Por Mateus Barbosa
O Brasil em missões de paz
Desde 1956, com a Força de Emergência das Nações Unidas (FENU), as Forças Armadas Brasileiras(FFAA) participam de missões visando pacificar ou estabilizar nações assoladas por conflitos. Atualmente, o Brasil envia soldados para diversos países do mundo em missões de paz. O Brasil já participou de mais de 50 operações de paz e missões similares, tendo contribuído com mais de 50 mil militares, policiais e civis.
Priorizamos participar de operações em países com os quais mantemos laços históricos e culturais mais próximos, como nas missões realizadas em Angola, Moçambique e Timor-Leste, e, mais recentemente no Haiti e no Líbano. A participação do Brasil em operações de manutenção da paz é condicionada a observância dos princípios que regem tais missões de paz: consentimento das partes em conflito, imparcialidade e não uso da força (exceto em autodefesa ou defesa do mandato).
Conflito na República Centro Africana
Em 2012 um conflito armado se iniciou entre o Governo da Republica Centro Africana (RCA) e rebeldes, onde os rebeldes acusaram o governo do presidente François Bozizé de não cumprir os acordos de paz assinados desde 2007. Nesse mesmo ano (2012) nasceu a coalizão rebelde Séléka, composta por muçulmanos do nordeste do país, tendo como líder Michel Djotodia. O seu surgimento tem relação com questões étnicas, regionais, frustrações com o governo de Bozizé, devido à corrupção e sua incapacidade de desenvolver o país além da capital Bangui, e os comerciantes de diamantes não estavam nada satisfeitos com a situação que se apresentava, o que pode ter colaborado para que financiassem os Séléka.
No início de 2013 a coalizão Séléka coseguiu depor o Presidente Bozizé, com seu líder Michel Djotodia assumindo o poder. Entretanto, o país estava numa situação econômica difícil e o Djotodia não tinha recursos para manter a aliança com os Séléka, que acabou se dissolvendo. Como consequência, a maioria dos membros da aliança, muitos deles estrangeiros, não teve outra opção senão permanecer na RCA. Como conservaram suas armas, passaram a saquear as comunidades de maioria cristã e formaram então milícias, chamadas de Anti-Balaka. Para enfrentar o grupo rebelde, os civis, também acabaram se envolvendo no conflito, e o país mergulhou no caos em meio a ataques das milícias cristãs contra o grupo rebelde. Comunidades muçulmanas e cristãs, que anteriormente conviviam pacificamente, começaram a lutar entre si e dezenas de milhares de pessoas se refugiaram em igrejas e mesquitas temendo ataques.
As áreas mais atingidas foram o noroeste e a capital Bangui, regiões com maior diversidade étnica e onde se encontra o poder do país. Assassinatos, tortura e destruição de casas e locais de cultos passaram a ser relatados. Em dezembro de 2013, o conselho de segurança da ONU(CSNU) aprovou por unanimidade a criação da missão de paz da União Africana, batizada de Mission Internationale de Soutien à la Centrafrique sous Conduite Africaine(MISCA), a França logo determinou o envio de 1.600 militares para o país, onde tropas francesas e africanas lutaram lado a lado, mas a violência continuou e no início de janeiro de 2014 já se contabilizava cerca de mil mortos, com isso, iniciou-se um processo de identificação de líderes que pudessem restaurar a ordem depois de meses de violência inter-religiosa.
Catherine Samba-Panza foi eleita presidente interina da República Centro-Africana por um Conselho Nacional de transição, comprometendo-se a trazer paz e unidade ao país.
O que é a MINUSCA
Poucos dias após a posse da presidente Catherine, o CSNU autorizou o envio de uma força da União Europeia à RCA para reforçar as tropas francesas e africanas que estavam tentando conter a violência. Entendendo que o conflito poderia se transformar em genocídio, em 10 de abril de 2014, foi autorizado o estabelecimento de uma operação de paz multidimensional, a Multidimensional Integrated Stabilization Mission in the Central African Republic (MINUSCA).
Em 15 de setembro de 2014, de acordo com a resolução 2149 (2014) a ONU implantou uma equipe de transição para configurar a MINUSCA e se preparar para uma transição de autoridade perfeita de MISCA para MINUSCA. Em 2016 o efetivo da Missão passou a contar com mais de 10.000 militares de diversos países como Portugal, Paquistão, Bangladesh, Egito, Ruanda, Zâmbia, Marrocos, Camarões, dentre outros. Preocupado com a segurança, a humanidade, os direitos humanos e a crise política na RCA, e suas implicações regionais, a MINUSCA foi criada com a prioridade de proteger civis, dar suporte para o processo de transição; facilitando a assistência humanitária; a promoção e proteção dos direitos humanos; apoio à justiça e ao estado de direito; processos de desarmamento, desmobilização, reintegração e repatriamento.
O convite ao Brasil
O convite da ONU para que o Brasil se juntasse a MINUSCA aconteceu oficialmente no dia 22 de novembro de 2017, após o Conselho de Segurança aprovar o envio de mais 900 soldados da paz para proteger civis no país. O secretário-geral da ONU, António Guterres, convidou oficialmente o Brasil para participar da missão de paz com 750 militares. O Ministério da Defesa levará ao Presidente da República os termos formais da participação, que então enviará para aprovação do Congresso Nacional.
Como será a atuação do Brasil
No Haiti o emprego das tropas de paz na primeira fase (2004-2007) foi caracterizada por combates contra gangues que atuavam em áreas urbanas, onde predominava um confronto mais próximo, possibilitando o desenvolvimento da doutrina de atuação em ambiente urbano, doutrina essa utilizada nas missões de pacificação do Rio de Janeiro com. Agora, na MINUSCA a operação na RCA é reconhecida por embates em áreas rurais onde predominam confrontos em localidades distantes, o que acarreta um esforço logístico maior, pois o terreno é precário e muito adverso.
O Batalhão Brasileiro de Força de Paz (BRABAT), terá como desafio ajudar a estabelecer a paz na RCA, contribuindo com a redução de atividades rebeldes, ondas migratórias fugindo dos conflitos, além da preparação, treinamento e instrução das tropas Centro Africanas para que possam ao final da missão, assumir suas funções.
DOPAZ
Assim como foi no Haiti, onde foi empregado o Destacamento de Operações de Paz (DOPaz), o BRABAT além das suas companhias e pelotões de fuzileiros possuirá uma unidade especializada em operações especiais formada por comandos e forças especiais, remetendo a um Destacamento de Ações de Comandos (DAC) do Primeiro Batalhão de Ações de Comandos (1BAC). Essa subunidade do BRABAT terá como missão o reconhecimento especializado na identificação de líderes rebeldes e seus esconderijos, além de buscas e capturas. Pela complexidade das operações em terras africanas, faz se necessário o emprego cada vez maior de tropas deste tipo. Essa atuação de nossas tropas especiais trará o desenvolvimento, o aprimoramento e a consolidação da nossa doutrina de emprego de operações especiais em apoio às operações de paz, além da experiência em missões reais tão importantes para a capacitação dos militares.
Uma das tropas de operações especiais que já atuam na missão é a Companhia de Comandos de Portugal, formada por 160 militares, sendo 90 deles comandos que formam a Força de Reação Rápida da MINUSCA, atuando em todo território onde a Missão se estende. O emprego de soldados brasileiros nessa missão poderá reforçar o papel hoje cumprido pelos comandos portugueses além de poder atuar com soldados de operações especiais de nações amigas.
Meios a disposição
As notícias sobre o futuro emprego de militares brasileiros na MINUSCA, vem frisando a falta de meios para essa missão, principalmente no que tange as viaturas blindadas e sobre a aquisições de meios do tipo, uma vez que não se sabe de quanto tempo será a participação Brasileira. As forças armadas brasileiras poderão utilizar alguns meios usados na MINUSTAH, como o FFAA poderão empregar os mesmos meios empregados na MINUSTAH, como o Mowag Piranha, veículo blindado de transporte de pessoal utilizado pelos Fuzileiros Navais no Haiti.
O Contingente português da MINUSCA possui 55 viaturas a sua disposição, composto por viaturas Humvee e caminhões e viaturas 4×4 sem blindagem, não acarretando maiores alardes sobre os meios blindados a disposição. No teatro de operação da MINUSCA onde ocorrem enfrentamentos contra insurgentes armados utilizando armas leves e pesadas, existe uma preocupação quanto a proteção das tropas, não muito diferente do que o BRABAT encontrou no Haiti, sendo assim, o contingente brasileiro dotado de blindados que hoje estão à disposição das forças armadas como o Guarani, podem operar satisfatoriamente na MINUSCA.
Preparação
O adestramento das tropas de missão de paz é realizado pelo Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB), onde os militares aprendem sobre as Normas das Nações Unidas, Cultura e Língua do País no qual atuarão, além de estágios operacionais com a participação do Centro de Avaliação e Adestramento do Exército (CAADEX). A preparação dos contingentes que são substituídos a cada 6 meses, é feita durante o período que um contingente está ativo, o que proporciona a tropa em preparação se ambientar o máximo possível até que seja enviada para a missão real, preparação essa atrelada ao bom resultado operacional que distingue os militares brasileiros no que tange ao profissionalismo no cumprimento do dever.
Conclusão
O Brasil se orgulha de sua participação histórica e consistente nas operações de paz da ONU, sempre em consonância com a Constituição Federal, com os princípios da política externa brasileira e com o direito internacional. Coerência e prudência têm balizado a definição das missões nas quais há o engajamento do Brasil. Aliada ao exemplar desempenho dos militares, policiais e civis brasileiros, essa orientação tem permitido ao Brasil contribuir para um sistema internacional mais próximo dos ideais de paz, justiça e cooperação.
O governo brasileiro defende que os mandatos das operações de manutenção de paz destaquem a interdependência entre segurança e desenvolvimento como elemento indispensável a paz sustentável, bem como a necessidade de proteção de populações sob ameaça de violência e a ênfase na prevenção de conflitos e na solução pacífica de controvérsias. Com isso o Brasil se dirige para mais um desafio, de levar a paz aos necessitados e em troca trazendo a experiência de uma missão real elevando a moral e o reconhecimento internacional do profissionalismo do soldado brasileiro, além do aperfeiçoamento doutrinário nas atuações do tipo tendo um ganho reciproco a um custo menor do que seria uma missão sem apoio financeiro da ONU.
Certamente teremos perdas devido a complexidade da missão mas esperamos que tudo corra bem, que a MINUSCA seja mais uma missão cumprida com sucesso pelas nossas FFAA, e que quando terminar nossa participação, o governo da RCA consiga se estabilizar com as “próprias pernas”.
“FORÇAS DE PAZ, BRASIL!”
Autor: Mateus Barbosa é Gestor em segurança pública.