Por Maria Cristina Fernandes
As Forças Armadas mobilizaram um contingente superior àquele da Segunda Guerra Mundial para as ações de combate à covid-19. São 29 mil militares do Exército, Marinha e Aeronáutica. É um efetivo inferior àquele destinado à operação de paz das Nações Unidas no Haiti, chefiada pelo Brasil, mas os 37 mil militares daquela missão foram alocados ao longo de dez anos. “A dificuldade desta operação é porque se trata de um inimigo invisível”, define o porta-voz do Ministério da Defesa, Carlos Chagas.
A exposição dos militares colaborou para a emergência de 1.813 infectados e sete óbitos no efetivo de cerca de 390 mil das Forças Armadas. É uma proporção dez vezes maior que o contágio total no país. Entre os 29 mil militares alocados para o combate à pandemia, 800 são profissionais da saúde. Deles, apenas um, enfermeiro, veio a óbito. O militar de mais alta patente morto pela pandemia foi um coronel-militar. Um dos generais alocados na operação acolhida, em Roraima, foi contaminado mas já se recuperou.
O número relativamente baixo de óbitos se deve ao monitoramento mais sistemático dos casos, com testagem daqueles que apresentam sintomas, e ao atendimento nos hospitais militares. A subnotificação, por isso, é inferior àquela estimada no país. A grande proporção de recuperados (38%) entre os infectados das Forças Armadas, relativamente à registrada no país (18%), também reflete o perfil etário mais jovem relativamente ao conjunto da população.
Entre as medidas de monitoramento tomadas pelas Forças Armadas está a instalação de termômetros em algumas das instalações militares. São equipamentos capazes de medir a temperatura a uma distância de cinco centímetros, similares àqueles que já começam a ser instalados em alguns aeroportos.
Entre os hospitais militares, os do Rio e do Pará são aqueles em que as Unidades de Terapia Intensiva estão mais comprometidas. O comprometimento dos leitos no Rio vem, em grande parte, da quantidade de militares, da ativa e da reserva, que vive no Estado. É lá que está o maior número de contagiados (999), e óbitos (4).
No geral, o quadro de contágio nas Forças Armadas obedece à incidência da doença no Brasil, com a notória exceção de São Paulo, Estado que abriga um terço dos casos e das mortes do país, mas onde os militares registram apenas 4,3% dos casos e nenhum óbito. Em Manaus, sede do centro de treinamento da selva, uma das vitrines de capacitação do Exército e onde foram registrados alguns dos primeiros casos da covid-19, a recuperação foi de 100%.
O alerta vindo da contaminação de três porta-aviões nos Estados Unidos e do maior porta-aviões francês, o Charles de Gaulle, redobrou a atenção com as embarcações brasileiras. No Charles de Gaulle, 1,1 mil, de uma tripulação de 1,5 mil, foram infectados. A proporção de recuperados foi de 98,5%. Segundo o almirante Carlos Chagas, houve contaminações em navios da Marinha brasileira mas todos foram retirados dos navios e tratados. Nas instalações nucleares, informou, não houve registro de contaminados.
O almirante Chagas justifica o reforço das medidas de proteção dos efetivos das Forças Armadas pela necessidade de manter a capacidade de operação externa e interna no combate à pandemia em todo o país.
Há 102 embarcações e 45 aeronaves das Forças Armadas sendo usadas no combate à covid-19. Agregam operações com o transporte de alimentos para a aldeia Ianomami de Maturacá (AM), para escolas públicas do Rio Grande do Sul e para caminhoneiros nas rodovias, descontaminação de hospitais na Bahia e em Mato Grosso, desinfecção sanitária no metrô do Recife e em locais com grande afluxo de pessoas em Maceió, Marabá (PA) e Amambai (MS), vacinação de caminhoneiros em Santa Maria (RS), além do transporte de equipamentos hospitalares recuperados pelo Senai e de doações de equipamentos de proteção individual doados pela Fundação Itaú para a região Norte.
O acompanhamento do contágio e das operações das Forças Armadas é feito diariamente pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e pelos comandantes regionais, por teleconferência. Dez subcomandos conjuntos foram criados especificamente para o combate à covid-19. Foi a montagem desta operação que levou o general Edson Leal Pujol, comandante do Exército, no início da pandemia, a classificá-la como “a maior missão” de sua geração.
O ex-ministro da Defesa Aldo Rebelo diz que a montagem desse tipo de operação é da tradição das Forças Armadas, seja qual for o presidente de plantão. Cita a epidemia do zika vírus que eclodiu no Brasil em 2016. O noticiário sobre a disseminação da epidemia já se espalhava pelo mundo e os voos provenientes do Brasil já ameaçavam ser interditados.
Rebelo reuniu os três comandantes e disse que o governo precisava da ajuda das Forças Armadas. Estiveram presentes o brigadeiro Nivaldo Rossato, o almirante Leal Ferreira e o general Villas-Bôas. “Eles só perguntaram quando e se disseram dispostos a colocar até 200 mil em operação”, lembra Rebelo. O Brasil estava às vésperas do impeachment de Dilma Rousseff.
FONTE: Valor Econômico