Em defesa na Justiça, fabricante aponta desorganização da empresa e da estatal. TAM não comentou e Infraero disse que pista tinha boas condições; ação pede ressarcimento por indenizações pagas
A fabricante Airbus disse à Justiça que os dois pilotos, a TAM e as condições de Congonhas são os responsáveis pelo acidente em que um avião, ao tentar pousar no aeroporto paulistano, cruzou toda a pista e explodiu contra um prédio, em 17 de julho de 2007.
Foi o maior desastre da história com uma empresa aérea brasileira: 199 mortos.
É a primeira vez que vêm à tona declarações da Airbus sobre as causas do acidente. A empresa europeia fabrica o A320, modelo que se acidentou. Em público, ela nunca havia atribuído culpa aos envolvidos a TAM é sua maior cliente na América Latina.
As declarações estão em processo cível a que a Airbus responde na Justiça. A ação foi movida pela Itaú Seguros, seguradora da TAM e, como tal, incumbida de pagar as indenizações em razão da tragédia.
A Itaú está processando a Airbus para tentar reaver o que gastou; para isso, argumenta ter havido falha no projeto da aeronave, o que a fabricante nega. A ação tem valor de R$ 350 milhões.
Ainda não há sentença
Ao se defender no processo, a Airbus sustenta que o comandante Kleyber Aguiar Lima e o copiloto Henrique Stefanini Di Sacco, que morreram na tragédia, são os principais culpados. E TAM e Congonhas, administrado pela Infraero, contribuíram para que o desastre ocorresse.
Os pilotos, segundo a fabricante, não usaram o procedimento correto para um avião com um reversor inoperante, caso do A320 naquele dia.
O reversor é um dispositivo nas turbinas que ajuda a aeronave a frear, desde quatro dias antes do acidente, estava desativado.
Em 2006, a Airbus havia determinado que, mesmo com um reversor sem operar, os dois manetes (que controlam a potência do avião) teriam de ser puxados para trás logo depois da aterrissagem.
Esse movimento, que aciona os reversores, deveria ser feito mesmo com um deles inoperante, para evitar que a assimetria dos manetes pudesse descontrolar o avião.
O comandante Lima, afirma a Airbus em sua defesa, colocou um dos manetes em posição errada, a de aceleração, o que fez o avião não parar logo depois de pousar.
É a mesma conclusão a que chegou a Polícia Federal em relatório de 2009.
Sem Provas
A Aeronáutica, que investigou o acidente, não achou provas que apontassem responsabilidade dos pilotos. Elencou apenas hipóteses: erro dos pilotos ou do projeto da aeronave, que não alertou a tripulação da assimetria.
A Airbus nega ter havido erro seu. E diz que o copiloto Di Sacco poderia ter visto a assimetria e avisado o comandante, mas não o fez. Contribuiu para isso a sua falta de experiência, segundo a fabricante.
Os erros dos pilotos foram possíveis, continua a Airbus, em razão do “ambiente permissivo e desorganizado na companhia aérea e pela desorganização administrativa em que se encontrava a aviação civil no Brasil essas as concausas do acidente”.
Nenhuma das envolvidas (Airbus, TAM, Infraero e Itaú) quis falar sobre o processo a Infraero se resumiu a dizer que a pista de Congonhas estava e está em boas condições.
TAM não comenta ação; pista é segura, afirma Infraero
Nenhuma das empresas envolvidas quis comentar o processo em que a Airbus diz que a TAM e a Infraero também são responsáveis pelo acidente de 2007.
A fabricante europeia limitou-se a dizer que tem como política não falar de “litígios em andamento”.
A companhia aérea brasileira usou o mesmo argumento. Em 2007, ela havia dito que o avião não tinha problemas mecânicos.
Segurador da TAM e autor do processo contra a Airbus, o Itaú disse que não iria se pronunciar.
A Infraero, administradora do aeroporto de Congonhas, mencionado pela Airbus no processo, informou não ser parte na ação, razão pela qual decidiu não comentar.
De toda forma, disse que a pista “cumpria à época e cumpre hoje os requisitos de segurança da aviação civil”.
Perícia feita pela Polícia Federal, no entanto, constatou que o coeficiente de atrito da pista estava aquém dos parâmetros recomendados.
A Folha informou a Infraero dessas conclusões. A estatal manteve o posicionamento de que a pista seguia as normas de segurança.
Em relatório de 2009, a Polícia Federal afirmou que o acidente em Congonhas em 2007, nas circunstâncias em que se deu, teria acontecido mesmo com a pista em condições perfeitas.
TAM sabia de risco em Congonhas e poderia ter desviado voo, diz Airbus
Antes do acidente, a TAM sabia que a pista de Congonhas estava escorregadia, afirmou a Airbus à Justiça, em sua defesa no processo. Chovia no momento do pouso.
Assim, poderia ter “excepcionalmente redirecionado seus voos em condições de chuva, inclusive o fatídico voo 3054, para outro aeroporto”.
Segundo a fabricante, “a decisão da TAM de continuar operando voos com destino ao e saída de Congonhas deve ser vista como causa secundária para o acidente”.
Em resposta ao Itaú, que lhe cobra o ressarcimento das indenizações, a Airbus resume: “A culpa da vítima TAM foi muito mais grave que qualquer culpa porventura atribuível à Airbus”.
E continua: “Excetuados os problemas operacionais de Congonhas, todos os demais fatores relacionados à causalidade do acidente principalmente o erro de procedimento dos pilotos são de responsabilidade exclusiva da vítima TAM”.
Nem a Polícia Federal nem a Aeronáutica chegaram a essas conclusões. A Aeronáutica viu erro de “supervisão gerencial” da TAM. A PF atribuiu culpa aos dois pilotos, não à companhia aérea.
A TAM não se defendeu, pois não é parte no processo. Procurada pela Folha, também não se pronunciou.
Tecnologia
Na ação, a Airbus é acusada de não dispor os aviões de tecnologia que alertasse os pilotos sobre a assimetria nos manetes.
Relatório da Aeronáutica havia apontado a falta desse aviso como fator contribuinte para o acidente e recomendado sua inclusão nos A320 esse apontamento é uma das bases da ação do Itaú.
A fabricante, ao se defender, mirou a TAM mais uma vez. Disse que, em 2006, ofereceu às operadoras de seus jatos, inclusive à companhia brasileira, uma atualização de software que corrigia esse fator. Segundo ela, a TAM não quis.
Mesmo assim, a Airbus afirma que o A320 era seguro com ou sem essa atualização.
A Airbus também dá a entender que o avião da TAM poderia estar com mais combustível do que o permitido. Os relatórios da PF e da Aeronáutica dizem que o avião estava com peso aceitável.
Congonhas
Para a fabricante, a participação de Congonhas na tragédia e, por consequência, da Infraero, que gerencia o aeroporto se dá por causa das condições “críticas” da pista: escorregadia e com formação de poças d água.
A Infraero, que não é citada nominalmente pela Airbus (há apenas referências a Congonhas), afirmou à Folha que a pista estava e ainda está em boas condições.
Em sua investigação, a PF concluiu que o avião não pararia seja qual fosse a condição da pista e que ela não causou a tragédia.
O acidente da TAM resultou em processo do Ministério Público Federal, que pede até 24 anos de prisão para Marco Aurélio Miranda, ex-diretor da TAM, e Denise Abreu, ex-diretora da Anac (Agência Nacional de Aviação), acusados de assumir risco ao deixar aviões pousarem em Congonhas até o desastre.
Ambos negam participação. O processo ainda não foi julgado.
FONTE: Folha de SP, via NOTIMP.