Por Marcus Piffer
Há 25 anos se iniciava a Operação Desert Storm. O texto a seguir conta a história desse dia (ou dessa noite).
“Se você pode me garantir o êxito completo, então você vai começar a guerra para nós.”
Com essa frase, o Gen Schwarzkopf determinou que o comandante da Força-Tarefa Normandy iria realizar os primeiros disparos na Operação Tempestade do Deserto.
Em agosto de 1990, o Iraque invadiu o Kwait, alegando que este estava intencionalmente baixando a cotação internacional do barril do petróleo. Formou-se uma coalização de dezenas de países para levar a cabo a libertação do Kwait e impedir o avanço iraquiano sobre os demais países do Oriente Médio. Não vou me alongar nos antecedentes do conflito, que podem ser encontrados facilmente na internet.
A concentração estratégica foi realizada na Arábia Saudita. O comando das forças ficou na cidade militar King Khalid. Enquanto se ajustavam os detalhes da ofensiva e para conter um possível avanço das tropas iraquianas, foi montada uma linha defensiva ao longo de toda a fronteira da Arábia Saudita com o Kwait e com o Iraque. Essa operação defensiva foi chamada de Desert Shield. Todo esse processo durou até o início de fevereiro de 1991.
Uma ação crítica para o início da ofensiva era a destruição de dois postos de radar COAT (Centros de Operações Aéreas do Teatro secundários, na terminologia atual brasileira) localizados no interior do Iraque, a aproximadamente 20 milhas náuticas da fronteira com a Arábia Saudita. Com a destruição desses COAT, se abriria um corredor de aproximadamente 40 km de largura no sistema de defesa aérea iraquiano, permitindo o início da campanha aérea.
Para essa missão, foram levantadas basicamente três linhas de ação:
1- uma incursão com uma tropa de operações especiais;
2- um ataque aéreo com aeronaves de asa fixa (missão de SEAD);
3- um ataque aeromóvel com helicópteros de ataque.
Considerou-se que a primeira linha de ação teria um risco bastante elevado e uma chance grande de uma quebra prematura do sigilo. A segunda necessitaria de um segundo elemento de aeronaves para confirmar a destruição do alvo, expondo mais aeronaves, e também havia uma possibilidade grande de quebra do sigilo.
A terceira opção foi considerada a mais segura, do ponto de vista operacional embora, como veremos mais à frente, tenha exigido algumas soluções técnicas e de procedimentos que nunca haviam sido realizadas.
Os alvos
Cada um dos COAT tinha duas ou três antenas de radar, todas de origem soviética. Estavam afastadas 20 km entre si e tinham uma ligação com o COAT Principal, localizado nas vizinhanças de Bagdá.
Condicionantes da Missão
- Exigência de 100% de sucesso
- Necessidade da simultaneidade na destruição dos alvos: ambos os COAT tinham coberturas muito próximas
- Ausência de sistemas de navegação com a precisão necessária nos AH-64A Apache
- Ausência de cartas detalhadas da região e relevo plano, praticamente sem referências visuais nítidas
- Complexidade e risco em se estabelecer um Posto de Ressuprimento Avançado (PRA) em território inimigo (experiência da Operação Eagle Claw)
- Ausência de AWACS, COAT amigo, escolta ou Superioridade Aérea
- A noite estaria sem lua
As soluções encontradas
- Quantidade de munição empregada muito superior ao necessário para a destruição dos alvos (overkill)
- Manutenção do sigilo pela técnica de voo e disciplina nas comunicações (voo de contorno e rádio em silêncio)
- Emprego das aeronaves MH-53J Super Stallion da USAF, dotadas de GPS e terrain-following radar para a navegação at é a Zona Reunião de Abordagem
- Tanques de translado sub-alares nos Apaches (com configuração assimétrica) para aumento da autonomia
- Cada helicóptero decolaria com oito mísseis Hellfire (quatro em cada cabide externo), um casulo de foguetes e um tanque de translado nos cabides internos, além dos 1200 cartuchos de 30 mm do canhão.
- Uso conjugado do FLIR para pilotagem.
A preparação
Criou-se a Força-Tarefa Normandy. As unidades selecionadas para compor esta força-tarefa foram o 1º/101º AVN (Exército) e o 20º SOS (Força Aérea). A força-tarefa foi dividida em duas equipes (RED e WHITE) com dois MH-53 e quatro AH-64 em cada uma.
O planejamento da operação se iniciou em agosto de 1990 (logo após a invasão). Os ensaios foram realizados nos EUA e na Arábia Saudita, sem que as tripulações conhecessem os objetivos da missão. Não foram selecionados os pilotos e sim tripulações constituídas, que já voavam juntas a vários meses.
Foram usados recursos de inteligência — fotografias de satélite, fotografias aéreas (de aeronaves U2/TR-1), agentes infiltrados, guerra eletrônica entre outras — para a obtenção dos dados sobre os alvos, efetivos das guarnições, padrões das emissões etc.
A execução
A FT decolou do Aeroporto de King Khalid no dia 14 de janeiro, na direção do aeródromo de Al-Jouf, mais ao norte. Ainda não havia a definição da data e hora da missão.
Já neste posto avançado, o Comandante da FT recebeu a hora H da Operação Tempestade do Deserto: 17 de janeiro, às 0300h. A Equipe WHITE decolou em 17 de janeiro, às 0100h e a equipe RED decolou seis minutos depois. Ambas as formações voavam a 75 ft do solo, em escalão à direita, a 120 kt, mais ou menos na direção do Leste. Pouco antes das 0200h, cruzaram a fronteira do Iraque e transicionaram para 50 ft sobre o solo e 80 kt, aproando para NE.
A 9 NM dos objetivos, os MH-53J realizaram um pairado numa posição previamente determinada, deixaram sobre a areia um bastão de luz química marcando uma posição exata das Zonas de Reunião de Abordagem e retornaram para a Zona de Reunião de Evasiva.
O líder de cada uma das frações de Apache parou exatamente sobre as luzes deixadas no deserto e todas as aeronaves resetaram seus sistemas de navegação.
A 12 km dos alvos, os atiradores conseguiram visualizá-los nos nas câmeras termais. Ambas as frações continuaram a avançar a 20 kt, em formação em linha e os mísseis Hellfire foram disparados precisamente à s 0238h.
A 4 km dos objetivos, as aeronaves dispararam seus foguetes 70 mm e, a 1500 metros, as instalações já em chamas foram atingidas pelo fogo dos canhões 30 mm. A 800 metros dos alvos, os Apaches manobraram e retornaram para a Zona de Reunião de Evasiva. O ataque havia durado quatro minutos.
Um dos MH-53J transmitiu ao Comando Conjunto as mensagens pré-estabelecidas (“California AAA” e “Nebraska AAA”), indicando o sucesso da missão.
Poucos minutos depois, aproximadamente cem aeronaves da USAF e da RAF ingressaram pelo corredor aberto. Menos de uma hora após o ataque, toda estrutura de C2 iraquiana estava destruída e a guerra virtualmente vencida. Nas 24 horas seguintes, aproximadamente 900 surtidas de aeronaves penetraram no território iraquiano por este corredor.
Conclusão
Esta operação foi marcada pelas novas soluções encontradas.
Foi um ataque bem mais profundo do que a Aviação do Exército americana costumava treinar. Além disso, é uma missão típica de Força Aérea. A USAF não dispunha (e não dispõe até hoje) de helicópteros de ataque e quem realizou o ataque foi uma unidade da Aviação do Exército.
Como as aeronaves do Exército não dispunham de GPS, quem conduziu toda a navegação até da Zona de Reunião de Abordagem foram aeronaves da USAF equipadas com este sistema.
Não havia lua. Os Apaches voam com um FLIR de pilotagem (com visão termal) e não dependem da luz residual para “ver” à noite. Os MH-53, por outro lado, usavam o NVG comuns. Ou seja: não estavam vendo muita coisa, a não ser que houvesse algum outro sistema de visão noturna não divulgado — o que eu não acredito. Na prática, estavam quase realizando um “voo de contorno IFR”, confiando no terrain-following radar, que mantém constante a altura em relação ao solo.
Naquela época, não havia nenhuma configuração de armamentos assimétrica prevista para o Apache, conforme pode ser visto na figura ao lado (publicada em 1990).
Após a missão, algumas configurações assimétricas foram introduzidas no manual americano (de meados da década de 1990), conforme podemos ver na figura abaixo (a configuração empregada nesta missão foi a “B”).
Obs: Este é um resumo da apresentação de caso histórico feita pelo meu grupo no Curso Avançado de Aviação de 2009. Agradeço aos amigos CHR e VIZ que trabalharam comigo na apresentação.
O vídeo a seguir mostra algumas cenas reais dessa missão. Nem todas são; em várias ocasiões, aparecem helicópteros AH-64D Apache Longbow, que não existiam na época. Acredito que as cenas em preto e branco são realmente dos alvos reais.
FONTE: Voo Tático
*Publicado originalmente no antigo site Voo Tático em 2011.
Não da pra negar, essa operação foi muito bem elaborada e cumprida, os equipamentos então…. nem se fala. E esse nome? Só de falar em “tempestade no deserto” já me arrepio, sempre lembro do filme Soldado Anônimo.
Interessante a tática empregada para a destruição dos COAT iraquianas utilizando os AH-64 em perfil de voo baixo (Nap on Earth) e silêncio de rádio… o relevo também deve ter ajudado a camuflar os helicópteros… inclusive este é um dos pontos fracos de sistemas SAM mesmo os mais modernos como o S-400 podem ser surpreendidos por helicópteros atacando furtivamente voando bem baixo esgueirando-se no relevo ou também com mísseis de cruzeiro com sistema TERCOM de contorno do terreno conseguem um bom fator surpresa , principalmente se estiverem situados a poucas milhas da fronteira com o agressor como no caso da desert storm, 20 milhas náuticas poderiam e foram percorridas por helicópteros de ataque… se a linha radares e C4i estiver mais distante da fronteira no a opção de uso de helicópteros se torna demasiado perigosa restando a opção de ataque com mísseis de cruzeiro para destruir essas posições e abrir o corredor para a cavalaria.
Outro ponto interessante que destaco é que mesmo com a virtual impunidade atribuída ao F-117 devido seu baixo RCS a USAF não ousou estourar a porta diretamente com o uso destes vetores… foi necessário primeiro um arriscado assalto aéreo com helicópteros para destruir o alerta antecipado e abrir um corredor para só depois um maciço ataque com aeronaves fosse ordenado até as portas de Bagdá… e ainda assim depois do primeiro golpe quando perdeu-se o fator surpresa, praticamente todas as incursões de interdição aérea eram efetuadas sob o efeito da pesada interferência do EF-111.
Tanta cautela proporcionou uma taxa de atrito por fogo anti aéreo praticamente nula para a coalizão na operação desert storm.
Topol,
Depende…
Quanto maior a distância, maior o efeito do horizonte/radar… Salvo melhor juízo, a até uns 200 km do radar de vigilância, é possível se aproximar a mais de 4000 metros de altura de forma virtualmente impune… Se o ataque for a noite, todo mundo passa e ninguém vê nada… Logo, só recuar a rede não adianta. Só se estará cedendo espaço para que a aviação trabalhe de forma mais relaxada…
Portanto, a situação exige um desdobramento de sistemas de vigilância menores, posicionados dezenas de quilômetros a frente das UTs das baterias, de modo dar-lhes um alerta precoce.
Qualquer aeronave stealth, grosso modo, trabalharia da mesma forma que o F-117 trabalhou; isto é, utilizando-se da baixa detectabilidade associada a interferência eletrônica para penetrar pontos mais duros, onde outros teriam mais dificuldade pra chegar. A destruição da capacidade de localização adversária é parte de qualquer pacote de ataque, e está relacionada a um esforço coletivo, quer dizer, para todas as unidades…
ha relatos de que os russos desenvolveram uma mina anti-helicóptero justamente pra obrigar esses a voarem mais alto
Sério isso? Nunca ouvi falar disso.
já mostraram aqui no dan, uma das primeira vez que vi sobre essa mina, ta titulada “exercito russo sera equipado com minas anti-helicópteros” la dizia que ja estavam desenvolvidas se não me engano! agora quanto a eficiência das msm ou se já estão em uso não sei bem
Pois é amigo Topol! Agora imagine uma plataforma Stealth fazendo uso de munição anti-radar Stand-off. Por essas e outras que a meu ver foi um erro a desativação do F-117 pois ele poderia ser convertido em plataforma SEAD dedicada, algo que a USAF não tem desde a desativação dos F-4G, tarefa na qual seriam extremamente efetivos.