Na terça-feira 17, a presidenta Dilma Rousseff começou a trabalhar cedo. Logo às oito horas da manhã, ela partiu para Recife, onde visitou as obras da refinaria Abreu e Lima, da Petrobras. Na capital pernambucana, Dilma participou, ainda, de uma cerimônia no Estaleiro Atlântico Sul. No fim da tarde, já de volta ao seu gabinete no Palácio da Alvorada, em Brasília, convocou o ministro da Defesa, Celso Amorim, e o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, para uma reunião fora da agenda. Nesse rápido encontro, a presidenta comunicou-lhes uma decisão há muito aguardada, que só seria anunciada publicamente no dia seguinte: a bilionária compra dos caças da sueca Saab, o Gripen NG.
Explica-se: o acordo da FAB com a Saab pode colocar o Brasil no seleto grupo de países que produzem aviões supersônicos. O contrato, estimado em US$ 4,5 bilhões, não se restringe à importação pura e simples das aeronaves, que serão entregues até 2023. Ele é muito mais amplo, pois prevê o desenvolvimento de jatos militareses sueco-brasileiros, que poderão ser inclusive vendidos para outros países. Os detalhes da parceria com as empresas brasileiras ainda serão negociados ao longo do próximo ano, mas a promessa de transferência tecnológica e de desenvolvimento compartilhado foi essencial para a escolha da Saab.
“Foi uma decisão objetiva, baseada em performance, transferência efetiva de tecnologia e custo”, disse o ministro da Defesa. A proposta sueca era a que oferecia o melhor preço entre as três concorrentes. O CEO da Saab, Håkan Buskhe, destacou esse fator decisivo. “A Saab acredita que o anúncio de hoje representa um forte compromisso do governo brasileiro e estamos ansiosos para prover a Força Aérea Brasileira com o caça líder mundial e com melhor custo-benefício”, afirmou o executivo, em comunicado. Na quinta-feira 19, as ações da companhia sueca, negociadas na bolsa de Estocolmo, dispararam 30%.
A decisão sobre a compra dos caças foi marcada por inúmeras idas e vindas, adiamentos e lobbies de toda ordem, envolvendo figurões políticos deste século, como o presidente americano, Barack Obama, os franceses Nicolas Sarkozy e François Hollande e o russo, Vladimir Putin. Em 2009, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os caças franceses Rafale, que contavam com o poderoso lobby de seu ministro da Defesa, Nelson Jobim, chegaram a ser anunciados como vencedores, pelo próprio Lula. A justificativa era a parceria militar que já existia com a França para a produção de helicópteros e submarinos (confira quadro “Renovação militar”). No ano seguinte, o então presidente recuou.
O governo sueco, que, ao contrário do americano e do francês, se manteve à margem da disputa, já garantiu o direito permanente aos equipamentos – isso significa que o Brasil pode vender o avião para outras países, com os equipamentos suecos, sem nenhuma restrição. Nos Estados Unidos, ao contrário, a venda para terceiros países precisa ser aprovada pelo Congresso. “Os Gripens brasileiros sairão das fábricas brasileiras, assim como as futuras exportações para outro países”, disse à DINHEIRO o vice-presidente de Aeronáutica da Saab, Lennart Sindahl, que chegou a Brasília na sexta-feira 20 para começar a discutir com o governo brasileiro os detalhes do contrato.
EM CONSTRUÇÃO O Gripen NG é uma evolução do Gripen, que já é utilizado pelas forças aéreas de cinco países, como Hungria, República Tcheca, África do Sul e Tailândia, além da Suécia. A sigla NG quer dizer Nova Geração. “Algo que pesou para o governo é que o Gripen é um projeto no qual podemos entrar e participar”, afirmou Nelson During, editor do site especializado Defesanet. “O F-18 e o Rafale são projetos acabados.” A desvantagem, neste caso, é que o Gripen não é um caça testado em combates reais. Mas está aberto para contribuições de terceiros, pois está em desenvolvimento.
Com isso, as empresas brasileiras têm a possibilidade de participar ativamente do projeto. Antes mesmo de vencer a disputa, a Saab já havia fechado parcerias com 15 empresas locais. Os executivos da matriz, que acompanham o vice-presidente Sindahl, se reúnem nesta semana com a Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate (Copac), do Ministério da Defesa, para discutir os detalhes do projeto. Independentemente dos acertos finais, entre os vencedores da guerra dos caças há mais gente, além da Saab. Várias empresas brasileiras saem ganhando com a opção do governo pelo Gripen NG.
Afinal, cerca de 40% da aeronave deve ser fabricada no Brasil. Estima-se também que 80% da estrutura do caça será desenvolvida no País. A Embraer, presidida por Frederico Curado, será a principal parceira dos suecos, responsável pela montagem do Gripen NG, provavelmente em sua fábrica de aviões militares, em Gavião Peixoto, no interior paulista. A Akaer, de São José dos Campos, que presta serviços de alta tecnologia aos setores aeroespacial e de defesa, já vem trabalhando há quatro anos no desenvolvimento da asa e da fuselagem do jato. Na empresa, o projeto foi batizado de Gripen NG BR.
“Hoje, temos a Embraer, mas os componentes são produzidos fora”, afirma Cesar Augusto da Silva, CEO da Akaer, empresa na qual a Saab detém 15% do capital, com opção de chegar a 40%. “Agora, poderemos até exportar para outros países.” A exportação já faz parte dos planos da Saab, que, além de abastecer a Força Aérea sueca, está prestes a fechar um contrato para fornecer o Gripen NG para a Suíça. Todos terão a tecnologia brasileira da Akaer. O projeto também deve criar um novo polo industrial em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Berço da indústria automobilística brasileira, o município está estagnado, sem receber novos investimentos industriais, que têm tomado o rumo de cidades do interior de São Paulo e de outros Estados.
A própria Akaer deve localizar sua linha de produção na região do ABC, a exemplo da Saab, que deve construir ali uma fábrica para produzir toda a parte da estrutura do Gripen NG. A atração desses investimentos transformou o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho (PT), em um dos principais defensores da escolha das aeronaves da Saab. Desde o governo Lula, o petista já transitava entre o Brasil e a Suécia para negociar investimentos da companhia em sua cidade. Em 2011, ela foi escolhida para receber o Centro de Pesquisa e Inovação Sueco-Brasileiro, que custou US$ 50 milhões. Para ele, a escolha do Gripen traz benefícios não só para São Bernardo. “Era uma proposta mais amarrada, com transferência de tecnologia e ainda parceria imediata para investimentos”, diz Marinho.
“O caça sueco é de baixo custo e poderá ser desenvolvido em grande parte no País, inclusive, pela Embraer, o que dará à empresa um conhecimento muito importante na área militar.” O ressurgimento da indústria bélica não se limita ao principal cliente interno, as Forças Armadas. A ambição dos fabricantes de equipamentos dos mais diversos tipos, incluindo armas leves letais e não letais, é voltar a ganhar terreno fora do Brasil. Pelas contas da consultoria americana Small Arms Survey, ao menos no segmento de armas leves (pistolas e fuzis, por exemplo), que movimenta US$ 8,5 bilhões por ano, o Brasil já recuperou seu protagonismo e se coloca como a quarta força, atrás de Estados Unidos, Itália e Alemanha.
Embalados com essa movimentação, nomes tradicionais, como a gaúcha Taurus, estão desenhando novos modelos de rifles de assalto para serem usados por Forças Armadas e para equipar unidades especiais de polícias metropolitanas. O mercado externo garantiu à Taurus 70% de seu faturamento de R$ 701 milhões no ano passado. Caminho semelhante vem sendo seguido pela estatal Imbel, que tem no rifle FAL seu principal trunfo e está modernizando a produção, de olho nesse mercado em expansão. O mesmo vale para a categoria de armas não letais, na qual se destaca a carioca Condor, fabricante de bombas de efeito moral, de gás lacrimogêneo e pistolas de choque, utilizadas em manifestações e brigas de torcida.
Na avaliação do vice-presidente executivo da Imbel, general Américo Valdetaro, o Regime Especial Tributário da Indústria de Defesa, programa do Ministério da Defesa que fará desonerações para produtos do setor, e a finalização na negociação dos caças serão preponderantes para o aquecimento do setor de defesa. “Veremos várias empresas se interessando e ajudando a suprir a demanda necessária com produtos nacionais”, diz Valdetaro. Mas a grande vedete desse renascimento do setor de defesa, sem dúvida, têm sido os armamentos de grande porte, como submarinos e aeronaves.
Até porque o grande desafio das Forças Armadas é resguardar os interesses estratégicos e econômicos do País na área do pré-sal. Foi graças à descoberta dessas gigantescas jazidas de petróleo que a Marinha conseguiu reativar o projeto de fabricação de submarinos, um projeto de R$ 8 bilhões para a produção de cinco submarinos, um deles com propulsão nuclear. A produção, que acontece em Itaguaí (RJ), está sendo tocada pelo Grupo Odebrecht, que criou uma divisão de defesa para explorar contratos nessa área. A expectativa da Odebrecht Defesa e Tecnologia (ODT) é fechar o ano com receita na faixa dos R$ 400 milhões.
Outra que também começou a ver oportunidades em larga escala é a Helibras, subsidiária do francês EADS, o maior grupo aeronáutico do mundo, e única fabricante de helicópteros do País. A assinatura de contrato para a venda de 50 helicópteros EC725 para o Ministério da Defesa fez com que a empresa investisse na instalação de uma linha de montagem específica do modelo, em sua fábrica em Itajubá, na qual investiu R$ 420 milhões. A parceria com o Ministério também contempla a modernização da frota de 33 aeronaves Esquilos usadas pela Aviação do Exército. O mesmo será feito em relação aos modelos AS365K, mais conhecidos como Pantera.
O crescimento do mercado bélico anima também empresas que ainda não têm contratos com o governo. A alemã Krauss-Maffei Wegmann (KMW), que pretende iniciar em 2014 a operação de sua fábrica de veículos blindados em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, vê com otimismo a disposição do governo brasileiro de entrar para valer nesse mercado. Para o diretor-geral da companhia no Brasil, Christian Böge, o programa F-X2 vai estimular o conhecimento tecnológico brasileiro. “O Brasil terá acesso a informações de ponta”, afirma Böge. “Algo que sempre parecia muito distante.” Agora, bem menos distante, diga-se. Depois de um período de vacas magras, nos anos 1990 e meados da década passada, o orçamento da Defesa vem sendo recomposto.
Em 2003, por exemplo, a pasta tinha apenas R$ 4,6 bilhões para gastos com custeio e investimento. Em 2008, quando foi publicada a Estratégia Nacional de Defesa, o orçamento já havia aumentado para R$ 9,6 bilhões. Agora, neste ano, um novo salto, para R$ 18,6 bilhões, com previsão de chegar a R$ 19,6 bilhões em 2014. Aparentemente, é só o começo. Com a entrada no restrito clube dos fabricantes de caças militares permitido pela transferência de tecnologia trazida pelo Gripen NG, essas cifras se multiplicarão nos próximos anos, gerando negócios e empregos no País. Só em São Bernardo, por exemplo, o prefeito, Luiz Marinho, prevê a criação de 5.800 novos postos de trabalho.
Fonte: Isto É Dinheiro – Carlos Eduardo Valim, Rosenildo Gomes Ferreira, Luciele Velluto e André Jankavski