A aviação teve o seu emprego pioneiro durante a Guerra da Tríplice Aliança. Em 24 de maio de 1867, o então Marquês de Caxias, Patrono do Exército Brasileiro, utilizou – de forma inédita na América Latina – um balão cativo para observar as tropas inimigas na região de Curupaiti e Humaitá.
Quase sete anos após esse momento histórico para nossa Força, em 23 de março de 1874, nascia, na cidade de Campos dos Goytacazes (RJ), o intrépido e destemido Ricardo João Kirk, filho único do irlandês Richard Joseph Kirk e de Rita Fructuosa. Em julho de 1891, aos 17 anos de idade, dirigiu-se à capital federal e ingressou como voluntário no 10º Batalhão de Infantaria, na condição de soldado. Mercê de seu esforço e dedicação, ingressou na Escola Militar da Praia Vermelha.
Logo no início de sua trajetória castrense, o jovem Kirk evidenciou suas virtudes militares durante a eclosão da Revolta da Armada, sendo chamado ao dever no confronto de canhões do morro de São Bento, como tripulante do rebocador Audaz, enquanto patrulhava as águas da Baía de Guanabara.
O reconhecimento dos feitos de Ricardo Kirk diante do levante da Armada veio da maior autoridade nacional. Em 3 de novembro de 1894, um decreto presidencial extraordinário promoveu-o ao posto de alferes – primeiro posto do oficialato – por bravura e bons serviços prestados à República.
Em agosto de 1908, foi transferido para trabalhar como auxiliar no Parque de Aerostação do Exército, em Realengo (RJ). Na prática, foi a primeira oportunidade de travar um contato mais continuado com balões cativos de observação.
A partir daquele momento, Kirk passou a interessar-se pela arte de voar e, devido aos seus conhecimentos na área da engenharia, recebeu autorização para estagiar e estudar técnicas aeronáuticas no Observatório Astronômico do Rio de Janeiro. Fruto de horas de instrução, o jovem alferes realizou, em 15 de setembro de 1910, o seu primeiro voo.
Em novembro de 1910, concluiu o curso de Aerostação Militar, sendo promovido ao posto de 1º tenente em março de 1911. Àquela época, Kirk já se tornara uma referência dentro da Força no tocante a atividades aeronáuticas.
Em 1912, passou a ter instruções de voo com o italiano Ernesto Darioli, o que o habilitou a voar solo antes mesmo de viajar à Europa em busca de seu brevê.
Outro fato importante para a aviação nacional foi a criação do Aeroclube Brasileiro (AeCB) em 14 de outubro de 1911. Pouco mais de um mês depois, em 11 de novembro de 1911, Ricardo Kirk – um dos primeiros associados do AeCB – foi designado para fazer parte da comissão que iria escolher o terreno que receberia o novo campo de aviação.
No ano seguinte, Kirk realiza um curso especial na Escola Militar de Realengo, recebendo o grau de bacharel em Matemática e Ciências Físicas. Com o conhecimento técnico adquirido aliado à sua postura sempre dinâmica, Kirk destaca-se aos olhos de seus superiores. Como consequência, em meados daquele mesmo ano, o visionário tenente empreende viagem à França, devidamente autorizado pelo Ministro da Guerra, a fim de realizar o curso completo de pilotagem. Tal acontecimento reforça no jovem oficial a consciência da importância de trazer a aviação para o âmbito militar. Embarca ao final de julho para, triunfante, retornar em 22 de outubro de 1912 como o primeiro piloto aviador do Exército Brasileiro a conquistar um brevê internacional de pilotagem, emitido pela École d´Etampes, sob o nº 1089.
Durante a Campanha do Contestado, ocorrida na divisa entre Paraná e Santa Catarina, a aviação é empregada militarmente pela primeira vez no Brasil. O então General Setembrino de Carvalho, ao assumir o comando das forças legais contra os revoltosos daquela região, solicita ao Ministro da Guerra o apoio do Tenente Ricardo Kirk, sendo prontamente atendido.
Seguem, portanto, ambos para o sul do país, com aeroplanos e todo o material necessário ao cumprimento das missões que lhes caberiam. Em setembro de 1914, Kirk – então Comandante do Destacamento de Aviação – chegou com os aviões à região do conflito e, até fevereiro de 1915, empenhou-se na construção de campos de aviação – os primeiros construídos em campanha no território nacional. Assim, de forma pioneira, em 19 de janeiro de 1915, o bravo tenente realiza o primeiro voo de um avião em combate no Brasil, tendo por missão o reconhecimento da zona de conflito.
Foi enfrentando as adversidades de navegação aérea daquela época e as péssimas condições do clima típico da região que o destemido piloto se lançou na mais importante missão de sua carreira. O Comando das Forças Federais previa para 1º de março de 1915 o primeiro bombardeio aéreo em território brasileiro. Entretanto, a imposição das dificuldades climáticas levou o avião conduzido pelo Tenente Kirk a perder estabilidade. O audacioso piloto reluta em retornar à sua base e tenta um pouso em uma clareira. A manobra resultou em um impacto contra a vegetação local, o que fez seu corpo ser mortalmente arremessado para fora da aeronave.
Seu passamento prematuro representou um duro golpe sobre as iniciativas de organização da aviação militar, dado o seu inquestionável entusiasmo e engajamento por introduzir uma nova mentalidade de combate no seio do Exército.
Todavia, mesmo após a tragédia, o seu ideal de modernidade permaneceu vivo e, ao final da Primeira Guerra Mundial, todos sabiam que o aviador do Contestado estava certo. E, em 1918, chega ao Brasil a Missão Militar Francesa de Aviação – conhecida como “Pequena Missão” – com o objetivo de apoiar na criação do que seria a gênese da Aviação do Exército.
Enfim, o sonho torna-se realidade. Nasce a Aviação Militar por meio do Decreto nº 13.451 de 29 de janeiro de 1919, com a instalação da Escola de Aviação Militar no Campo dos Afonsos (RJ). Formam-se, a partir daí, os nossos primeiros pilotos, observadores aéreos, mecânicos e especialistas.
Atingindo certa maturidade, o Serviço de Aviação converte-se em Arma através da Lei nº 5.168 de 13 de janeiro de 1927. Nessa segunda fase, já com visão estratégica e de expansão no território nacional, a Aviação Militar estende seus trabalhos até 1941. Nesse período, novos Regimentos de Aviação são criados; inicia-se o Correio Aéreo Militar (CAM), precursor do atual Correio Aéreo Nacional (CAN); e aumentam as participações em combate, com destaque para o seu emprego na Revolução Constitucionalista de 1932.
Com a criação da Força Aérea Brasileira em 1941, a Aviação Militar entrega sua frota à Força irmã, deixando em suas mãos um legado inigualável.
Passados 45 anos sem a disposição de meios aéreos orgânicos, eis que nossa Força recrudesce a relevância desse importante vetor de apoio às operações terrestres. Assim, por meio do Decreto nº 93.206 de 3 de setembro de 1986, é recriada a atual Aviação do Exército.
A partir de então, nossas aeronaves – agora com modernas asas rotativas – passaram a cumprir missões em toda a extensão do território nacional, além de operar em outras nações do continente sul-americano. Entre nossos apoios internacionais, podemos destacar a Missão de Observadores Militares Equador- Peru (MOMEP).
Nada disso, no entanto, teria sido possível sem o corajoso empenho de Ricardo Kirk, agora promovido “post mortem” ao posto de capitão em reconhecimento por sua inquestionável bravura.
Aliás, coragem, bravura e determinação são apenas alguns dos adjetivos que, por meio da Portaria do Comandante do Exército nº 1.658 de 16 de dezembro de 2021, entronizaram o Capitão Ricardo João Kirk como o Patrono da Aviação do Exército.
O dia 23 de março, data natalícia do Cap Kirk, fica marcado para sempre como um tributo ao herói do Exército como merecido reconhecimento por todos os trabalhos realizados por ele, que culminaram na criação da Aviação do Exército, elevando sobremaneira as capacidades operativas da Força Terrestre.
AVIAÇÃO! BRASIL!
Brasília-DF, 23 de março de 2022.