Retrospectiva histórica do destino heróico do Cruzador ‘Bahia’

Cruzador Bahia

Por Contra-Almirante (RM-1) Odyr Buarque de Gusmão

A Segunda Guerra Mundial já havia terminado em 8 de maio de 1945 no Teatro de Operações da Europa. Entretanto, a Marinha do Brasil continuava no mar guarnecendo no corredor DAKAR-NATAL estações, pontos previamente selecionados, para servir como referência à navegação e prestar qualquer auxílio aos aviões que regressavam da Europa repatriando as tropas americanas ou transferindo-as para o Pacífico. Na estação 13, localizada a cerca de 500 milhas náuticas a Nordeste de Natal, encontrava-se o Destróier-Escolta “Bauru”, este mesmo que se encontra hoje atracado no Espaço Cultural da Marinha no Rio de Janeiro.

Na manhã do sábado dia 30 de junho de 1945, uma típica manhã de nosso Nordeste, o Cruzador “Bahia” suspendeu do porto de Recife para render o Destróier-Escolta “Bauru” na estação 13. O scout “Bahia”, construído pela Casa Armstrong na Inglaterra, fazia parte do Programa Naval de 1907 do Ministro da Marinha, Almirante Alexandrino de Alencar. Navio antigo, obsoleto, tecnicamente ultrapassado, mas querido de sua Guarnição que, carinhosamente, o chamava de Velhinho. No dia 3 de julho dá-se o “rendez- vous”, é assim como os Marinheiros chamam os encontros no mar. Lá estava o “Bauru” na Estação 13. Não sei e não compreendo porque escolheram esse fatídico número 13. Marinheiros são supersticiosos, falta grave que convém sempre evitar.

Nesse marzão nordestino, azul ou verde, é sempre motivo de grande alegria no mar o encontro de dois navios, sejam de guerra ou mercantes. Trocam-se acenos, sinais de
apito e amistosas mensagens de fonia. Significa a quebra da monotonia num ambiente cercado pela imensa massa oceânica e, na maior parte das vezes, por um azul celeste, clarinho como os olhos de minha avó Alice. O “Bauru” tem pressa, dentro em breve estará regressando ao Rio para reparos onde os aguardam namoradas, noivas, esposas e filhos e pais. Aos marinheiros nordestinos a boemia.

Sem quaisquer explicações, pois os Comandantes nas Marinhas são soberanos – Deus no céu e os Comandantes a bordo, com poder de vida ou morte em suas decisões – o Capitão-de-Corveta Paulo Antonio Teles Bardy, Comandante do DE “Bauru” determina a seu oficial de quarto Tenente Ary Jones: mande “tocar postos de continência”- Honraria máxima prestada a autoridades. No caso, prestada ao Capitão-de Mar-e-Guerra Garcia D`Ávila Pires de Carvalho e Albuquerque , representando seu navio, o Cruzador “Bahia”.

Ary Jones, sem bem compreendê-la, não hesita, cumpre a ordem com presteza: – “Seu Mestre”, toque postos de continência”. Com igual presteza ouve-se o trinar do inconfundível apito marinheiro. Este cerimonial tem algo de místico, fantasioso, todos assumem uma posição mais marcial. Da rede geral de fonoclama, ouve-se a voz firme e grave. “Bauru” guarnecer postos de continência”. Tudo se transforma – Bown, bown , bown. …Todos num acelerado passo, Oficiais e Praças, assumem seus postos.
Bardy manobra seu navio de modo a passar bem próximo do “Bahia”. É um momento solene, corações batem com mais vigor. Bardy, o ainda jovem Capitão-de-Corveta, presta sua continência ao Oficial Superior mais antigo presente e não só a ele, mas àquele grupo de homens que guarneciam seu companheiro de longas travessias em comboios para Trinidad Tobago transportando material estratégico para a Vitória dos Aliados e de nosso interesse. Sem bem o saber, Bardy prestava a última homenagem da Marinha do Brasil a seu Velho Barco – o Cruzador “Bahia”.

Os navios se afastam. O “Bauru” toma o Ru mo Sul em demanda ao Rio, o “Bahia” permanece solitário na Estação 13, apenas um ponto geográfico assinalado nas cartas náuticas. O Almirante Lúcio Torres Dias, de quem tive o privilégio de sua amizade, foi dos dezessete (17) Oficiais do “Bahia”, o único que sobreviveu ao naufrágio.

Autenticidade maior em relatá-lo não teria condições de retransmiti-la aos que, por ventura, me prestigiem com suas leituras:

“Na manhã de 4 de julho de 1945, encontrava-me de serviço no camarim da máquina, quando fui surpreendido por uma forte explosão ocorrida na popa. O choque psicológico foi terrível – o sopro da explosão varreu o convés, tudo destruindo. Estima-se que, naquele primeiro momento, mais de cem vidas se perderam. Meios de salvamento foram destroçados, o mastro tombou, e o incontrolável alagamento pelos tubos dos hélices e o rombo na popa fizeram com que o “Bahia” afundasse, verticalizado, em cerca de quatro minutos.

O martírio, entretanto estava por vir. Os sobreviventes, reunidos em dezessete (17) balsas superlotadas, sofreram os rigores do mar em verdadeira grandeza – dias tórridos, noites frias, presença constante de tubarões e das cáusticas águas- vivas, perda progressiva da consciência, que se instalava em vagas de loucura transitória, sem alimentação de qualquer espécie e, acima de tudo, a sede, o maior de todos os sofrimentos. Inúmeras aeronaves, voando em baixas ou altitudes elevadas, passavam, mas não nos viam e nada mudou durante quatro dias e quatro longas noites. Se as condições climáticas noturnas
eram mais bem suportadas, psicologicamente a sensação de abandono aumentava terrivelmente.

A salvação veio por acaso, com a presença na área do mercante inglês SS Balfe da Companhia The Lamport & Holt Line que procedia da Inglaterra em demanda a Santos transportando cimento. Um modesto tripulante, um simples ajudante de cozinha, o também jovem Raymond Charlie Highams, 17 anos, curioso ao ouvir ruídos estranhos, levantou-se de seu descascar batatas e, perplexo, viu passando junto a seu navio uma balsa e um homem desesperado acenando um pedaço de pano pedindo socorro. Mais tarde, constatou-se que nessa balsa havia dois outros náufragos desfalecidos. A ajuda humanitária prestada, desde os primeiros momentos pelo Balfe aos náufragos foi inestimável. A primeira grande dificuldade consistiu no embarque dos sobreviventes, alguns já muito debilitados ou terminais, exigindo que homens do navio inglês descessem pela escada de quebra- peito para passar os coletes apropriados e os içarem para bordo. A presença das balsas atraiu um grande número de tubarões, que enfurecidos tentavam saltar para seu interior. Com o inútil propósito de afastá-los da área, militares da Royal Navy disparavam tiros de armas portáteis. O aparecimento de sangue dos próprios tubarões tornou a situação muito perigosa, pois eles se devoravam.

Os sobreviventes, ao chegarem ao convés do Balfe, eram despidos e deitados sobre uma lona e abrigados por um cobertor. Passavam por um precário exame médico, pois a bordo não havia médicos, embora existisse enfermaria. A todos era fornecida uma forte bebida alcoólica. Aos primeiros goles, a sensação de queima era insuportável.” A comunicação foi difícil até o embarque de Tenente Lúcio, que dominava bem o idioma inglês.

Na balsa do Tenente Lúcio, que foi a penúltima a ser recolhida tão logo o Balfe chegou à área, encontravam-se mais três sobreviventes. Mais tarde, outros recolhimentos foram realizados, que acabaram por permitir o recolhimento das dezessete (17) balsas lançadas pelo “Bahia”. Cinco (5) dos náufragos recolhidos faleceram na travessia para Recife e foram sepultados no mar com as Honras Fúnebres prescritas no cerimonial marítimo. O alarme dado pelo Balfe desencadeou providências para que fossem para a área unidades da 4ª Esquadra Americana e da Força Naval do Nordeste (FNNE). A assistência médica prestada por médicos e enfermeiros americanos e brasileiros foi excelente.

Lúcio sobre a tragédia do “Bahia” tudo ouviu, presenciou e participou. Não acredito que tivesse dúvidas sobre a causa de seu afundamento – explosão das bombas de profundidade armazenadas no convés do tombadilho e das dispostas nas calhas de lançamento. A explosão foi ocasionada por disparos intempestivos ocorridos na metralhadora Oerlinkon de 20 mm número 7, instalada no eixo axial do navio. Os projeteis atingiram as bombas de profundidade por não terem sido instalados esbarros limitadores de conteira e elevação.

Não têm fundamentos versões de que submarinos alemães, que se internaram na Argentina após a guerra, tenham torpedeado o “Bahia”. As perdas em vidas humanas durante a explosão, por ocasião do afundamento e no período nas balsas foram as maiores ocorridas na Marinha, superando mesmo a explosão do Encouraçado Aquidaban na Ilha Grande no século passado.

Em todo o episódio ocorreram as seguintes mortes em consequência do acidente: Comandante Garcia D’Ávila, dezesseis (16) oficiais, quinze (15) Suboficiais, quarenta e
dois (42) Sargentos,duzentos e vinte e quatro (224) Cabos e Marinheiros, vinte e nove (29) Taifeiros, cinco (5) Fuzileiros Navais e quatro (4) Marinheiros Americanos, num total de trezentos e trinta e seis (336) mortos.

Em túmulos de Marinheiros não florescem rosas, mas no dia 4 de julho, nós Brasileiros não podemos relegar ao esquecimento este triste acontecimento elevando num pleito de gratidão, nossas preces e pensamentos a esses Heróis, que contribuíram para que tenhamos esta tão Bela, tão Rica e Grande Nação. Soberana, Cristã, Multirracial e livre de Políticas contrárias às nossas Tradições.

FONTE: G1

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