Dia 21 de maio de 2021 encerraria um período de 46 anos do Tenente Brigadeiro do Ar Carlos de Almeida Baptista Junior como militar da ativa da Força Aérea Brasileira (FAB). No entanto, o Oficial-General teve que mudar o “plano de voo” ao ser chamado para assumir uma nobre missão: tornar-se o novo Comandante da Aeronáutica; deixando o cargo de Comandante Geral de Apoio, função que exercia desde fevereiro de 2020.
Para falar sobre essa experiência no campo operacional e logístico, bem como os principais desafios nos 80 anos da FAB, no contexto das missões relacionadas ao combate à pandemia da COVID-19, e, ainda, sobre a importância dos trabalhos dos militares para que, na ponta da linha, decolem os aviões, entrevistamos o Tenente-Brigadeiro Baptista Junior, que recebeu o mais alto cargo no Comando da Aeronáutica no dia 12 de abril de 2021.
O senhor acaba de assumir o Comando da Aeronáutica. A Transmissão de Cargo ocorreu durante cerimônia em Brasília no dia 12 de abril. Quais são as principais diretrizes à frente dessa nova responsabilidade?
A Força Aérea Brasileira (FAB), criada há 80 anos, é a Força Armada responsável por manter a soberania nacional do espaço aéreo e integrar o território nacional, com vista à Defesa da Pátria, missão que irá orientar todas as ações, administrativas e operacionais, durante o meu comando.
A partir do trabalho edificado por aqueles que nos antecederam, seguiremos em nosso processo de evolução contínua, adaptando a estrutura organizacional à estratégia estabelecida, caminhando do possível ao necessário e melhorando nossa eficiência, para que recursos da atividade-meio sejam disponibilizados para o que nos é imprescindível como poder aéreo. Ou seja, por um lado, os meios pessoais, representados por nosso efetivo; por outro lado, pelos meios materiais necessários ao cumprimento de nossa missão: aeronaves, mísseis, munições, infraestrutura de operação e de controle do espaço aéreo.
Além disso, amparados pela contínua parceira com a indústria aeroespacial e pelas atividades de Ciência e Tecnologia, nossos projetos estratégicos serão prioritários, pois apenas eles nos permitirão elevar o patamar de operacionalidade da FAB.
O senhor encerraria, no dia 21 de maio deste ano, um período de 46 anos de serviços prestados à FAB. No entanto, teve que mudar o “plano de voo” ao ser chamado para realizar uma nova e grande missão. Como o senhor encara essa virada no rumo da carreira do senhor ao assumir o Comando da Aeronáutica?
Possivelmente por entender o desperdício de um pouso final “quando há tanto combustível no tanque”, a Divina Providência resolveu prolongar este meu voo, a partir de agora como Comandante da Força Aérea Brasileira, cujos portões cruzei, pela primeira vez, com apenas 14 anos.
Novamente, a “roda da fortuna” girou, direcionando-me para a mais importante e desafiadora missão da minha vida. Sinto-me realizando o sonho de qualquer Oficial a quem isso é possível.
Honrando essa confiança e dentro das previsões legais, exercerei as responsabilidades inerentes ao cargo, ao qual entregarei meus conhecimentos, habilidades e esforço, sempre com base nos valores comuns à Instituição militar, que represento pelo Código de Honra do Cadete da Aeronáutica: Coragem, Lealdade, Honra, Dever e Pátria. Com milhares de “horas de voo” no comando, na chefia e na direção de diferentes Organizações da FAB, tenho certeza de que estamos prontos para esta nova decolagem, a serviço da população brasileira e dentro dos nossos limites de autoridade e responsabilidade.
O senhor assumiu o Comando da Aeronáutica após deixar o Comando-Geral de Apoio (COMGAP), Organização da FAB que compete assegurar a consecução dos objetivos da Política Aeronáutica Nacional, no âmbito do Apoio Logístico de Material e Serviço. Uma das principais diretrizes que o senhor estabeleceu quando assumiu aquele Comando, teve como foco a qualidade dos recursos humanos. Diante do novo cargo, como o senhor encara a relação entre meios pessoais e materiais?
Uma Força Aérea moderna e eficaz exige recursos humanos capazes de lidar com sistemas de alto nível tecnológico, fazendo nossos processos de formação e aperfeiçoamento serem contínuos e caros, tornando o desafio de alocar “o homem certo no lugar certo” prioritário em nossas decisões. Cuidemos, pois, dos homens e mulheres que integram nossa Força Aérea. Afinal, eles são os nossos TRIPULANTES. Certa vez, em uma Base Aérea bem distante, li na parede de um hangar de aeronaves: “Primeiro os Homens; a missão, sempre”.
Da mesma forma como sugere essa frase, teremos o apoio ao nosso efetivo como atividade prioritária, como por sinal acontece costumeiramente, mas não o faremos sobrepujando ou colocando em risco nossa capacidade de realizar nossos objetivos.
No meu comando, cumprir a missão ou apoiar nosso efetivo será apenas um falso dilema. Ademais, manteremos o foco no gerenciamento das competências individuais, objetivando encontrar o militar certo para cada função, sem que isso afete a manutenção da qualidade do ambiente organizacional, característica vital para manter o moral elevado e garantir a alta produtividade.
Os mais de 20 anos de experiência na área operacional e logística permitem que o senhor entenda a importância do apoio para que, na ponta da linha, decolem os aviões. Diante da experiência do senhor à frente do Comando-Geral de Apoio, como a Força Aérea atua no suporte logístico tanto às novas aeronaves incorporadas bem como às recentemente modernizadas?
Nossa Força Aérea opera aeronaves e sistemas com alto grau de complexidade e sofisticação tecnológica, por até cinquenta anos, o que nos exige superar os desafios das obsolescências logísticas. Manter uma aeronave adquirida nas décadas de 1960/1970, como nossos F-5 e C-130, exige-nos gerenciar a aquisição e reparo de suas milhares de peças, com dezenas de fornecedores que, por vezes, não têm mais interesse em fabricá-las ou repará-las. Esse é o grande desafio da Logística.
Com o fito de manter seus meios disponíveis para emprego, a FAB trabalha com o conceito de ciclo de vida dos materiais e sistemas, e não de problemas pontuais ou conjunturais.
Com base nesta visão, o COMGAP, como Comando Logístico da FAB, participa de todas as fases do ciclo de vida das aeronaves novas ou modernizadas, desde a definição dos requisitos, passando pelo desenvolvimento, implantação, suporte à operação e, também, sua desativação e descarte.
Além disso, atua na adequação da infraestrutura necessária, como hangares, pátios, pistas e paióis, dentre tantas instalações exigidas para a operação da frota, bem como na disponibilização dos sistemas TI operacionais e logísticos, cada vez mais necessários nos modernos sistemas aeronáuticos.
Em várias operações ao longo da história da FAB, ficou evidenciada a relevância da interoperabilidade no âmbito das Forças Armadas. No que se refere aos resultados alcançados, como o senhor avalia essa interação entre Marinha do Brasil, Exército Brasileiro e Força Aérea Brasileira no campo logístico?
Por décadas, a Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira conceberam seu preparo e emprego de forma independente e isolada, com reflexos nas suas áreas logísticas.
A partir da eficiência demonstrada nas operações conjuntas (mais de uma força armada) e combinadas (mais de um país), durante a Primeira Guerra do Golfo, ficou clara a necessidade de nossas Forças Armadas abrirem mão de parte de sua independência e apoiarem o preparo e emprego conjunto, em prol de maior eficiência operacional e de recursos.
Em adição a esta mudança doutrinária, a criação do Ministério da Defesa do Brasil, em 1999, iniciou uma sequência de exercícios, planejamentos de emprego e operações conjuntas, responsáveis em grande parte pela integração atual de nossas Forças Armadas, como temos testemunhado nas operações Ágata, Pantanal, Verde Brasil 1 e 2, além da COVID-19.
Em que pese o incremento da interoperabilidade no campo operacional, penso que muito ainda precisa ser realizado no campo logístico, onde a gestão das frotas dos helicópteros H225M do Projeto H-XBR, feita por um escritório logístico conjunto, já pavimentou um futuro promissor.
Como visão de futuro próximo, vejo a possibilidade de contratação conjunta de diversos serviços e materiais, como aquisição de material bélico e combustíveis, com redução de custos e do pessoal envolvido nessas atividades. Tais possibilidades nos motivam aos desafios futuros, fortalecendo o conceito de que #JuntosSomosMaisFortes
O Comando da Aeronáutica completou 80 anos em 2021. Enquanto isso, vale destacar que o senhor já testemunhou muitos fatos históricos durante as mais de quatro décadas de experiência em diversos cargos na FAB. Quais foram os maiores desafios da Força Aérea ao longo desse período e como eles foram superados, sobretudo, na área logística, campo que o senhor esteve mais fortemente ligado nos últimos dois anos, quando comandou o COMGAP, Organização Militar da FAB que atualmente está sendo comandada pelo Major-Brigadeiro do Ar Pedro Luís Farcic?
Sem dúvida alguma, o maior desafio foi se estruturar para apoiar o aumento significativo da tecnologia embarcada em nossos meios aéreos, simultaneamente com a redução da frota de aeronaves. Nos primeiros vinte e cinco anos (1941-1966), nossa frota de aeronaves era numerosa, formada por centenas de aviões doados após a Segunda Guerra Mundial, que exigiam uso intensivo de mão de obra mecânica.
Como essa fase coincidiu com o nascimento do parque industrial brasileiro, os desafios logísticos foram vencidos com a “internalização” das atividades de manutenção em nossas Organizações Militares, principalmente nos Parques de Material Aeronáutico, que receberam investimentos em ferramental, máquinas e pessoal qualificado.
A segunda fase penso estar balizada pela chegada das primeiras aeronaves C-130 Hércules (1966) e pelo recebimento dos primeiros A-1 (1991). Nesse período, também incorporamos os caças F-103 Mirage e F-5 Tiger II, todas plataformas com um nível de complexidade eletrônica substancialmente superior ao que estávamos acostumados.
Para vencer os desafios da época, nossas Organizações Militares mantiveram-se como atores importantes no suporte logístico da frota, mas foi necessário buscarmos parcerias com fabricantes e oficinas externas à FAB, no Brasil e no exterior, exigindo-nos a modernização dos sistemas de controle das atividades. Foi nessa fase que inserimos um alto grau de informatização em nossos processos de suprimento e manutenção, outra importante característica desse quarto de século.
A partir da implantação das aeronaves A-1, primeiro sistema aeronáutico com alto grau de eletrônica embarcada e uso intensivo de unidades modulares intercambiáveis – LRU (do Inglês Line Replaceable Unit), a utilização das oficinas dos fornecedores e fabricantes passou a ocupar lugar importante na cadeia de suprimentos da FAB, exigindo planejamento acurado, a fim de que todos os materiais estivessem disponíveis a tempo e no local necessário aos serviços de manutenção. Nessa fase, passamos a controlar todas as atividades com o Sistema Integrado de Logística de Material e de Serviços (SILOMS), um sistema informatizado desenvolvido por nossos militares e civis, e que atualmente é a base dos processos administrativos e logísticos do Comando da Aeronáutica.
Como as ações dos militares da FAB contribuem para o andamento das diversas atividades relacionadas ao combate ao novo Coronavírus?
Durante todo o período desta lamentável pandemia, nossos homens e mulheres trabalharam arduamente para cumprir a missão atribuída à Força Aérea Brasileira. Em cada decolagem de nossas aeronaves, levando cilindros de oxigênio, transportando doentes, vacinas ou hospitais de campanha, para citar apenas algumas missões cumpridas pela FAB durante a Operação COVID 19, a participação de muitos militares esteve silenciosamente presente. Para que a FAB pudesse voar em esforço máximo, mantivemos uma adequada disponibilidade dos meios aéreos e realizamos as necessárias ações de manutenção, sempre presenciais, com os cuidados previstos para a proteção de nossos recursos humanos. Com certeza, o povo brasileiro foi testemunha da brilhante participação da nossa Força Aérea neste esforço de guerra.
Possibilitar que grande parte do efetivo da FAB passasse a cumprir suas atribuições em regime de home office exigiu a disponibilização de sistema de videoconferência e acesso seguro aos inúmeros sistemas corporativos, base para as atividades administrativas, operacionais e logísticas da Instituição. Essas foram realizações importantes, liderada pela Diretoria de Tecnologia da Informação – Organização subordinada ao COMGAP – e demais elos sistêmicos.
Embora a utilização das aeronaves e das ferramentas de TI tenham tido maior visibilidade, há que serem destacadas as ações levadas a efeito pelas demais Organizações da Aeronáutica, que cuidaram da infraestrutura, obtenção e transporte logístico.
Por exemplo, a atuação integrada e coordenada de todos os integrantes da área logística da FAB me enche de orgulho como ex-Comandante-Geral de Apoio. Juntos, os militares de todas as Organizações dos seis Grandes Comandos da Aeronáutica são realmente um conjunto de todo eficaz, como registrado na Canção do Especialista da Aeronáutica.
O senhor poderia delinear um panorama de como será o futuro da Força Aérea Brasileira em prol do cumprimento da missão da FAB?
Importante lembrar que a FAB protege o País por meio das ações de Controlar, Defender e Integrar. Na vigilância diária e na superação de grandes desafios na Defesa do Brasil, é imprescindível a atuação dos Grandes Comandos que compõem o organograma da Instituição bem como uma visão estratégica acerca do nosso presente e do nosso futuro. Nesse contexto, amparados pela contínua parceira com a indústria aeroespacial e pelas atividades de Ciência e Tecnologia, nossos projetos estratégicos serão prioritários, pois apenas eles nos permitirão elevar o patamar de operacionalidade da Força Aérea Brasileira.
Nesse sentido, os projetos F-39 Gripen e KC-390 Millennium, que se constituirão na espinha dorsal da FAB, no ambiente aéreo, pelas próximas décadas, conviverão com o incremento do Programa Estratégico de Sistemas Espaciais (PESE), que teve na assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas com os Estados Unidos da América um marco histórico. Ainda sobre esse importante projeto, rogo que consigamos eliminar rapidamente os óbices que se apresentam, como as possíveis indefinições nos limites de autoridades e responsabilidades dos atores envolvidos, sem o que não recuperaremos o tempo perdido nas últimas três décadas. Também na área espacial, temos a oportunidade de não sermos apenas “o País do futuro”.
A exemplo do que entendo para o futuro das instituições e organizações, o porvir da Logística na FAB obedecerá a um processo de evolução contínua, acelerado pelo desenvolvimento tecnológico e, consequentemente, ciclos cada vez menores de obsolescência.
Como ocorre com nossos computadores pessoais e smartphones, que se tornam obsoletos muito rapidamente, nossos sistemas aéreos, nossas ferramentas de TI e nossa infraestrutura operacional exigirão processos permanentes de atualização para se manterem disponíveis e eficazes.
Não imagino, para as aeronaves F-39 Gripen e KC-390 Millennium, por exemplo, processos de modernização de meia vida (os MLU – Mid Life Upgrade) custosos e de grande amplitude, como fizemos com as frotas de F-5 e A-1, mas intervenções menores e em ciclos curtos (certamente inferiores a cinco anos). O mesmo ocorrerá com nossos sistemas corporativos de TI, infraestrutura de apoio (pistas, pátios, hangares, etc.) e processos de suprimento.
Para vencer tais desafios, e a exemplo do que ocorreu nos oitenta anos passados, confiamos na constante capacitação e no comprometimento de todos os profissionais que integram a Força Aérea Brasileira, nossos parceiros da indústria; nossos fornecedores; e a tantos quanto entendem a importância de nossa missão.
FOTOS: Ilustrativas