uso do ensejo para enaltecer a coragem, abnegação e espírito de sacrifício dos nossos quase 12.500 marinheiros e fuzileiros navais que, desde 1948, têm atuado sob a égide de organismos internacionais, em especial os quatorze peacekeepers, onze homens e três mulheres, que, desdobrados em missões individuais ou integrando tropas multinacionais, engrandecem, neste momento, os nomes da Marinha e do Brasil mundo afora. De forma destacada, presto respeitosa reverência à memória dos 41 brasileiros que, ao longo desses anos, deram suas vidas pela Pátria, em efetiva atuação em missões de paz.
Aos nossos “capacetes” e “gorros azuis”, de ontem, de hoje e de sempre, o reconhecimento e gratidão da Marinha do Brasil.
TUDO PELA PÁTRIA!
VIVA A MARINHA!
CLAUDIO HENRIQUE MELLO DE ALMEIDA
Almirante de Esquadra
Comandante de Operações Navais