O Ano Geofísico Internacional (AGI), período entre julho de 1957 e dezembro de 1958, marca uma das maiores séries de descobertas das características terrestre e espacial. Nesse período, cientistas de 67 países trabalharam em conjunto na realização de uma grande variedade de experimentos e observações, compartilhando dados e resultados, a fim de proporcionarem uma melhor compreensão dos fenômenos relacionados à Terra.
Durante o AGI, a Antártica foi eleita como principal objeto de estudo para a realização de pesquisas em diferentes áreas da ciência, o que impulsionou o conhecimento sobre aquele continente. Do ponto de vista político, o AGI mostrou-se relevante por ter alertado as nações sobre a importância da preservação da Antártica para a paz mundial, o desenvolvimento da ciência e a cooperação internacional.
O sucesso do AGI inspirou, ainda, a realização de uma reunião específica para discutir o futuro da ciência antártica. Contudo, devido a alta complexidade que envolve o tema, foram necessárias outras 60 reuniões para se atingir o consenso. Assim, em 1959, 12 países (África do Sul, Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, Estados Unidos, França, Japão, Nova Zelândia, Noruega, Reino Unido e Rússia), em comum acordo, assinaram o chamado Tratado da Antártica que, em junho de 1961, entrou em vigor. Esses países receberam o status de membros signatários originais. O Brasil, reconhecendo a relevância e a amplitude da influência Antártica para o desenvolvimento nacional, aderiu ao Tratado em 1975.
O Tratado da Antártica
O Tratado da Antártica foi assinado em Washington no dia 1º de dezembro de 1959. A partir desse Acordo, os países que desenvolvem atividades na Antártica se comprometem a dialogar sobre o uso do continente, com o propósito de preservá-lo e de não permitir que se torne objeto de discórdia internacional.
Em seus quatorze (14) artigos, o Tratado da Antártica estipula:
a) que a Antártica só pode ser utilizada para propósitos pacíficos, proibindo atividades militares, como o estabelecimento de bases militares ou testes de armamento;
b) garante a liberdade para a continuidade da pesquisa científica, conforme ocorrido no AGI;
c) promove cooperação científica internacional, incluindo a troca de informações sobre pesquisa e pessoal, exigindo que todos os resultados sejam disponibilizados livremente;
d) proíbe novas reivindicações territoriais;
e) proíbe explosões nucleares e a eliminação de dejetos radioativos no local;
f) prevê inspeções, a serem realizadas por observadores nomeados por qualquer um dos países membros, em navios, estações e equipamentos na Antártica, para garantir o cumprimento do Tratado;
g) exige que países membros divulguem antecipadamente o plano de atividade de suas expedições;
h) prevê reuniões periódicas entre seus membros para analisar medidas que possam contribuir com os objetivos do Tratado; e
i) estabelece mecanismos de solução de controvérsias e a possibilidade de emendas ao Tratado.
Atualmente, o Tratado da Antártica conta com 53 países signatários e prevê, ainda, a adesão de qualquer país membro das Nações Unidas. Dos países signatários, 29 são considerados membros consultivos, por serem signatários originais ou por conduzirem pesquisas científicas substanciais naquele continente; e 24 são considerados membros não consultivos, aqueles que são convidados a participar das reuniões sem, no entanto, tomar parte no processo de tomada de decisões sobre o futuro da Antártica. Cabe ressaltar que o Brasil figura entre os membros consultivos.
Desde 23 de junho de 1961, data em que passou a vigorar, o Tratado da Antártica tem sido reconhecido como um dos mais bem sucedidos acordos internacionais, pois as divergências quanto às reivindicações territoriais foram superadas e o regime de não militarização tem alcançado sucesso.
A Reunião dos Membros Consultivos do Tratado da Antártica (ATCM – Antarctic Treaty Consultative Meeting) é realizada anualmente, em caráter de rodízio entre os seus membros. Trata-se de um fórum composto por representantes do Tratado da Antártica, que deliberam sobre o estabelecimento de normas para as atividades na Antártica, em consonância com os princípios e objetivos do Tratado.
Desde a primeira ATCM, ocorrida em 1961, temas como cooperação científica, medidas de proteção ambiental e assuntos operacionais são debatidos e as decisões são tomadas por consenso. Esse processo levou o Tratado da Antártica a evoluir para um sistema com vários componentes que satisfazem as necessidades especiais da administração de atividades na Antártica, enquanto protegem interesses nacionais. Conhecido como “Sistema do Tratado da Antártica”, envolve o próprio Tratado e vários outros acordos a ele relacionados, englobando, ainda, recomendações, medidas, decisões e resoluções consensualmente formuladas nessas reuniões.
Protocolo ao Tratado da Antártica sobre proteção ao meio ambiente (Protocolo de Madri)
O Protocolo ao Tratado da Antártica sobre proteção ao meio ambiente é também conhecido como Protocolo de Madri, em referência à cidade em que foi assinado, no dia 4 de outubro de 1991. Esse Protocolo, que passou a vigorar a partir de 14 de janeiro de 1998, visa à proteção integral daquele continente durante 50 anos, pelo menos.
O Protocolo de Madri concedeu à Antártica o status de “Reserva Natural Internacional dedicada à Ciência e à Paz” e só poderá ser modificado em 2048, desde que haja acordo unânime dos membros consultivos do Tratado da Antártica.
Além disso, por seu intermédio, foi criado o Comitê para a Proteção Ambiental (CPA), formado por peritos que se reúnem anualmente, com o propósito de emitir recomendações a serem apresentadas na ATCM.
O Protocolo de Madri conta, no momento atual, com cinco anexos, os quais especificam normas de proteção ambiental e retratam as recomendações devidamente aprovadas ao longo do tempo, todas integradas em um instrumento jurídico. Dessa forma, novos anexos podem ser criados e os existentes modificados por meio de Medidas, Decisões e Resoluções aprovadas nas ATCM.
O Brasil na Antártica
O Brasil aderiu ao Tratado da Protocolo ao Tratado da Antártica sobre proteção ao meio ambiente é também conhecido como Protocolo de Madri em 1975 e, com a criação do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), iniciou suas atividades naquele continente em 1982, quando realizou a primeira Operação Antártica (OPERANTAR I). Graças a essas ações, em 1983, o Brasil foi elevado à categoria de Membro Consultivo do Tratado da Antártica.
A OPERANTAR I foi realizada a bordo do Navio de Apoio Oceanográfico (NApOc) Barão de Teffé (H 42), da Marinha do Brasil (MB); e do Navio Oceanográfico (NOc) Professor W. Besnard, da Universidade de São Paulo, assim, o Brasil iniciou suas pesquisas científicas naquela remota região.
Durante a OPERANTAR V, que ocorreu nos anos 1986-1987, bem como a OPERANTAR VI, no período de 1987-1988, o NOc Almirante Câmara (H 41), da Marinha do Brasil, realizou pesquisas para avaliação dos recursos minerais antárticos, em apoio ao PROANTAR. Na OPERANTAR VII, o NOc Almirante Álvaro Alberto (H 43), também da MB, participou, pela primeira vez, de uma incursão nos mares antárticos, realizando o apoio de abastecimento da EACF e pesquisas na Baía Fildes.
Atualmente, as atividades brasileiras naquele continente são realizadas, principalmente, na Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), nas Ilhas Elefante, Nelson, Deception, Livingston e Rei George e contam com o apoio do NApOc Ary Rongel (H-44) e do Navio Polar (NPo) Almirante Maximiano (H-41).
O H-44, incorporado à Marinha do Brasil em abril de 1994, opera com dois helicópteros UH-13 (Esquilo), acomoda uma tripulação de até 105 pessoas, entre militares e pesquisadores, possui dois laboratórios de pesquisa e é o principal meio empregado no apoio logístico às atividades brasileiras na Antártica.
Já o H-41, que foi incorporado à Marinha do Brasil em fevereiro de 2009, opera com duas aeronaves UH-13 (Esquilo) e possui capacidade de hangarar os dois helicópteros. Além disso, possui cinco laboratórios, contendo equipamentos modernos para o desenvolvimento de pesquisas a bordo. Esse navio possui capacidade para acomodar uma tripulação de até 115 pessoas, entre militares e pesquisadores.
Complementando o esforço logístico desenvolvido pela Marinha do Brasil para condução das atividades nacionais na Antártica, a Força Aérea Brasileira (FAB) executa dez voos de apoio em cada Operação Antártica, que permitem a substituição de pesquisadores e militares, além de realizar apoio logístico à EACF.
A EACF, inaugurada em 6 de fevereiro de 1984, foi instalada na Baía do Almirantado, na Ilha Rei George, que faz parte do Arquipélago das Shetlands do Sul. No início, a Estação contava apenas com oito módulos, tipo contêineres, mas ao longo do tempo, com as sucessivas ampliações, foi possível aumentar o apoio aos projetos de pesquisa nas mais diversas áreas.
Na madrugada do dia 25 de fevereiro de 2012, após 28 anos apoiando a comunidade científica, a EACF sofreu um incêndio que afetou 70% de suas instalações. Onze meses após o acidente, foram instalados, sobre o heliponto da antiga Estação, os Módulos Antárticos Emergenciais (MAE). Assim, não houve interrupção das atividades brasileiras na Antártica, uma vez que esse complexo de módulos possou a abrigar os cientistas e militares em condições adequadas de conforto e segurança.
Em 2013, foi contratado, por meio de concurso público, o projeto para a reconstrução da nova Estação, que será edificada no mesmo local da anterior. A nova EACF terá capacidade para abrigar até 64 pessoas e possuirá uma área de aproximadamente 4.500 m², dividida em seis setores distintos: privativo, social, serviços, operação/manutenção, laboratórios e módulos isolados. O setor de laboratórios, cabe ressaltar, será composto por 19 espaços diferentes, projetados para atender uma multiplicidade de exigências, denotando a prioridade que o PROANTAR atribui às atividades de pesquisa.
A Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM) é responsável pela coordenação do PROANTAR e, para tal, conta com o auxílio dos seguintes grupos:
a) Grupo de Assessoramento (GA), coordenado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), que avalia o mérito científico dos projetos de pesquisa a serem desenvolvidos na Antártica;
b) Grupo de Avaliação Ambiental (GAAM), coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, que avalia o impacto ambiental das atividades desenvolvidas em cada Operação Antártica, garantindo a implementação do Protocolo de Madri; e
c) Grupo de Operações (GO), coordenado pela Marinha do Brasil, por intermédio da (SECIRM), que analisa a exequibilidade dos projetos de pesquisas, selecionados pelo GA e pelo GAAM, e planeja a operação, compatibilizando interesses científicos com necessidades logísticas.
A presença brasileira na Antártica gera, de fato, inúmeros benefícios para o País. Além de viabilizar à comunidade científica a possibilidade de realizar pesquisas de alto nível, também confere destaque ao Brasil no cenário internacional, uma vez que consolida sua posição como parte integrante do seleto grupo de membros consultivos do Tratado da Antártica.
Os Pioneiros
Primeira Atividade Científica Nacional fora do País: em 1882, duas expedições brasileiras iriam observar a passagem de Vênus pelo disco solar: uma, chefiada pelo Capitão-de-Fragata Antonio Luiz von Hoonholtz, na região equatorial; outra, com a Corveta Parnaíba, na região subantártica, sob o comando do Capitão-de-Fragata Luiz Filippe de Saldanha da Gama, levando o astrônomo Luiz Cruls e baseada em Punta Arenas, no Chile.
Primeiras sementes: Therezinha de Castro, que publicou em 1956, o artigo “A Questão da Antártica”, defendendo a presença brasileira naquele continente; Eurípedes Cardoso de Meneses, deputado que adotou a causa e lutou por ele na área política; e o engenheiro João Aristides Wiltgen, que fundou o Instituto Brasileiro de Estudos Antárticos (IBEA), em 1972, muito contribuíram para despertar o interesse pelo continente austral.
Primeiras presenças: o primeiro brasileiro a visitar a Antártica foi o Dr. Durval Rosa Borges, médico e jornalista, membro da Sociedade Geográfica Brasileira, durante o Ano Geofísico Internacional (1957/58); o meteorologista e professor Rubens Junqueira Villela foi o primeiro brasileiro a atingir o Pólo Sul, a 17 de novembro de 1961, quando integrava um expedição norte-americana à Antártica, com sede no quebra-gelo Glacier.
FONTE: MB
Muito bom artigo.
Nada ainda.
Padilha, Guilherme, alguma novidade sobre a licitação para a compra do novo navio quebra gelo?