Por Almirante-de-Esquadra (Ref) Mario Cesar Flores
O preparo militar brasileiro vai de mal a pior. Projetos vistos pelas Forças Armadas como importantes – a exemplo do monitoramento da fronteira terrestre e do mar sob jurisdição brasileira, da configuração de uma força de submarinos convincente, da renovação da defesa aérea – avançam vagarosamente ou não avançam e a indústria de interesse para a defesa titubeia, insegura. Não há esperança de melhora significativa desse quadro, ao menos no futuro breve. Em 2015 a participação militar equivale a 1,3% do Orçamento-Geral da União e já foi anunciado um contingenciamento de 24,8% do seu montante não compulsório, que corresponde a acerca de um quarto do total! Resultado: cortes e mais atrasos, as três Forças lutando pela sobrevivência atribulada de seus projetos corporativos.
Por que essa situação? Existem razões conjunturais impositivas. Em realce, hoje, as constrições da restauração da saúde fiscal (sem ela não haverá solução…) e a pressão das muitas necessidades nacionais prementes. Mas a condução do tormento conjuntural é prejudicada por uma razão estrutural influente: a inexistência de um ideário político-estratégico básico sobre defesa nacional e temas afins, compreensível e convincente – em suma, um delineamento dos cenários político-estratégicos plausíveis e verossímeis de necessidade de poder militar como instrumento de persuasão/dissuasão e para emprego efetivo. Sem ele se continuará a tropeçar na insuficiência de recursos e na complexa “dosagem” dos sacrifícios conjunturais.
Dos anos 1930 a 1988, período matizado pelo autoritarismo, esse ideário conceitual básico era formulado e mantido “entre quatro paredes” pelo Conselho de Segurança Nacional (Conselho de Defesa Nacional nos últimos anos) em seu Conceito Estratégico Nacional sigiloso. Hoje talvez devesse sê-lo pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (uma hipótese, poder-se-ia imaginar outras) com a colaboração de instituições cujas atividades têm que ver com o tema. A sanção do Congresso Nacional, representação do povo, é imprescindível.
A Política de Defesa Nacional e a Estratégia Nacional de Defesa, hoje vigentes, aproximam-se do ideário aventado, mas foram formulados em processo “fechado” similar ao do passado (a diferença é que seus textos são acessíveis ao público) e não orientam com simplicidade e clareza o preparo militar. Resultado: não contam com o apoio que decorreria de uma ainda que superficial aferição do pensamento nacional a respeito, foram aceitos tranquilamente pelo poder político e pela sempre crítica mídia, que não lhes atribuíram atenção simplesmente porque entendem que “não são para valer”. Atendem à cultura do planejamento inerente aos militares, mas não implicam concordância convicta e compromisso. Não se trata, aqui, de questionar preceitos do produto vigente, mas o fato é que sua aceitação indiferente a fragiliza como orientação do preparo militar e de seus problemas conjunturais.
O esquema esboçado – ou algo de natureza similar – serviria de inspiração para o preparo militar lato sensu. Prepará-lo para o quê? Bastar-nos-ia uma Guarda Costeira para o controle rotineiro do mar sob jurisdição brasileira, um Exército parapolicial (uma Gendarmeria…) para o controle da fronteira terrestre e atividade anticrises, uma Guarda Nacional Aérea para o controle do nosso espaço aéreo? Ou o País deve estar atento às vicissitudes do mundo (particularmente, ainda que não apenas, da nossa região) e do Brasil nelas, adequando seu preparo militar em coerência com os cenários estratégico-operacionais dessas vicissitudes?
Temos condições de nos conduzir no esquema cogitado? Improvável.
O povo é apático ao uso do poder militar em sua dimensão clássica e o vê essencialmente sob as perspectivas parapolicial e – eventualmente – de defesa civil. Mídia, universidades e outras instituições, como são, por exemplo, o Grupo de Análise da Conjuntura Internacional da USP e o Centro Brasileiro de Relações Internacionais, tangenciam o assunto; a própria Escola Superior de Guerra procede de forma semelhante (o Instituto Pandiá Calógeras talvez possa ser um embrião da diferença, mas ainda é cedo para uma afirmação otimista). Parece haver uma convicção nacional generalizada de que seria “pecado” pensar e falar concretamente em defesa militar num país de propensão pacifista!
Mais grave: falta à viabilidade bem-sucedida do processo exatamente seu quesito mais importante, a presença da política – no caso, em particular, do Congresso Nacional –, que deve conferir-lhe chancela nacional. A condução do processo pode (talvez só possa) ser feita por órgão do Poder Executivo, com a colaboração adequada, mas o Congresso precisa avalizá-lo, modificando seu resultado quando for o caso e comprometendo-se criteriosamente a dar-lhe consistência real. A aprovação indiferente, em consonância com a indiferença nacional e refletindo-a, no pressuposto de que não se trata de algo que exija convicção e compromisso, é um erro político que não ocorre em países de política interna saudável e de presença internacional convincente. Defesa nacional é responsabilidade de todos, obviamente grande do poder político, o poder militar é instrumento relevante, mas não é seu titular exclusivo.
Existem no nosso mundo político pessoas com o preparo cultural/intelectual adequado para a condução correta do tema, mas são sufocadas pelo dia a dia político que modela suas preocupações e atividades. No contexto político atual é improvável que isso mude.
A persistir a ausência de amparo conceitual básico, o preparo militar brasileiro e, com ele, o desenvolvimento tecnológico e a implementação da indústria de interesse da defesa continuarão condicionados pelos humores da (in)disponibilidade de recursos, concedidos, não concedidos e cortados sem considerações sobre os reflexos na defesa nacional.
FONTE: O Estado de S. Paulo
Também elogio a atitude do almirante, mas o simples fato dessa matéria ser divulgada em um veículo de abrangência exclusiva de quem debate defesa ou de um jornal que também não alcança muitos leitores (ainda que tenha a versão virtual que transcede o Estado de SP), não terá o efeito reflexivo e principalmente prático que precisa.
O futebol ocupa uma posição de destaque nos noticiários, portanto tido como mais importante. Não se trata de ser contra ou a favor desse ou outro esporte mas sim do que é mostrado para a sociedade de menos relevante. Por isso os almirantes, generais, brigadeiros que desabafam suas visões patrióticas e nós comentaristas e editores do tema defesa não podemos esperar menos de nossos irmãos (e principalmente irmãs, com raras exceções) brasileiros! Suas mentes preconceituosas e ingênuas estão muito ocupadas com besterias que os satisfazem.
Se os brasileiros tivessem a mínima noção de como uma guerra bem conduzida pelo inimigo pode afetar o país não somente a soberania mas principalmente a existência do Brasil como país, eu não estaria comentando isso.
Dois exemplos numa mesma guerra: A Polônia quase sumiu do mapa quando a peste do Hiltler invadiu aquele país. A cavalaria polonesa era literalmente uma cavalaria polonesa mesmo, que ousou enfrentar tanques alemães. Não preciso nem de falar o resultado! O absurdo dessa covardia foi tão sucedida que o ditador alemão foi imediatamente respeitado por seu povo, principalmente por seus subordinados militares. Para piorar ainda a estupidez os poloneses ainda tiveram os malditos guetos como consequência de se ter um Estado fraco.
Outro exemplo foi justamente o poder alemão sobre a França, a ponto de dividir o país em áreas de interesse dos alemães, como todos os portos, deixando os franceses sob seu dominio e terror.
O que quero dizer com esses exemplos, principalmente em relação á Polônia, é que nosso povo não tem a menor idéia da ameaça que uma guerra onde não tenhamos o mínimo controle pode afetar para sempre suas vidas acontecendo em um país como o Brasil.
Sr celso,seja patriota pelo menos uma vez na vida e acredite no seu país!
Apesar de bem escrito não dialoga com a realidade que vivemos. Faltam saúde, educação e demais serviços essenciais e daí fica difícil extrapolar na defesa. Falar de Índia com Paquistão e China com regime sério a 40 anos e planejamento para 50 fica fácil.
Mario césar flores , o que , na sua opnião , deveria ser feito para que essa situação mudasse ? Resumidamente , o que alguém tem de fazer pra
Atencao Gilberto………boa leitura pra voce…nao perca a chance de aprender um pouco mais antes de parecer o dono da cocada em seus comentarios Sds
……………….muito bem escrito e claro o texto do almirante especialmente no final……excelente sua visão dos fatos ….conhece o caminho das pedras!
Sempre bem fundadas as colocações de nosso AE, talvez o maior teórico do poder militar de nossa história.