Por Marília Marques
A “mágica” é simples: sete aviões repetem movimentos sincronizados e, nos ares, riscam o céu do país com fumaça. A nuvem branca é gerada pelo contato do óleo quente com o ar. Sem poluir a atmosfera, as aeronaves deixam rastros geométricos que se desfazem em poucos segundos.
Apesar da explicação pouco poética, a beleza da Esquadrilha da Fumaça está em arrancar suspiros do público, mais do que na química da combustão. E, como ocorre todos os anos, a equipe de militares está em Brasília para a tradicional apresentação no Dia da Independência, neste sábado (7).
Na véspera do feriado, o G1 conversou com um dos pilotos da Força Aérea Brasileira (FAB), o capitão Renan Santoro. Ele é o ala esquerda titular da aeronave de número 3.
Em uma conversa regada a curiosidades, o militar contou os bastidores dos voos, a preparação e o treinamento para as manobras.
Como parte do esquadrão, ele relembrou as emoções do primeiro voo que fez, em dezembro de 2017. A reportagem também conversou com a mãe do piloto – uma dona de casa de 58 anos que percorre o país para assistir e vibrar pelo filho nos ares.
Para manter o alto nível das manobras aéreas, cada um dos 14 pilotos da Esquadrilha da Fumaça passa por um treinamento de, no mínimo, 80 missões e 1,5 mil horas de voo.
As aeronaves, modelo A-29 Super Tucano, transportam apenas uma pessoa por vez. Dois pilotos se revezam em aviões a cada decolagem. Até este sábado (7), a FAB colecionava 3,8 mil demonstrações do tipo realizadas no Brasil e em 21 países.
Sem chance para erros, ele e a equipe se preparam semanalmente para as demonstrações nos ares e, antes de cada decolagem, dedicam no mínimo duas horas para planejamento e avaliação do voo.
A 300 pés de altura – cerca de 200 metros do solo – os pilotos são comandados pelo líder da esquadrilha, normalmente o militar mais experiente.
Na ala esquerda, Santoro interage com manobras das mais simples, como o coração nos ares, à mais complexa: o looping, quando os sete aviões ficam juntos em círculo.
Outros movimentos também chamam a atenção da multidão. Segundo os pilotos, piruetas que deixam a aeronave de ponta a cabeça ou fazem movimentos repentinos são as que mais arrancam aplausos do público.
Chumboide: giros que dão a impressão de que o avião está descontrolado;
Bomba: quando as sete aeronaves simulam o abate de outro avião;
Lancevaque: cambalhotas no ar com giros mais verticalizados; e
Break: pilotos abandonam a formação e param em posição de leque no céu;
Mesmo com tanto preparo, o militar contou que ainda é preciso “alta concentração para voar”. Nos bastidores, longe dos olhos do público, Santoro faz o que chama de “voo mental”.
Mesmo depois de quase dois anos a bordo da esquadrilha, o militar diz que o frio na barriga o lembra a emoção da primeira decolagem: “30 de setembro de 2018, Lagoa Santa, Minas Gerais”. A informação exata, na ponta da língua, traduz o marco que o momento representou na carreira. Foi neste dia, em céu mineiro, que Santoro decolou pela primeira vez.
Ainda hoje, ele disse ao G1 que mantém o ritual de descansar, não ingerir álcool e “evitar feijoadas” antes das demonstrações aéreas. Cada sessão nos ares dura, em média, 35 minutos.
Apesar do voo solitário na cabine das aeronaves, pilotos como Santoro não estão sozinhos nas decolagens. Do solo, o militar conta com torcedores ilustres que vibram a cada manobra.
Além do público em geral, as apresentações dele são acompanhadas pela mãe, a dona de casa Maria Dulce Santoro, de 58 anos. Moradora do Rio de Janeiro, ela percorre o país para assistir as demonstrações da Esquadrilha da Fumaça.
Há quase dois anos vendo de perto o trabalho da equipe de pilotos, Dulce, inclusive, já aprendeu a reconhecer a sequência de algumas manobras. A acrobacia predileta da dona de casa é a “DNA” – quando o avião desenha a espiral genética nos ares –, mas é o “coração” que faz os olhos da mãe brilharem de emoção.
Enquanto os olhares correm o céu, ela faz orações pelo filho e pela equipe de militares que dá assistência em solo, a quem ela chama de “anjos da guarda”. “Não existe o individual na Esquadrilha. São uma equipe. Eu vibro e rezo por todos eles”, diz.
Nem só de acrobacias aéreas vive os pilotos da Esquadrilha da Fumaça. Com uma média de uma apresentação por fim de semana, os militares se revezam em trabalhos burocráticos em solo.
De Pirassununga, no interior de São Paulo, a equipe costuma dedicar cerca de cinco horas por dia ao controle das escalas de voo e, em alguns meses, ao treinamento de novos pilotos. O trabalho burocrático é feito em frente ao computador.
“Apesar de ser uma função de solo, estou trabalhando em prol da atividade aérea. Não me desligo nunca dos ares”, disse Santoro.
FONTE: G1