Por Marina Gonçalves
— Dependíamos do resultado do processo eleitoral, que começou em agosto de 2015 e só foi encerrado em janeiro deste ano, para chegar à conclusão de que o país está preparado para a saída das tropas. A estabilidade política e a questão da segurança foram os dois pilares para chegar a esta avaliação, que agora será apresentada na ONU — explicou ao GLOBO, por telefone, de Porto Príncipe. — A ideia de que o país pode caminhar com as próprias pernas é nosso maior legado.
Radiografia da Minustah
Como funciona a missão da ONU
Decisão será tomada em abril
Em abril, o Conselho de Segurança das Nações Unidas irá se reunir para bater o martelo, confirmando ou não as conclusões da missão que visitou o Haiti. Mas o comandante acredita que, até outubro, todos os 2.366 militares de 19 países já tenham deixado o país. Segundo ele, as razões para a decisão são muitas: as instituições têm funcionado, mesmo que com pequenos retrocessos, e Jovenel Moise, terceiro presidente desde que a missão chegou, em 2004, tomou posse em janeiro — numa sequência democrática que há muito tempo não se via no Haiti.
A infraestrutura também começa a melhorar, ainda que lentamente, com mais iluminação pública e estradas melhores. No setor de turismo, já há investimentos estrangeiros importantes, e o governo começa a se preparar para receber visitantes, com novos hotéis e até a reabertura recente de um resort.
Mesmo assim, a população ainda está dividida sobre a saída das tropas. Em comunidades como Cité Soleil, por exemplo, que vivia uma das piores situações de insegurança — com presença de gangues armadas nas ruas — o medo é de que a “paz vigiada” da missão, como define Porto Pinheiro, evapore junto com os militares. Há ainda a questão da ausência das Forças Armadas no país, que conta apenas com proteção civil. No Norte, outro problema se intensificou: o tráfico de drogas na fronteira com a República Dominicana.
Há, ainda, problemas sistêmicos — como as crises de água e energia elétrica — causados principalmente pelos terremotos de 2010 e 2016, que afetaram a agricultura familiar e causaram desemprego.
— Eles sofreram tantos reveses ao longo dos anos que a capacidade de reagir impressiona. Eles sabem se reconstruir, mesmo sem recursos. Aprendi a admirar essa capacidade de conviver com as adversidades — conta o comandante. — Mas a nova geração, que hoje tem 18 anos e tinha 5 em 2004, está crescendo num país estável, equilibrado, que vem progredindo. Não é o mundo em que os pais desses jovens viveram, com confrontos na rua, instabilidade política e vulnerável a golpes de Estado.
E diante da relativa estabilidade, parlamentares e parte da sociedade civil defendem que é hora de o Haiti finalmente tomar conta de sua própria segurança.
— O governo precisa negociar a saída da Minustah assim que possível — disse recentemente o senador Patrice Dumont, representante da região ocidental, que abrange 40% do eleitorado haitiano.
O comandante concorda que o país está preparado, ainda que não 100%:
— Nós acreditamos que a estabilidade será mantida. Hoje os índices de criminalidade no Haiti são melhores que em muitos países da América do Sul. A polícia está pronta para assumir, com 13 mil agentes, que chegarão a 15 mil até o fim de 2017. É um efetivo aceitável para manter a segurança — diz. — E um grande setor da sociedade acha que eles só aprenderão a caminhar quando não estivermos aqui.
Recursos para missões mais urgentes
O cronograma ainda não foi definido, mas já se sabe que a mudança será gradual. E a partir do mês que vem, algumas tropas já deixarão de realizar operações militares, independentemente do que for decidido na ONU: são 981 militares de Chile, Uruguai e Peru, que deixarão a missão no Norte. Eles têm até 15 de abril para voltar para casa.
— Iniciar uma missão é mais fácil que encerrar — analisa Porto Pinheiro.
Além da redução das operações de paz no Haiti nos últimos anos, a intenção do governo do presidente americano, Donald Trump, de reduzir as contribuições à ONU pode ter acelerado o processo de saída. Mas, dentro da organização, não se fala sobre isso. Para Porto Pinheiro, os cerca de US$ 345 milhões anuais gastos no país serão direcionados para missões mais urgentes, em países como Mali, República Democrática do Congo, Sudão do Sul e República Centro-Africana.
FONTE: O Globo