Por Carlos Silva
Durante toda história os calçados foram mudando para atender as necessidades de seus usuários, sejam elas para o mercado civil, ou para a clientela militar.
Para se ter uma ideia, a evolução dos calçados militares começou nos tempos antigos quando as tropas marchavam com seus escudos.
Um dos antigos calçados militares gregos, as sandálias, eram utilizadas nas lutas corporais, e a necessidade de rapidez e mobilidade as tornavam ideais, enquanto a utilização de botas era destinado a locais mais frios, (neve), para impedir a gangrena.
Avançando um pouco na história, os calçados militares atuais começaram sua evolução a partir das botas de canos muito altos usadas pelos exércitos e senhores desde os anos 1670 até bem recentemente na 2º Guerra Mundial
Calçados do Período da Guerra Civil Americana. (Século XIX)
Essas botas ofereciam grande proteção contra o clima, uma ótima proteção aos tornozelos, e dificilmente ficavam molhadas devido aos canos extremamente altos que chegavam próximo aos joelhos dos militares, em contra partida, muitas vezes os canos ficavam soltos devido ao uso, o material na bota inteira era muito pouco maleável o que dificultava a movimentação natural das articulações dos pés e pernas.
O calçado continuou a ser utilizado sofrendo de poucas a nenhuma alteração ao longo dos anos, sendo usado por muitos exércitos que ainda se mantinham na visão clássica do uniforme militar.
Calçados militares usados na Primeira Guerra Mundial
Muitas vezes os calçados eram cobertos por tecido da cor do uniforme para ajudar na camuflagem. Como mostra a imagem, um homem trajado com uniforme militar americano de 1916.
Segunda Guerra Mundial
Após a primeira guerra mundial as coisas foram sendo implementadas e foi se percebendo que os militares precisavam de um calçado mais leve, resistente e que permitisse uma boa mobilidade.
Reino Unido
Os britânicos tiveram a ideia de pegar as botas comuns que eram usadas diariamente, e adicionar polainas que fossem resistentes o suficiente para aguentar as atividades militares.
Alemanha
A Alemanha durante a campanha no continente africano com o Afrika Korps, percebeu que os calçados que utilizavam similares aos antigos calçados da guerra civil, também dificultavam muito a vida dos militares em terrenos arenosos e assim desenvolveram calçados com canos de tecido embutido e presilhas de amarração rápida, porém mantiveram a altura do cano, e depois fizeram um modelo de cano curto.
Criaram também um modelo similar ao dos americanos, para os fallschirmjäger, porém o primeiro modelo teve a amarração feita na lateral.
Estados Unidos
Os Estados Unidos tiveram ideias similares as britânicas e alemãs. Pegando botinas de cano curto, as empregaram com polainas e também idealizaram um calçado especifico para os paraquedistas, que precisava manter firme o pé durante a aterrissagem, para evitar entorses e até fraturas.
De início teve-se a ideia de que os marines deveriam utilizar os mesmos calçados que os paraquedistas, porém ao se observar os ambientes que os marines normalmente seriam empregados, preferiu-se manter o uso dos boots com polainas devido a mobilidade, pois correr com um boot todo de couro em areia de praia, subindo morros debaixo de tiro pesado se mostraria dificultoso.
Pós Segunda Guerra Mundial
Após a Segunda Guerra, os marinheiros em Okinawa já utilizavam o que se tornara o padrão militar para época, que era um coturno similar ao de salto dos paraquedistas.
Porém, os marines estudaram um calçado novo que pudesse garantir melhor a mobilidade de seus militares e permitisse a transpiração e respiração do pé, esse se tornaria “avô” do atual design de calçados militares, fazendo um calçado de cano de nylon e corpo de couro.
A partir daí, nos anos subsequentes, os conflitos que ocorreram em áreas que eram muito alagadas, com grande incidência de selvas e terrenos trabalhosos, fez com que as forças armadas americanas começassem a melhorar o design do boot Okinawa e surgiu o Jungle Boot, que estreou durante a guerra do Vietnã e passaria a ser o design padrão da maioria dos boots militares no mundo todo.
A partir do design Okinawa percebeu-se a necessidade de utilizar um faixa de couro dando maior suporte nos passadores de cadarço, e cadarços que corressem o cano inteiro, acabando com a necessidade de utilizar cintas nos calçados militares, com o alto custo e tornando-se menos dificultoso o processo.
Percebeu-se também a necessidade de uma faixa de sustentação nos tornozelos para garantir mais suporte para os tornozelos dos militares para diminuir o número de torções, naquele momento foi uma boa mudança, porém mais a frente se perceberia que não foi suficiente.
Esse design continuou a ser utilizado mundo a fora, e foi utilizado também em áreas que um leigo não imaginaria seu uso, afinal o nome do calçado diz “Boot de selva”
Já durante seu uso no deserto, que possui um solo de areia mais empedrada, que solta com maior facilidade sob os pés dos militares, se percebeu que os pequenos problemas do Jungle boot se tornaram maiores.
E então veio sua primeira grande revisão no design desde sua criação, que buscou sanar os seguintes problemas:
-A faixa sobre o tornozelo, não oferecia tanta proteção contra torções.
-Cor preta se destacava muito independente dos ambientes utilizados.
-O material refletia nos óculos de visão noturna.
-O solado precisava ser de um material que aguentasse melhor contaminantes como petróleo.
Com isso surgiu a versão Desert “Deserto” do Jungle Boot.
As mudanças foram:
-Solado adequado que resiste a contaminantes que podem corroer o material.
-A faixa sobre o tornozelo recebeu reforço.
-Uso de presilhas de amarração rápida.
-Nylon do cano reforçado para acolchoar melhor, e impedir a entrada de contaminantes, porém permite respiração normal do pé do usuário.
-Troca do material pelo camurça, que não reflete os óculos de visão noturna.
-Uso de uma cor neutra que pudesse camuflar bem com o ambiente.
Mais para frente, se percebeu que o pé devido as articulações do tornozelo, possui 2 movimentos naturais.
O movimento interno, acontece quando o pé movimenta em direção a perna, fazemos isso em antecipação a pisada, para amortecer, fazendo o movimento natural de rolagem do tornozelo.
E o movimento externo, que é quando o pé se movimenta para baixo fazendo durante a passada, o que faz com que a pessoa fique momentaneamente na ponta dos pés.
Percebeu-se que os coturnos de selva permitem o movimento de rolagem responsável por esses dois movimentos naturais ocorram, por que a parte de trás da perna ligeiramente acima do tornozelo está livre sem o couro comprimindo, isso ocorre graças ao cano de nylon.
Porém percebeu-se que devido a forma que o Jungle Boot cobre os pés, isso permite que ocorra a entorse do tornozelo, algo que era muito difícil de ocorrer nos boots de salto.
(Notar a área contornada de vermelho. Ela representa a área com menor proteção, permitindo que o tornozelo escape e cause a entorse)
Abaixo, o que é a entorse
Com isso o US Marine Corps (USMC), começou novas pesquisas, sobre como unir a proteção dada aos pés, pelos boots de salto, que firmam bem o pé do usuário “impedindo que o pé fique livre dentro do calçado o que causaria hematoma nos dedos e unhas, levando a queda da unha, bolhas, calos, levando muitos militares a ficarem com os pés ensanguentados e ardendo no fim de uma marcha muito longa.”
E como manter a liberdade de movimento, leveza, capacidade de transpirar e de manter o calçado arejado que é do Jungle Boot.
Com isso, por volta de 2005 o USMC oficializou esse estudo, tornando o novo design resultante: Military Especification.
A marcação em vermelho é a área exposta, que é apenas o suficiente para garantir total liberdade de movimento, leveza e transpiração, além de manter o calçado bem arejado, enquanto mantém o pé do usuário firme dentro do calçado impedindo a entorse, os hematomas, bolhas e calos.
Atualmente outros modelos de coturnos usam dos princípios de proteção versus mobilidade da atualização do Jungle Boot, buscando fazer alterações para cumprir papeis variados e, seguindo essa tendência, existem tanto botas táticas quanto coturnos de combate.
A bota tática TR-336 CT, mantém cano de cordura para mobilidade, apesar de ter um suporte de couro passando na traseira, e mantém a faixa de couro protegendo os maléolos, abrindo mão de um pouco da mobilidade por mais proteção.
A Bota tática TR-115, mantém cano em cordura para mobilidade, também abre mão de um pouco de mobilidade pelo uso de um suporte de couro na parte de trás da bota, um suporte para os maléolos mais baixos e mais finos.
A Rugged All Terrain boots – RAT, possui cano de cordura para mobilidade, também abre mão de parte da mobilidade com suporte de couro na parte de trás do calçado, possui reforço de couro regular no calcanhar e bico, na próxima versão terá o suporte dos maléolos feito de material sintético.
A escolha de um calçado
Quais critérios as forças armadas de diversos países utilizam para escolha de um calçado?
Critérios:
- Proteção: capacidade de proteger contra o clima e materiais que possam ameaçar a integridade do militar.
- Respirabilidade: Capacidade do calçado em permitir a entrada de ar para evitar o sobreaquecimento do pé do combatente;
- Drenagem: Capacidade do calçado em escorrer o excesso de água que pode adentrá-lo;
- Impermeabilidade: Capacidade de impedir a entrada da água;
- Camuflagem: Calçado lustrados e de cores escuras tendem a ser mais visíveis, portanto é essencial uma cor mais clara, além de materiais que não reflitam em dispositivos de visão noturna;
- Durabilidade: Escolha de materiais de fácil limpeza e manutenção para estender a vida útil dos calçados;
- Conforto: Calçado tem que ser confortável para evitar lesões e machucados durante a locomoção;
- Peso: Militares carregam muito peso com os equipamentos de combate, os uniformes e calçados devem ter o mínimo peso possível;
- Altura do cano: Ponderação entre mobilidade e proteção, quanto mais alto o cano mais protegido estão os tornozelos, porém a mobilidade fica reduzida, e quando o cano é muito baixo, a proteção também, mas a mobilidade é maior, desta forma deve se encontrar a altura certa para diferentes funções;
- Custo de produção baixo;
- Produção rápida e em grande escala.
Alguns dos critérios citados acimas são levados mais em conta do que outros, dependendo das prioridades e da localização geográfica, por exemplo, em climas mais frios os calçados normalmente são todos de couro e impermeáveis, o que acaba afetando a mobilidade. Já em climas quentes não é necessária essa proteção, portanto os calçados são uma mistura de couro com nylon, permitindo mais agilidade.
Calçados em diferentes países
Alemanha
Reino Unido
Recentemente o Reino Unido fez uma troca de suas botinas de combate, das clássicas pretas, por botinas marrons.
Israel
Por volta de 2014 Israel assinou um contrato com a empresa McRae dos Estados Unidos para produzir novos coturnos de combate para suas tropas.
O Coturno McRae agora em uso pelas forças armadas israelenses, possui duas versões, a marrom para tropas especiais e paraquedistas e preto para tropas regulares e algumas tropas especiais.
Ele é feito em cima do design do coturno de selva melhorado, criado para os fuzileiros americanos.
Estados Unidos
USMC
US Army
USAF
Forças Armadas Brasileiras
O Brasil ainda utiliza muitos equipamentos antiquados, e as forças armadas estudam sua troca por equipamentos melhores.
Por volta de 2012 o Comando Logístico do Exército (COLOG), começou a estudar a mudança do desenho dos uniformes e calçados militares, através do programa Combatente Brasileiro, seria dividido em duas fases: Cobra 1.0 e Cobra 2.0.
O Cobra 1.0 ficaria responsável por melhorar os atuais calçados, diminuindo o peso e deixando os mais confortáveis, além da troca do material por um que não seja facilmente visto nos dispositivos de visão noturna, fazendo alterações graduais, até a completa substituição dos calçados militares do exercito.
O exército vem tentando mudar, buscando fazer melhorias para os militares, pelo fato do Brasil ainda usar o mesmo calçado desenvolvido durante a guerra do Vietnam.
Durante a audiência ocorrida no dia 26 de setembro foi apresentado os planos do exército para a eventual substituição, assim como foram apresentados coturnos representando cada fase do programa.
Assim como a gandola em UCP (Universal Camouflage Pattern) servia para mostrar o design da gola e bolsos, o novo uniforme brasileiro seguiria o mesmo corte do ACU (Army Combat Uniform).
Provavelmente a Marinha e a Força Aérea Brasileira tem projetos para modernizar os equipamentos de seus combatentes, devido as ações conjuntas das forças armadas, muito do que foi discutido na reunião do COLOG em 2013, deverá ser implementado pelas demais.
Para que a fase Cobra 2.0 seja implementada, é necessário que a atual crise financeira que o país vem enfrentando, seja superada.
Fonte de Imagens: Exército Americano, USMC, Belleville Boots, Bates Footwear, Haix, Rothco, Exército Brasileiro, Exército Alemão, Exercito Britânico e revista Life.
Ainda estamos longe do GORETEX e do fleece removível padrão US. Sofremos anos com o rip stop resinado que esquentava no calor e esfriava no inverno. Precisamos de calça tática, com tecido de Cordura e equipamentos americanos porque são os melhores isso do cantil ao avião.
Infelizmente, nem a industria no Brasil esta muito interessada em melhorar muita coisa para o combatente, Teve uma empresa aqui no Brasil que ia fazer o Boot melhorado de selva estilo dos fuzileiros americanos.
Pablo, nos temos muito equipamento que é surplus das forças armadas americanas, do fim da década de 90
Muito boa esta matéria! Realmente precisamos melhorar nosso fardamento… Modernizar e se adequar aos níveis exigidos.
Excelente matéria !!! servi em 1985, meu coturno era todo preto em couro (inteiro), para evitar as temidas bolhas, pegui um numero acima do meu, não tive problemas, porém em dias de sol e durante formatura em solenidades (imobilidade total), só piscávamos os olhos além de respirar, os pés ferviam dentro das “botas”, ficávamos “tocando piano” dentro do coturno para evitar queimaduras na parte superior e dedos, mas o pior era o calçado do uniforme de educação física, a famigerada “Conga”, parte superior em lona, bico e sola em plástico fino tudo preto, sem amortecimento, imagine correr kilômetros com isso no seus pés, resultado; tive tendinite em ambos os joelhos, dias de “glória’, tenho saudades …
Abraço a todos.
servi em 2006, lembro que tinha cantil que estava escrito US ARMY
Interessante matéria!
Sim Mauricio, eu já estou arrumando outros artigos que escrevi, contando a história dos coletes, uniformes, capacetes, e coldres.
Essa mudança já era para ser feita a muito tempo exercitos de outros paises até com menos expresão que o nosso tem um fadarmento melhor . Não é só o cotorno que é da guerra do Vietnã a maioria dos nossos equipamentos são da mesma época se não for criado um mecanismo para reforçar o orçamento nossos soldados vão continuar usando esses coturnos por muito temp.