Mas nem só de F-8 voávamos naquela época. Voei também o L-6, T-6, C-42 e o Beechcraft E-18S dentre outros que não mais recordo.
Lembro-me, especialmente, de um voo de T-6, em 09 de outubro, de nº 1663 que fiz a Santa Izabel do Morro, na Ilha do Bananal (GO) as margens do rio Araguaia. Num fim de semana, equipado com uma espingarda “12”, partimos, eu e o Ten. Vasquez, Julio Pato, com o firme propósito de caçar e pescar naquela região. Lá chegando, hospedei-me no Hotel JK (originalmente Juscelino Kubitschek e após a revolução John Kennedy), um hotel 4 estrelas, hoje não mais existente, para no dia seguinte sair para caçar.
Como não conhecia a região, solicitamos a um grupo de indígenas (apenas um falava português), para conduzir-nos ao local em que caçavam patos. Dito e feito, entramos na floresta seguindo os indígenas. No trajeto, um indiozinho de uns 10 anos de idade, fez-me um sinal para segui-lo em outra direção. Jovem, sem medir as consequências, topei na hora e separamo-nos do grupo. Após uma meia hora de caminhada por trilhas no meio da mata, adentramos a uma Taba Indígena. Fui rodeado, imediatamente pela tribo. É claro que nada entendi o que falavam e uma das mulheres perguntou-me alguma coisa que respondi com um aceno de cabeça e um sorriso.
Vejam vocês que eu estava sozinho, sem entender uma palavra da língua Guarani, ou lá qual fosse, rodeado por indígenas e completamente perdido no meio do mato.
A índia então voltou com um copo de metal imundo cheio de um líquido escuro mais parecendo uma água de latrina velha. Sorri, peguei o copo e bebi todo o líquido. Não senti gosto nenhum, talvez fosse água.
Um índio mais velho então devia ser o cacique, fez-me sinal para segui-lo. Caminhamos mais meia hora e paramos em silêncio em baixo de umas árvores bastante altas. Tempos após, no anoitecer e completamente em silêncio, ouvimos o barulho dos patos chegando a seus “dormitórios”. Eu desconhecia que os patos selvagens da Amazônia regressavam todos os dias, para o mesmo local, nas copas das árvores, para dormirem. Os índios sabiam e fizeram sinal para eu começar a caçada. Gastei toda a munição que tinha levado e matei mais de uma dúzia de patos selvagens. Evidentemente que peguei um para mim e dei o restante para a tribo.
Agradecidos, os índios conduziram-me de volta ao hotel por volta de meia-noite. Na volta, em Santa Cruz, minha mulher fez um pato assado cujo gosto lembro-me até hoje.
Outro voo, bastante diferente, foi uma viagem a Porto Alegre de C-42 Regente, nº 2986.
O Regente era um avião, fabricado no Brasil pela NEIVA, triciclo, monomotor, asa alta, duplo comando com 4 lugares, dois passageiros no banco de trás. Seu interior lembrava um “fusca” o Volks mais vendido na época.
Numa sexta-feira, no final do expediente ao atravessar o Hangar, ouvi meu Comandante, na época, Maj. Dagoberto me chamar:
– Danilo, você faria um favor para mim?
– Claro Major!
– Danilo, você poderia levar minha sogra para Porto Alegre no Regente da Base?
Na hora, nem pestanejei e disse-lhe:
– É claro Major, mas com uma condição: levar também a minha mulher.
No sábado, pela manhã, decolamos rumo a Porto Alegre com previsão de pouso em Santos (SP) e Florianópolis (SC) com minha mulher de co-piloto e a sogra do Maj. Dagoberto no banco de trás.
Estava uma manhã maravilhosa, céu claro sem nuvens que se manteve assim até Porto Alegre. Como estava “a passeio”, resolvi voar rasante para mostrar as praias do litoral à minha mulher. Conclusão: voei costeando o litoral, em voo rasante, até a cidade de Tramandaí no Rio Grande do Sul.
Foi realmente um voo maravilhoso, as duas mulheres estavam extasiadas com a paisagem, sendo que após Tramandaí, fui obrigado a subir para adentrar corretamente o terminal aéreo de Porto Alegre. Pousamos na Base Aérea de Canoas e logo a seguir peguei um taxi e entreguei a sogra do Major Dagoberto “a domicílio”. Estava cumprida a Missão recebida.
Aproveitamos o fim de semana para visitar vários de meus parentes que não os via há muito tempo.
Na segunda-feira, quando acordei de manhã bem cedinho, olhei pela janela do quarto e percebi a “encrenca” que tinha me metido. Teto baixo, com uma chuva fininha e o regente só voava visual, não tinha os equipamentos necessários para voo dentro das nuvens. Caçador, metido a “pilotaço”, preenchi um Plano de Voo Visual para Florianópolis, solicitando uma decolagem especial, pois só estavam autorizando decolagens com planos de voo por instrumentos.
Para minha surpresa, fui autorizado a decolar. Estava bastante apreensivo, pois pouco conhecia da região e só tinha uma solução: decolar, sobrevoar a estrada Porto Alegre – Tramandai, rasante e em baixo das nuvens, atingir o litoral, dobrar a esquerda e voar em cima da praia até Florianópolis. A previsão meteorológica informava que a frente fria ainda não havia chegado a Santa Catarina.
Fingi que tudo estava bem, para não preocupar a minha mulher, e decolei para cumprir o planejado. Deu tudo certo e quando sobrevoei o Cabo de Santa Marta, no nordeste do Rio Grande do Sul, saí das nuvens para um céu claro, ensolarado e com a ilha de Florianópolis no meu visual. Voamos até o Rio de Janeiro sem mais percalços. O interessante dessa história foi que a minha mulher, no trajeto mais preocupante, voo rasante em cima da estrada na saída de Porto Alegre, disse-me:
“Danilo, o voo está muito monótono e eu vou pular a cadeira do copiloto e dar uma “dormidinha” no banco de trás. Assim ela foi até pousarmos em Florianópolis e nem percebeu o risco e as “loucuras” rasantes que tive que fazer até chegar a Tramandai.
No dia 10 de junho fui escalado, T-6G 1389, para levar um mecânico, 3ºSgt Leite, a Fortaleza prestar socorro a um TF-7 com pane hidráulica.
Decolei de Santa Cruz as 15h00min com escala em Vitória e Salvador naquele dia. A rota de Vitória e Salvador afasta-se da costa a uma distância tal, que na altitude que voa o T-6 não se via a costa da Bahia. Voava-se na aerovia Verde Uno como se estivéssemos no meio do Atlântico. Só Mar a 360º. Como decolei de Vitória em torno de 17hs, fiz a maior parte do trajeto a noite. Quando pousei em Salvador, o Ten. Sirotheau, (Gilberto Correia), Oficial de Operações da Base, estava me esperando ansiosamente. Queria saber qual era o aviador maluco que havia voado essa rota noturna. Eu não sabia, mas ninguém se arriscava num avião monomotor naquela rota em voo noturno. Eu desconhecia esse “folclore” e fiz. O resto da viagem foi sem problemas.
No retorno, resolvi decolar de Fortaleza as 18:00 Hs, pois havia gostado, e muito, de voar noturno naquele céu estrelado do nordeste. O trajeto de Recife a Salvador, todo noturno e em cima da praia, foi uma delícia e uma cisma que sempre tive.
Acreditava eu, como muitos na época, que discos-voadores extraterrestres nos visitavam com frequência e qual a melhor e maior probabilidade de vê-los? É claro que a noite e de céu claro! De olho no céu estrelado, infelizmente, só vi alguns cometas e nada mais. Pousei no dia seguinte em Santa Cruz sem perder as esperanças de vê-los algum dia. Hoje ainda, quase 50 anos após, sonho em vê-los.
O ano de 1966 não foi bom para mim como caçador. Em julho, como Diretor Social do Cassino da Base, preparei uma festa de São João de “arromba” visando a criançada, da Vila dos Oficiais. Resolvi fazer um show pirotécnico e deparei-me com uma realidade que desconhecia completamente. Ao adquirir os fogos de artifício em uma loja de Campo Grande, subúrbio do Rio, o dono da loja quis corromper-me. Não entendi nada o que o “cara” desejava, porém desconfiado neguei toda e qualquer proposta que ele me fez. Talvez por me achar muito “burro” forçou-me a aceitar uma caixinha de rojões que soltava uns paraquedas iluminados. Acabei aceitando e não pretendia acende-los, pois havia planejado somente rojões fixos na terra, nenhum para soltar com as mãos.
Mandei cercar toda uma área ao lado da piscina e coloquei bombeiros em volta para evitar qualquer incidente desagradável. Durante o espetáculo, lembrei-me do “presente” daquele salafrário e resolvi soltar um. Atrás do paredão de treino de tênis, próximo do local dos fogos, colocando a mão do outro lado do paredão, ascendi um deles. O rojão não disparou e eu não poderia largá-lo devido à proximidade das pessoas que estavam assistindo a queima. Não tive alternativa a não ser colocar a cabeça fora da proteção e ver o que poderia ser feito. Nesse exato momento o rojão disparou “pela culatra” atingindo o meu olho direito. Fiquei o resto do ano sem voar e em recuperação. Somente voltei a voar o F-8 em 1967. Perdi 6 meses de voar o avião do meu ideal.
Aprendi que a vida tem seus altos e baixos, alegrias e tristezas, sucessos e insucessos em uma sequencia alucinante. Quando a gente se dá conta, já passou e a vida continua. E assim acabou o ano de 1966.
A 1a. foto vejo um indicativo no avião da Varig “JM”, por acaso seria o Electra II, PP-VJM.