Por Ricardo Cabral Fernandes
O único porta-aviões francês, o Charles de Gaulle, tem pelo menos 50 marinheiros infectados por coronavírus e está regressando a França, onde os seus marinheiros vão desembarcar para serem tratados. É uma abordagem que contrasta com a que a Marinha dos Estados Unidos adotou ao focar-se na prontidão de combate do USS Theodore Roosevelt, o primeiro de três porta-aviões americanos com casos de coronavírus.
“Os resultados de 66 testes mostram 50 casos de covid-19 a bordo do Charles de Gaulle. Não há deterioração do estado de saúde dos marinheiros”, disse em comunicado Ministério das Forças Armadas francês, referindo que três marinheiros foram transportados de imediato para um hospital militar em Toulon, no Sul de França.
A Marinha francesa enviou uma equipe para realizar testes a bordo assim que suspeitou de casos de coronavírus no porta-aviões nuclear francês com uma tripulação de 1760 pessoas. Partes do navio foram postas em quarentena e os casos suspeitos foram testados, a que se juntaram outras medidas de segurança destinadas a proteger os marinheiros, sem o Ministério das Forças Armadas dar mais pormenores.
O porta-aviões estava participando de exercícios militares no Mar Báltico e já se dirige a Toulon, onde se encontra a sua base, diz a Reuters. Já a AFP diz que o navio estava participando num exercício no Atlântico.
A gestão da situação do porta-aviões francês contrasta com a abordagem adotada pelo Pentágono quando se soube que havia vários casos de coronavírus no Theodore Roosevelt, um dos dois porta-aviões destacados no Pacífico Ocidental para projetar poder militar contra a China e a Coreia do Norte. No total, já há três porta-aviões com infecções a bordo, o que poderá pôr em cheque a capacidade operacional da Marinha americana.
O secretário interino da Marinha americana, Thomas Modly, anunciou em 24 de Março que três marinheiros dos 5000 no Theodore Roosevelt estavam infectados, esta quinta-feira foram detectadas 416 infecções (229 delas assintomáticas), aguardando-se os resultados de 1164 testes. Não há relatos de equipes destacadas para realizar testes logo após as primeiras detecções e só quando os casos começaram a aumentar, dois dias depois, é que o secretário interino ordenou ao porta-aviões que atracasse na ilha de Guam, para que os marinheiros fossem testados.
Marinheiros e seus familiares tinham partilhado nas redes sociais vídeos alertando para a situação, com poucas consequências. O comandante do Theodore Roosevelt, Brett Crozier, temeu pela vida dos seus marinheiros e pediu aos seus superiores hierárquicos para que medidas agressivas fossem tomadas, mas a hierarquia mostrou-se mais preocupada com a prontidão de combate do navio de guerra, apesar de ter prontificado todos os recursos que foram pedidos.
O comandante queria que 90% da sua tripulação desembarcasse na ilha de Guam, mas a hierarquia da Marinha recusou-o por colocar em causa a operacionalidade do navio de guerra. Insatisfeito, o comandante escreveu e enviou por canais não seguros uma carta a 30 pessoas com cargos superiores na Marinha que acabou por ser publicada no San Francisco Chronicle.
“Não estamos em guerra. Os marinheiros não precisam morrer. Se não agirmos agora, estaremos falhando em cuidar apropriadamente dos nossos ativos mais importantes: os marinheiros”, escreveu Crozier na carta de quatro páginas. “A propagação da doença está ocorrendo e acelerando”.
As palavras do comandante desautorizaram publicamente o secretário interino da Marinha. Modly tinha dito dias antes que a Marinha estava sendo capaz de lidar com o surto ao ter identificado todos os infectados, entretanto postos em quarentena.
Em conflito aberto com a hierarquia, Crozier foi afastado do cargo por Modly, apesar de este considerar que o comandante pensou no melhor para os seus marinheiros. “Não tenho dúvidas de que o comandante Crozier fez o que achava ser o melhor interesse e bem-estar da sua tripulação”, disse o secretário da Marinha, salientando que, no entanto, fez o oposto.
Ao abandonar o porta-aviões, Crozier foi ovacionado por centenas dos seus marinheiros e Modly criticou-os, acabando depois por apresentar sua demissão por causa das duras críticas. E, agora, a Marinha não afasta a hipótese dele voltar ao cargo, o que poderá resultar num confronto entre o secretário interino e a hierarquia militar, à semelhança do que aconteceu com o SEAL americano Eddie Gallagher. Uma parte significativa dos marinheiros já desembarcou em Guam, onde fizeram testes e receberam cuidados de saúde.
FONTE:Publico.pt