Por Ricardo Bonalume Neto
Porém, a mesma energia provê boa parte da eletricidade em vários países e também ajuda no diagnóstico e tratamento de doenças como câncer.
E também serve para a propulsão de navios guerra, notadamente os enormes porta-aviões nucleares americanos de 100 mil toneladas de deslocamento, e uma grande frota de submarinos criada por cinco países –EUA, Rússia, França, Reino Unido e China.
O Brasil quis fazer parte do clube nuclear desde a década de 1950. Um dos principais pioneiros, talvez o mais importante, foi um almirante Álvaro Alberto, cujo nome foi escolhido para batizar o primeiro SN-BR (submarino
nuclear brasileiro), que a Marinha espera lançar ao mar em 2029.
O almirante de esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior, diretor-geral do Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, deu mais detalhes do andamento do projeto. Como ele resume, “poucos países no mundo tiveram condições de conquistar, até hoje, essas tecnologias”.
Folha – O programa nuclear da Marinha existe desde a década de 1970. Não há dúvida de que houve progressos desde então, por exemplo no enriquecimento de urânio, mas o país ainda está longe de ter um submarino nuclear –algo que os americanos obtiveram nos anos 1950. Que garantia tem o país de que, desta vez, o programa está no rumo certo? O primeiro submarino convencional, Riachuelo, ficará pronto no tempo previsto?
Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior – O Programa Nuclear da Marinha (PNM) sempre esteve no rumo certo, sem sombra de dúvidas. O que ocorre é que ele é um programa de Estado, de longo prazo, como todos os
programas desta magnitude e complexidade.
Outro aspecto importante a se levar em conta é o fato de a tecnologia nuclear não ser transferida por nenhum país. Ou seja: tivemos que desenvolvê-la de forma autônoma.
É preciso lembrar, também, que o Programa Nuclear da Marinha, iniciado em 1979, compreendia dois grandes projetos: o domínio do ciclo do combustível nuclear; e a construção do Laboratório de Geração Nucleoelétrica (Labgene).
O primeiro foi concluído em 1987, quando a Marinha divulgou, oficialmente, o domínio do difícil processo do enriquecimento de urânio por ultracentrifugação, tecnologia de alto valor agregado.
A partir dessa tecnologia, a Marinha passou a colaborar com as Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e, desde 2000, fornece ultracentrífugas para sua planta industrial em Resende (RJ), onde é produzido o combustível nuclear para as Usinas de Angra, um bom exemplo do uso dual dessa tecnologia.
Quanto ao segundo projeto, estamos vendo nossos objetivos iniciais se tornarem realidade, com a proximidade do comissionamento do Labgene, a primeira instalação de energia nucleoelétrica totalmente projetada no país, que será, em terra, o protótipo da planta de propulsão do nosso submarino nuclear. Poucos países no mundo tiveram condições de conquistar, até hoje, essas tecnologias.
No que diz respeito ao primeiro submarino convencional, o “Riachuelo”, parte do nosso Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), ele será lançado ao mar no ano que vem, cumprindo o que está previsto no cronograma do programa atualmente em vigor.
Folha –A simples expressão “energia nuclear” gera medo em muitas pessoas. Que outros objetivos têm o programa para a sociedade brasileira?
Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior –É compreensível que haja certo receio em relação à energia nuclear, mas ele se deve, fundamentalmente, a muita desinformação e preconceito. As tecnologias desenvolvidas pelo Programa Nuclear da Marinha geram inúmeros benefícios para a sociedade brasileira.
O fato de termos o domínio do ciclo do combustível e a tecnologia de construção de plantas nucleares, por exemplo, é garantia de que podemos ampliar nossa matriz energética com geração limpa de eletricidade.
Outro exemplo concreto desses benefícios é o projeto do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB). Trata-se de um empreendimento da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), de grande alcance social e arrasto tecnológico, que se beneficiará do esforço e do investimento realizados pelo Programa Nuclear da Marinha.
Com ele, vamos ser menos dependentes e mais eficientes na produção de radiofármacos, para emprego na medicina nuclear e fundamental no diagnóstico de diversas enfermidades e no tratamento de vários tipos de câncer.
Hoje, para termos uma ideia, o uso per capita de procedimentos de medicina nuclear no Brasil é duas vezes e meia menor que na Argentina e seis vezes menor que nos Estados Unidos.
Outros impactos positivos do investimento em energia nuclear são a nacionalização de processos e equipamentos industriais, as inovações decorrentes das parcerias do programa com universidades e institutos de pesquisa e a geração de empregos diretos e indiretos, sem contar os reflexos diretos do programa na conquista de nossa independência em tecnologias sensíveis e no desenvolvimento da indústria nacional de defesa.
Folha –A Marinha tem investido muito em instalações em Iperó e Itaguaí para produzir um submarino nuclear. Mas, como se costuma dizer, quem tem só um, não tem nenhum –pois o navio tem que ficar parte do tempo em trânsito, ou na sua base. Há planos para produzir mais submarinos?
Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Junior –O Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), decorrente do Acordo Estratégico com a França, assinado em 2008, compreende a construção de quatro submarinos convencionais (S-BR), um com propulsão nuclear (SN-BR) e a construção de uma infraestrutura industrial e de apoio para construção, operação e manutenção dos submarinos.
Também envolve a transferência de tecnologia e, fruto dessa transferência, em janeiro deste ano foi concluído, com sucesso, por engenheiros e técnicos brasileiros, o projeto do SN-BR.
Cabe lembrar, contudo, que a Estratégia Nacional de Defesa estabelece que “o Brasil contará com uma força naval submarina de envergadura, composta de submarinos convencionais e de submarinos de propulsão nuclear. O Brasil manterá e desenvolverá sua capacidade de projetar e de fabricar tanto submarinos de propulsão convencional, como de propulsão nuclear.”
Seguindo essa orientação, já estão em andamento os estudos que avaliam as possibilidades de ampliação do programa no futuro, utilizando as instalações de que dispomos.
FONTE: Folha SP