Por Eugene Belas / Igor Nikolaev
Há exatamente meio século atrás, em 24 de julho de 1965, em uma aldeia vietnamita no distrito de Ba Vi, 50 km a oeste de Hanói, um jato de combate F-4C “Phantom” foi abatido pela primeira vez por um míssil terra-ar do sistema soviético S-75 (Dvina)
O embate entre a defesa aérea soviética e os aviões americanos naquela época já duravam alguns anos. Os canhões antiaéreos soviéticos de 85mm tinham-se revelado armas muito formidáveis na Guerra da Coreia. Em menos de seis meses, entre 12 de fevereiro e 27 de junho de 1953, três regimentos antiaéreos soviéticos armados com eles derrubaram 19 caças a jato F-86 “Sabre”. Em seu retorno aos regimentos da União Soviética, com a experiência de combate, foram desenvolvidas novas armas – de 100 mm, além do radar SON-9. No final dos anos cinquenta em um rápido desenvolvimento, foram criadas peças para regimentos e brigadas de mísseis antiaéreos, que foram equipados então com o famoso sistema de mísseis antiaéreos S-75, na classificação da OTAN – SA-2 (Guideline). Eles ficaram estacionados perto de Sverdlovsk e Nizhny Tagil.
Os homens dessas unidades militares foram os responsáveis pela derrubada do “U-2” de Francis Gary Powers, em seu último voo, de 1º de maio de 1960 – Peshawar-Sverdlovsk. O Major J.H. Shishov, comandante do batalhão que colocou o ponto final nos voos clandestinos, tinha a experiência da Guerra da Coreia. Mas naquele dia, Shishov estava de férias e ordenou como seu substituto o chefe de batalhão de pessoal, Major M.R. Voronov. O comandante da bateria de mísseis, N.I. Kolosov, que interceptou com sucesso o infrator às 8:53, horário de Moscou, lutou na Grande Guerra Patriótica (2ª Guerra Mundial) e na Guerra da Coreia. Como Powers aproximou-se da divisão da área coberta, em ângulo reduzido, o míssil voou na verdade já “em busca” – pelo hemisfério traseiro, e acertou a cauda do avião. Com o impacto, o avião foi completamente destruído. A queda dos destroços (que ficaram espalhados pelo chão por um raio de 5 km) trouxe uma atmosfera de nervosismo. Três outros mísseis foram lançados e um deles acabou abatendo um MiG-19, levando a morte de seu piloto, Sergei Safronov. Os destroços da aeronave americana e seus equipamentos mais tarde adornaram o museu das tropas do exército e de fronteira soviéticas.
Mas, até hoje, poucas pessoas sabem que o “U-2” de Powers não foi o primeiro avião abatido por um sistema de míssil antiaéreo. Em 7 de outubro de 1959, em Pequim, três mísseis lançados a uma altitude de 20 km atingiram um avião espião de alta altitude e reconhecimento RB-57D, proveniente de Taiwan.
Abaixo, quatro membros do primeiro regimento de mísseis antiaéreos. Fotos fornecidas pelos ex-comandante da 63ª Divisão da 236 ZRP VNA Coronel artilheiro Nguyen Van Thanom. A imagem mostra os participantes da primeira batalha antiaérea de 1965/07/24 – operadores dos sistemas S-75.
Desde o início do bombardeio maciço ao Vietnã do Norte (ou a República Democrática do Vietnã, a DRV) a União Soviética, a pedido do Governo do Vietnã, resolveu ceder ao país, por solidariedade, modernos sistemas de defesa aérea – mísseis antiaéreos e caças a jato. De acordo com os Acordos de Genebra de 1954, não haviam aviões no Vietnã. Mesmo nos 50 anos desde o estabelecimento das relações diplomáticas com a União Soviética, o Vietnã tinha cerca de cem canhões antiaéreos.
Mas agora os vietnamitas tinham necessidade, e o mais rapidamente possível de preferência. Tinham dois meses e meio para dominar técnicas complexas e totalmente desconhecidas. Além disso, era a primeira vez que tinham contato com plexiglass – e ao cortar, acabavam quebrando. Portanto, as forças de defesa aérea vietnamitas tinham de ser especialmente selecionados pelos militares da URSS. O primeiro centro de treinamento foi estabelecido 40 km ao sul de Hanói, nas margens de um pequeno rio. Casas residenciais e salas de aula foram construídas a partir de bambu e cobertos com folhas de palmeiras e bananeiras.
Nas estradas da cidade a cada 4-5 metros haviam abrigos de bombas vietnamitas, construído para apenas uma pessoa – poços de concreto com uma tampa. Mesmo com o forte impacto da onda de choque, eles não desmoronavam e protegiam contra fragmentos de bombas e explosivos. Mas uma defesa passiva, é claro, não era suficiente.
Para os especialistas militares soviéticos do SHS foi extremamente difícil não apenas lutar, mas simplesmente viver no clima tropical do Vietnã. Mesmo durante a noite, a temperatura não descia abaixo de 30º, em uma umidade relativa superior a 90%. Não resistiam nem mesmo aparelhos elétricos, especialmente transformadores de alimentação. Às vezes, a umidade atingia 99-100%!
Portanto, os corpos dos homens ficavam constantemente cobertos com uma grossa película de suor. Ajudava esfregar um pouco de suco de limão, mas apenas por um curto período de tempo. Em vez de água, que não só tinha de ser fervida, mas também filtrada, bebia-se chá verde sem açúcar, limonada, compotas ou água de frutas. Exaustos por quase quatro séculos de desnutrição, os vietnamita não conseguiam levantar mais do que 100kg. Os especialistas soviéticos tinham de descarregar os sistemas de mísseis por si mesmos dos navios. E à noite, comiam arroz e tomavam chá, sem pão. Pão preto, arenque e água eram objeto de sonhos.
No final de abril de 1965 começou o treinamento, que teve lugar em três etapas. A primeira – aulas teóricas no centro educacional. A segunda – quando chegaram os sistemas, criamos duplas de cálculo, com especialistas soviéticos em conjunto com os vietnamitas. A terceira etapa – quando a técnica estava totalmente dominada pelos vietnamitas, Divisão apenas de nacionais vietnamitas.
Em cada divisão de mísseis permaneceram 7-8 especialistas soviéticos, entre até 2-3km, para contribuir com a manutenção de rotina ou reparação.
Os artilheiros antiaéreos sobreviviam nas posições usando apenas shorts e capacetes, segurando um frasco de chá verde – a temperatura parecia ultrapassar 600. De acordo com as memórias de um dos veteranos soviéticos, “no lugar de nossas cadeiras giratórias de operador ficavam verdadeiras piscina de suor humano”. Não era o melhor ambiente, próximo dos foguete alimentados pelo AK-20F. Imaginem, em 35ºC, sem vento em farda, com protetor de chuva de pano e máscara de borracha fechada, botas de cano alto e luvas de borracha. Quarenta minutos depois o traje emitia fumaça, e o combatente perdia quase um quilo de peso, com cada bota com o equivalente a uma xícara de suor.
Na noite entre 22-23 julho, dois batalhões de mísseis antiaéreos foram movidos para a posição – no intuito de caçar caças-bombardeiros americanos, F-100, F-105 e F-4, entrando pela Tailândia.
Em teoria, a Divisão era composta por seis lançadores, que de fato, ficavam entre sacas de arroz, mas nas montanhas e na selva conseguiu-se colocar apenas três. Várias vezes por causa do calor nas cabines tivemos que desligar o equipamento. Poucos minutos após a curva em 24 de julho foi encontrado um grande alvo. Como se viu, eram quatro aeronaves, que voavam em pares. A meta 14.25 foi tomada no seguimento automático, e o comandante da 63ª Divisão ordenou o coronel Boris Mozhaev a “Iniciar”.
A orientação do oficial, o tenente Vladislav Konstantinov acionou o botão “Iniciar”, e dois mísseis foram disparados em um intervalo de 15 segundos para o alvo, abatendo dois aviões. A 64ª Divisão de Feodor Ilyin também teve sucesso. Os vietnamitas observavam cuidadosamente as ações dos militares soviéticos. Apenas naquele dia, eles disseram, as tropas de mísseis derrubaram três aviões, sendo que um acabou caindo no Laos. Seu piloto, de acordo com as memórias, ejetou, machucou a coluna, foi resgatado e enviado para tratamento médico na Austrália.
O objetivo dos mísseis soviéticos, quatro caças F-4C “Phantom” sob o callsign “Leopard”, do 45º esquadrão de de caças táticos (45th TFS), aeronaves provenientes de base de Ubon na Tailândia.
Sua tarefa era cobrir os caças-bombardeiros F-105, no ataque aos armazéns de munições de bombas e fábricas de Dien Bien Phu e Chi Lang. Os caças apareceram na rota exatamente na posição das baterias de mísseis, e os pilotos nem sequer tinham conhecimento da ameaça que enfrentariam – os meios de detecção de mísseis que tinham eram apenas seus próprios olhos, mas após o abate as forças dos Estados Unidos começariam a desenvolver contramedidas.
O combustível nos tanques dos “Phantom” chegava ao fim, e a parte inferior das nuvens esticadas mascaravam os lançadores de mísseis… Mesmo que os pilotos tivessem tempo para notar o ataque, eles simplesmente não teriam tempo de evadir. A espoleta de proximidade explodiu as ogivas dos mísseis e centenas de kg de fragmentos penetraram no alvo. Os fragmentos cobriram as asas, cauda esquerda e fuselagem do “Leopard-2”. Dos dois membros da tripulação, apenas o Capitão Richard “Pops” Keyrn ejetou e passou os próximos 7 anos e meio em cativeiro – sendo libertado em 12 de Fevereiro de 1973. O destino do Capitão Ross Fobeyra, – ironicamente, no passado um especialista em GE e piloto de reconhecimento em um RB-47, permaneceu desconhecido até 1997, quando seu sobrinho, Bruce Griffin, encontrou os restos de seu tio e os trouxe para casa. Keyrn tinha sólida experiência para um caçador e já havia sido abatido antes – em setembro de 1944 sobre Leipzig, em um B-17.
Fragmentos de mísseis danificaram três “Phantom”
No dia seguinte (ou, de acordo com outras fontes, três dias depois), o sistema “pegou” drones de reconhecimento não tripulados BQM-72A em uma altitude de 21 km. E então eu recebi uma ordem para ocultar e desativar todos os aparelhos, e apagar a assinatura de radar. Logo as razões para tais ordens eram claras: três ondas de F-105, totalizando cerca de 46 aeronaves, a uma altitude de apenas 300-500 m, ou mesmo inferiores a isso, à 40-50 minutos olhando para a posição estimada dos mísseis antiaéreos, prontos para lançar bombas de fragmentação BLU-27 e napalm. No entanto, em vez de uma posição real com os lançadores… uma armadilha feita de bambu, palha de arroz e papel, pintados e camuflados. Era uma posição falsa, até mesmo com armas antiaéreas feitas com prateleiras. Foram derrubados cerca de 6 F-105, apesar do apoio de aeronaves de guerra eletrônica RB-66.
Os especialistas em mísseis soviéticos decidiram então recorrer a tática da emboscada. Desde que os sistemas antiaéreos no Vietnã eram poucos, eles não poderiam cobrir outros lugares. Portanto, uma ou duas divisões eram colocados no caminho de uma possível rota de voo de aviões dos EUA, abatendo um alvo, e de imediato recolhido e realocado – e era necessário demorar menos de uma hora, caso contrário, a posição estaria coberta de bombas. Essa tática deu resultado nas campanhas subsequentes.
No outono daquele ano morreu o primeiro especialista da União Soviética. Vitaly Smirnov teve um rim cortado por estilhaços, e apesar de todos os esforços dos médicos, ele não resistiu. Em outubro, as tropas de mísseis, além dos inimigos, erroneamente abateram um An-2 e um MiG-17. (…) Em 7 de novembro, uma das divisões vietnamitas já treinadas e abastecidas ignorou recomendações dos especialistas e não mudou de posição a tempo, sendo varrida por um bombardeio. Pilotos dos EUA também melhoraram suas armas e táticas. O lançamento do solo podia ser ouvido a pelo menos oito quilômetros de distância. O voo do foguete era visível de cerca de 3km, mas para detectar a posição de sua posição de lançamento era complicado. Se o foguete não estava no ar, o piloto tinha que pensar por um ou dois segundos na resposta, e 6-8 segundos para efetuar a manobra. Se o míssil voasse em direção ao piloto esse tempo era de apenas 4-5 segundos. Por isso, os pilotos decidiram voar a uma altitude de menos de um quilômetro sendo a faixa preferida de 500-600m – onde a primeira versão do S-75 ainda não era capaz de abatê-los.
Foi apenas a primeira batalha na vanguarda (do combate antiaéreo moderno), sendo durante muitos anos uma das guerras mais complicadas do século XX. Mas 24 de julho foi o dia das tropas de mísseis antiaéreos no Vietnã.
FONTE:Warspot
TRADUÇÃO: JUNKER DO FDB
Excelente matéria. Sera que veremos algum dia os S-300/400 e Antey 2500 em combate real? E qual será sua primeira vítima?
Matéria interessante, não apenas acerca do jogo de gato e rato entre o avião e o míssil como também pelo auxílio prestado diretamente pelos soviéticos aos norte-vietnamitas. E cabe lembrar que não apenas ao norte-vietnamitas. Depois da Guerra dos seis dias, mais de 10.000 assessores militares soviéticos desembarcaram no Egito onde operavam baterias de mísseis SA-2/SA-3 e pilotaram caças Mig-21. E de fato os operadores de SAM cobraram um alto preço das tripulações israelenses durante a guerra do atrito, especialmente as de caças F-4 e A-4. Quanto aos pilotos soviéticos de Migs, em um magistral emboscada no mês de julho de 1970 (Operação Rimon 20) a Heyl Ha’Avir logrou abater cinco deles sem baixas.
Quanto ao SAM, literalmente entortou as asas do avião não apenas no Vietnã como no Yom Kippur. Foi apenas a partir do conflito no Vale do Bekaa que o jogo voltou a inverter em favor do avião
No Vale do Bekaa o jogo foi a favor do avião por alguns motivos, um deles foi os operadores sirios( que controlavam as baterias anti-aéreas) que apesar de terem mísseis SAM bons os deixavam em posições fixas por semanas, até meses, a fio além de radares em vales ao invés de montanhas. Não camuflavam suas posições e usavam fumaça para esconderem suas baterias quando em ataque o que só facilitava a detecção pelos pilotos da IAF. Se tivessem alternado as posições de tiro, realizasem emboscadas defensivas, se tivessem feito posições falsas e reposicionamento regular para confundir a inteligência israelense o resultado podia ter sido diferente.
Fernando,
Creio ser improvável que o resultado fosse muito diferente…
Embora concorde que os sírios facilitaram as ações dos israelenses, naquele episódio os mesmos fizeram uso pesado de duas táticas que até então nunca haviam sido exploradas a contento: a saturação eletrônica e a saturação no meio físico ( lançando dezenas de iscas a partir de suas aeronaves ). Isso tudo deixou os artilheiros nos sistemas SAM enlouquecidos, lançando suas armas em rápida sucessão, deixando aparentes os seus sítios para os caçadores israelenses… E um SA-6 não pode ser mudado muito rapidamente de lugar, de uma forma ou de outra… E enquanto opera, ele é um alvo fixo correndo grandes riscos, principalmente ao lançar suas armas…
Os mesmos métodos, um pouco mais aperfeiçoados, seriam aplicados sobre o Iraque em 1991, com resultados igualmente devastadores…
RR
Antes do conflito começar havia 19 baterias anti-aéreas no Vale do Bekaa, diariamente ocorriam vôos de UAVs da IAF, os operadores das baterias não se preocupavam em mudar as posições das baterias ou camuflar elas, como resultado disse os israelenses sabiam a frequencia de operação dos radares sirios, o que ajudou muito na saturação eletronica, a partir do vôos de reconhecimento dos UAVs os israelenses já sabiam as posições das baterias e mesmo apos o começo do conflito os sirios não se preocuparam em mudar as suas posições, resumindo os israelenses nem prescisaram procurar os alvos.
É claro que as baterias não poderiam mudar as suas posições de uma hora para outra, mas é perfeitamente possível muda-las de um dia para outro, fazendo isso os pilotos da IAF inevitavelmente seriam obrigados a procurar pelas baterias e no meio do processo pudecem acabar entrando no alcance dos misseis e sendo atacados de surpresa, nesse caso seriam obrigados a tomar contra medidas e terem que se evadir.
Vale lembrar que no conflito de 1973 onde os egipicios operaram varias baterias anti-aereas, incluindo o SA-6, de forma mais correta conseguiram abater mais de 90 caças da IAF sendo que 50 foram abatidos so nos 3 primeiros dias, por isso se os sirios tivessem operado as baterias de forma correta o resultado teria sido sim diferente com algumas dezenas de caças da IAF abatidos.
Emocionante os relatos da outra parte envolvida.
Sabemos que este combate foi duro para os dois lados e sem a ajuda soviética a guerra não duraria meses com vitória certa para os irmãos do Norte.
Parabéns, excelente matéria. Desde daquela época os americanos utilizavam drones para chamar a atenção dos radares das defesas SAM e com isso identificar suas posicões. Sofreram muitas perdas principalmente até a doutrina ser modificada. Incrível como o suporte soviético acontecia e acredito que muitos pilotos nos MIGs eram também soviéticos. Fantástico.
Tanto a USAF quanto a USN sofreram na unha da anti aérea vietnamita… parabéns pela excelente matéria.
parabéns pela matéria