Por Christian Vianna de Azevedo*
O Brasil, juntamente com a Guiana e Venezuela são os maiores produtores e exportadores de diamantes de aluvião na América do Sul. Os locais de maior ocorrência de extração de diamantes de depósitos de aluvião, no Brasil, estão nos estados de Minas Gerais, Mato Grosso, Rondônia e Roraima. Em Roraima, onde há grandes jazidas de diamantes nas áreas de interseção das fronteiras entre Brasil, Guiana e Venezuela,a extração diamantífera se concentra em alguns pontos específicos: Serra de Tepequém, Bacia dos Quinô, Suapi e Mau.
Diamantes extraídos e comercializados em seu estado bruto estão sujeitos às normas Kimberley, de alcance internacional. Estas normas impõem diversos requisitos, transparência e garantias ao país participante, de maneira que, diamantes comercializados internacionalmente devem vir acompanhados de certificados Kimberley que demonstrem que eles não são ‘diamantes de conflito’.
A KPCS-Kimberley Process Certification Scheme é a entidade internacional responsável por fomentar o comércio de diamantes extraídos de forma legal. Esta entidade surgiu, com o apoio da ONU, no ano 2000, como uma forma de enfrentar o comércio dos ‘diamantes de sangue’, que, à época, eram assim chamados porque eram extraídos em países africanos em conflito.
A proposta inicial era evitar que tais diamantes fossem usados para alimentar violentas guerras civis conduzidas por aqueles que visavam a subir ao poder de forma ilegítima. Ao longo dos anos, o conceito de ‘diamantes de sangue’ ou ‘diamantes de conflito’ se ampliou e passou a abarcar todos os diamantes que são extraídos e comercializados de forma ilegal, portanto criminosa. Ao todo, 81 países do mundo participam do processo Kimberley, cuja adesão é voluntária. Estes países se comprometem a fiscalizar sua produção de diamantes brutos, com o objetivo de que ela seja 100% legal. Portanto, diamantes brutos vendidos sem o certificado Kimberley são considerados diamantes de conflito, ou seja, diamantes extraídos e comercializados ilegalmente.
A Guianaé o segundo mais antigo produtor de diamantes da América do Sul, segundo a PAC- Partnership Africa Canada,uma das mais respeitadas entidades em estudos e pesquisas sobre diamantes de conflito do mundo. O país aderiu ao processo Kimberley em 2002. A atividade minerária é uma de suas indústrias mais importantes. O seu órgão governamental responsável por controlar e regular a atividade minerária é o GGMC-Guyana Geology and Mines Comission. As leis que regem a atividade de comercialização de diamantes na Guiana foram concebidas, aparentemente, com o objetivo de evitar o comércio ilegal e contrabando, e, portanto, primaram por desburocratizar a atividade de registro, compra e venda de diamantes e seus trâmites aduaneiros. Em verdade, estas facilidades legais atraíram os contrabandistas de diamantes para lá, de maneira que pudessem usufruir deste sistema desburocratizado.
A Venezuela tem operado fora do Sistema Kimberley desde 2006. Deste ano em diante nenhum certificado Kimberley foi emitido por este país. A sua atual produção de diamantes é desconhecida, mas segundo diversas fontes, estima-se que seja superior a 300.000 quilates. Em 2005, a Venezuela exportou regularmente 55.000 quilates de diamantes, neste mesmo ano sua produção total foi estimada em mais de 150.000 quilates, o que nos faz crer que aproximadamente 100.000 quilates foram contrabandeados de alguma forma e que boa parte deste montante, possivelmente, teve como destino o Brasil e a Guiana.
A partir de 2006 se tornou difícil estimar sua produção, posto que integralmente ilegal. O que se sabe é que a atividade minerária de diamantes em seu território, perto da fronteira com Brasil e Guiana, não para de crescer. Pelo fato de a Venezuela ter abandonado a certificação Kimberley desde 2006 e ter reiteradas vezes ignorado os apelos da entidade para que fiscalizasse a sua extração e comércio, o país foi, em 2013, finalmente banido da certificação e passou a figurar na lista das nações que não podem comercializar diamantes.
Historicamente, segundo dados da PAC e do Sistema Kimberley,há um fluxo regular, posto que ilegal, de diamantes em estado bruto entre Brasil, Venezuela e Guiana. Este comércio e trânsito de diamantes ocorre, principalmente, entre as cidades de Santa Elena de Uairén/Venezuela, Boa Vista/Brasil, e Lethem/Guiana. No Brasil, a presença de órgãos públicos que possam reprimir eficazmente a circulação de bens ilegais dentro do estado de Roraima é simbólica. Os órgãos responsáveis por vigiar estas fronteiras, apesar de presentes e atuantes, sofrem de carência crônica de profissionais. Por esta razão, a fiscalização de suas porosas e extensas fronteiras terrestres com a Guiana e Venezuela é, portanto, dificílima para os poucos agentes públicos que trabalham no Estado. No que se refere à Guiana e Venezuela, pode-se dizer que esta fiscalização fronteiriça é inexistente.
Normalmente, neste fluxo ilegal, os diamantes saem do Brasil e Venezuela para serem “legalizados” na Guiana, e de lá exportados para a Bélgica, Índia, Líbano, Israel e Emirados Árabes Unidos, principalmente. Estas mesmas entidades internacionais, PAC e Sistema Kimberley, reportaram pouca interação, cooperação e coordenação entre os órgãos fiscalizadores dos três países: Brasil, Venezuela e Guiana. Segundo eles, esta pouca interação concorre para a ineficiente repressão ao contrabando de diamantes nestas fronteiras. Para fins de ilustração, segundo o DNPM, até o ano de 2006 não houve um único certificado Kimberley emitido pela sua superintendência regional em Roraima. Isto é um forte indício de que os diamantes joalheiros extraídos em Roraima e sul da Venezuela não são exportados pelo Brasil.
Financiamento do terrorismo
De alguns anos para cá, diversas suspeitas em relação ao destino da produção diamantífera ilegal da Venezuela tem ganhado um contorno mais nítido. Além da questão do contrabando na região da tríplice fronteira, há suposições de que parte do comércio ilegal de diamantes da Venezuela seria possivelmente utilizado para o financiamento do terrorismo.
O uso de diamantes no financiamento do terrorismo não é uma novidade. O Grupo de Ação Financeira Internacional-GAFI elenca o contrabando de diamantes como uma das formas de financiamento de terrorismo. Os criminosos e terroristas utilizam o diamante e outras pedras preciosas pelo fato deste tipo de commodity concentrar alto valor em pequeno volume, portanto mais fácil de esconder e transportar, e de difícil detecção pelas autoridades aeroportuárias e fiscalizadoras; e, adicionalmente, por ser um bem facilmente conversível em dinheiro, em um mercado que muitas vezes se dispõe a ignorar a origem ilícita do mineral.
Organizações terroristas há muito utilizam o ‘diamante de conflito’ para financiar suas atividades. Há décadas que grupos como Al Qaeda e Hezbollah se beneficiam do comércio ilegal de diamantes oriundos da África Ocidental. Atualmente, até mesmo o ISIS já está envolvido nesta forma de financiamento, por meio de ‘diamantes de conflito’ africanos. Todavia, a Al Qaeda e o Hezbollah desenvolveram toda uma expertise e engenhosidade ao montar sua estrutura de contrabando que, de início, foi imensamente facilitada em razão de alguns destes países africanos produtores de diamantes exercerem pouco ou nenhum controle sobre seu território e terem governos altamente suscetíveis à corrupção.
Estes diamantes, originados na África, trazidos pelas mãos dos terroristas e suas redes criminosas chegam aos mercados do Oriente Médio, notadamente nos Emirados Árabes e Líbano. O Líbano, país que alberga o Hezbollah, estranhamente, possui um intenso comércio de diamantes. Apesar de não ter produção doméstica de diamantes, no que tange ao seu comércio regular, o país exporta mais do que importa; essa anomalia demonstra a falha das autoridades do país em controlar o contrabando de diamantes em suas fronteiras, e confere ao Líbano o título de uma das maiores lavanderias de ‘diamantes de conflito’ do mundo. Investigações policiais confirmam que algumas empresas de comércio de diamantes no Líbano tem conexões com organizações criminosas transnacionais envolvidas em lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo.
Já é de domínio público a nebulosa relação de alguns ocupantes do governo venezuelano com o Hezbollah. Diversas fontes sugerem um regular fluxo de armas e drogas entre Venezuela e Oriente Médio, conduzidos por integrantes do Hezbollah e sua diáspora venezuelana e, eventualmente, auxiliados por suas células que se projetam por diversos locais na América Latina.
Como visto mais acima, a produção diamantífera da Venezuela é um buraco negro. Não se sabe quase nada oficialmente sobre ela. Sabe-se, basicamente, sobre o que transborda para o Brasil, via Roraima, e para a Guiana. Mas esse fluxo, tão somente, não abarca toda a produção de diamantes advinda de lá. Algumas fontes já sugerem que parte da produção de diamantes venezuelanos teria entrado na rede de financiamento do Hezbollah e, similarmente às armas e drogas, seria periodicamente enviada ao Oriente Médio para ser comercializada no Líbano ou nos Emirados Árabes Unidos.
A indiferença e a ausência de esforço na fiscalização, controle e transparência no mercado de diamantes, como também a falta de regulamentação põem o governo da Venezuela como alvo de diversas críticas. Há os que insinuam que alguns representantes do governo seriam beneficiados, de alguma maneira, nos lucros do comércio ilegal, e por isso seriam opositores da transparência e fiscalização, pois seus dividendos ilegalmente auferidos seriam afetados. Outros creem que o governo venezuelano é incapaz de monitorar a extração e comércio de diamantes, por ocorrerem em regiões remotas e negociados de uma maneira extremamente informal. Os garimpeiros na Venezuela alegam que, dado o controle exercido pelo seu governo em outros setores da economia, caso o poder público controlasse a produção diamantífera, eles teriam seus lucros solapados pelos supostos preços fixos que seriam implementados e, no mercado negro, seus lucros são muito maiores. Portanto, os garimpeiros não teriam nenhum incentivo em trabalhar legalmente neste mercado.
Do ponto de vista da segurança pública e mesmo da segurança nacional da Venezuela, a indiferença do poder público em relação ao comércio ilegal de diamantes é perigosa. Afora a questão da presença do Hezbollah no país, há também o envolvimento das FARC, da vizinha Colômbia, em atividades de extração mineral ilícita. À medida que o governo colombiano combate as FARC em seu território, eles podem ser levados a buscar uma parte mais substancial do seu financiamento do outro lado da sua fronteira, na atividade minerária ilegal, uma vez que as FARC conhecem a facilidade em contrabandear diamantes e outros minerais extraídos na Venezuela.
Quanto à questão do financiamento do Hezbollah advindo de diamantes de conflito venezuelano, apesar de algumas fontes já indicarem a sua ocorrência regular, ainda não há confirmação documentada deste fato. Na realidade, em termos globais, são poucos os casos documentados de financiamento de terrorismo por meio do contrabando de diamantes disponíveis em fontes abertas, pois os órgãos policiais e de inteligência têm o cuidado de não detalhar os casos publicamente, enquanto estes casos envolvam questões de segurança nacional.
*Agente da Polícia Federal do Brasil. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) Minas.
FOTOS: Ilustrado pelo DAN com imagens da Internet
Eu tenho uma séria desconfiança de que o escoamento do contrabando se dá pelos rios e o transporte ao destino final se dá por via marítima pelo litoral da Guiana e do Suriname.
Contrabando de gemas. Taí uma prática que dura 500 anos no Brasil e não encontra interesse de controle do Estado. Talvez porque seja difícil controlar ou talvez porque os contrabandistas não sejam aqueles estilo Machete que vemos nos filmes, mas sim difusos, diluídos na chamada sociedade anônima, geralmente bancária. Não é à toa que os suíços, belgas e os austríacos eram os receptadores dos diamantes de sangue, por décadas. Aliás, há ou houve célula do Estado Islâmico em Antuérpia… vixi!
Eu tenho uma séria desconfiança de que o escoamento do contrabando se dá pelos rios e o transporte ao destino final se dá por via marítima pelo litoral da Guiana e do Suriname.
Contrabando de gemas. Taí uma prática que dura 500 anos no Brasil e não encontra interesse de controle do Estado. Talvez porque seja difícil controlar ou talvez porque os contrabandistas não sejam aqueles estilo Machete que vemos nos filmes, mas sim difusos, diluídos na chamada sociedade anônima, geralmente bancária. Não é à toa que os suíços, belgas e os austríacos eram os receptadores dos diamantes de sangue, por décadas. Aliás, há ou houve célula do Estado Islâmico em Antuérpia… vixi!
coitado dos garinpeiros a serviço das FARC, se tentarem fugir, vão levar uma granada na cara :p
coitado dos garinpeiros a serviço das FARC, se tentarem fugir, vão levar uma granada na cara :p