Por Leonardo Dutra
Viver em muitos dos países que compõe a União Europeia pode ser uma experiência formidável.Residir neste espaço proporciona uma sensação de segurança e bem-estar raramente replicada em outros lugares do planeta.
No entanto, esta semana as escolas foram fechadas em Bruxelas. E apesar dos parisienses terem ido aos copos no último final de semana, segundo François Hollande, a França está em guerra.
A situação é preocupante. Devido a problemática terrorista, civis estão morrendo na Europa e fora dela. Ou melhor dizendo, seres humanos morrem diariamente em todo o mundo em virtude deste problema.
Hollande busca consolidar o apoio dos EUA e intenta convencer as potências Europeias a proceder a destruição do Estado Islâmico.
Ainda, a França busca o apoio direto de Moscou para afrontar a ameaça terrorista. Curiosamente, França e EUA lutam ao lado da Rússia, que poucos meses atrás foi condenada pelo mundo ocidental em razão da invasão e guerra na Ucrânia.
Neste contexto, enquanto as lideranças buscam estancar o Estado Islâmico, boa parte da sociedade europeia se declara em choque diante dos acontecimentos. Igualmente, é assustadora a aparente apatia de muitos Estados europeus diante da extensão do problema.
Em um polêmico livro publicado poucos anos atrás, Robert Kagan apontou diferenças de comportamento nas relações internacionais entre europeus e norte-americanos. Enquanto estes apostavam no aumento das capacidades militares e no exercício do poder no mundo, aqueles pautavam sua existência no mesmo ambiente pela cooperação e pelo direito internacional.
Em um período posterior ao término da Guerra Fria, embalados pelo progresso econômico e pela construção de uma excepcional condição de bem-estar social, gerações inteiras de europeus julgaram que a utópica paz entre as nações poderia ser possível.
De tal forma, embriagados pela possibilidade de construção de um mundo distinto do passado, europeus acreditaram que uma solidariedade moral entre os homens seria possível. A sociedade do velho continente julgou que os hábitos que resultaram em normas internacionais eram fortes o suficiente para manter a estabilidade entre os homens de diferentes nações.
Entretanto, não julgou que a solidariedade humana poderia ter limitações. Não ponderou que a permeabilidade entre fronteiras que (ainda) existe na Europa pode ser apenas uma exceção. Não avaliou que os indivíduos da maioria das comunidades políticas do mundo estão mais preocupados com suas próprias vidas do que com a existência de um conceito de humanidade.
Ou seja, a experiência de viver o bem-estar no velho continente pode ter cegado uma sociedade inteira sobre aquilo que efetivamente existe (a inexistência deste bem-estar social em grande parte do planeta).
Tal processo pode ter resultado na construção de uma realidade ficcional daquilo que poderia existir (um mundo onde a paz entre as nações seria possível). Ou colocado de outra forma, em um imaginário coletivo europeu, a sociedade pode ter substituído aquilo existe (a realidade do mundo) pela projeção do que poderia existir em todo o planeta (a realidade da Europa dos anos 2000).
Tal miopia em relação ao mundo é a razão do atual choque da sociedade europeia diante dos atentados do corrente mês.
Iludida por uma solidariedade moral entre os homens que existiu por um breve período da história recente, tal sociedade optou por não enfrentar os exatos contornos do mundo real, acreditando que os costumes de uma pequena ilha de paz no mundo derivariam em um vínculo jurídico de todos os humanos em torno de alguns temas, como a vida e a liberdade.
A sociedade europeia esqueceu que os costumes internacionais existem, porém são fracos. Apagou da memória que as normas internacionais que derivam de tais costumes frequentemente esbarraram na vontade dos diferentes agrupamentos dos homens. Extinguiu do imaginário que as relações internacionais dependem historicamente (também) de uma lógica de poder, e muitas vezes resultam em guerra (e nem sempre em paz).
Neste contexto, apesar da surpresa de muitos, a presente guerra infelizmente é muito antiga. E ainda mais grave, o atual enfrentamento deste problema por parte de algumas potências mundiais poderá causar ainda muitos danos para a sociedade europeia (e internacional). Pois, uma vez que as ações militares se tornem mais agressivas por parte do Ocidente, é esperado que tal agressividade seja replicada como retaliação do Estado Islâmico.
Pouco foi aprendido nas décadas de intervenção ocidental no Médio Oriente, particularmente, nas operações no Afeganistão e em alguns Estados envolvidos na Primavera Árabe. Igualmente, já poucos lembram do Vietnã e das intervenções norte-americanas e russas neste mesmo Oriente Médio durante o século XX.
Insuficiente é a percepção da sociedade internacional de matriz europeia sobre os limites da solidariedade humana, ilustradas pela história das relações internacionais. Escasso é o entendimento das sociedades estáveis do mundo sobre a instabilidade da existência da maioria das pessoas do planeta.
Pois, enquanto alguns julgam que o Estado enfraquece suas estruturas, cedendo lugar a uma comunidade política mais permeável, velhos conceitos do cenário internacional ganham força neste início de século. A perpétua separação entre “nós” e “eles” mais uma vez se fortalece, e nacionais de diferentes comunidades políticas encontram novas formas de operar velhas ações no espaço internacional.
É instável o século XXI. Uma guerra que era impossível já agora é improvável. Neste ambiente, atacar o Estado Islâmico pode vir a ter consequências desastrosas, e não atacar também.
Realmente é utópico – para não dizer impossível – o mundo ocidental (não só a UE, mas também os EUA) pensar em replicar sua “harmonia” social para o convívio com outros povos não-ocidental, dado seu passado pontuado por invasões, guerras e colonialismo e que hoje foi meramente substituído por uma acintosa empáfia de se considerar o “esteio moral da humanidade”, como prega seu proselitismo maniqueísta de viés messiânico – talvez por isso “enxergue” o fundamentalismo islâmico como inimigo, pois numa análise desapaixonada, identificamos muito mais semelhanças do que diferenças no, repito, proselitismo maniqueísta messiânico de ocidentais e islamistas.
Nesse mapa do Estado Islâmico, só faltou pintar de preto o condado de Kent (sul da Inglaterra, antiga Londinium), o sudeste da França, a Itália e sul da Alemanha e Áustria para ficar igual ao Império Romano.
Nesse mapa do Estado Islâmico, só faltou pintar de preto o condado de Kent (sul da Inglaterra, antiga Londinium), o sudeste da França, a Itália e sul da Alemanha e Áustria para ficar igual ao Império Romano.