O Brasil tem poder de fogo para proteger a riqueza da Amazônia Azul?

Devido à enorme riqueza natural, a porção de mar sob jurisdição brasileira é também conhecida como Amazônia Azul. A área é um dos mais importantes patrimônios naturais brasileiros e é uma preocupação para o setor de Defesa. Para comentar o assunto, a Sputnik Brasil ouviu Ricardo Cabral, pesquisador da Escola de Guerra Naval da Marinha do Brasil.



O pesquisador falou sobre a importância comercial e estratégica, o potencial energético, científico e as obrigações internacionais do Brasil com as áreas da Amazônia Azul e seu entorno. Ele também descreveu o atual estado da esquadra da Marinha brasileira, que carece de investimentos e pleiteia junto ao novo governo federal uma fatia maior do orçamento público, limitado pela Emenda Constitucional nº 95.

Foi a própria Marinha brasileira que cunhou o termo “Amazônia Azul”, em referência ao tamanho da biodiversidade e dos bens naturais encontradas em sua área. No entanto, a área marítima é ainda maior do que porção brasileira da floresta tropical. A Amazônia Azul compreende uma área de 4,5 milhões de m² e tem o equivalente a 52% do território brasileiro. Essas águas, além de reservas naturais fundamentais para o país, são porta de entrada para o comércio mundial ao Brasil, como revela o pesquisador Ricardo Cabral em entrevista à Sputnik Brasil.

“95% do nosso comércio funciona a partir das vias navais. Nós temos sete linhas de comunicação marítima, seis a sete linhas muito importantes, nós temos isso mapeado. […] Pelo menos, você tem 85% da nossa produção de petróleo e gás vindos do mar”, aponta. A faixa de mar também garante 45% de todo o pescado brasileiro.

Além de todo o fluxo de transporte internacional de exportações e importações que chega aos portos brasileiros, ainda há também o transporte de mercadorias via cabotagem.

A prática, que consiste em transportar mercadorias através dos portos de um mesmo país, corresponde a aproximadamente 11% de todo o transporte de cargas no Brasil. Esse tipo de transporte funciona principalmente na distribuição de petróleo entre plataformas marítimas e o continente, produto que entre 2010 e 2016 correspondeu a 75% do fluxo de mercadorias entre portos domésticos.

Além do combustível fóssil, a Amazônia Azul também tem potencial energético renovável a ser explorado. Estudos apontam que vários pontos da faixa litorânea brasileira têm potencial para a construção de usinas de energia maremotrizes, que produzem energia através das marés.

Inaugurada em 2012, a Usina de Pecém-CE tem capacidade potencial de 100 quilowatts para o abastecimento do porto local, o maior do estado.

“Você tem um potencial hoje perto da energia solar, energia eólica. E são energias limpas. Tudo isso pode ajudar o país a dar um salto e com energia limpa. Isso é que é muito interessante”, aponta Cabral.

O que tem a ver a Amazônia Azul com um submarino nuclear?

Com tanta riqueza, a área torna-se objeto de interesse fundamental para a soberania nacional brasileira e também para a proteção de recursos estratégicos, como o petróleo. Próxima das maiores cidades brasileiras, a exploração dessa porção do Atlântico é um catalisador da inovação científica no Brasil, avalia o pesquisador da Escola Naval de Guerra.

Ricardo Cabral explica que a partir da exploração da área o Brasil desenvolveu tecnologias para a prospecção e extração de petróleo em águas profundas, como no caso mais célebre, a descoberta do Pré-Sal. O Brasil desenvolve hoje um submarino nuclear para operar na área, o que Cabral explica como sendo uma oportunidade de inovação tecnológica.

“Da tecnologia do submarino nuclear pode se tirar uma série de coisas. O que tem a ver a Amazônia Azul com um submarino nuclear? Tem tudo a ver. O submarino está sendo construído para a defesa da Amazônia Azul”, ressalta.

Sonho da Marinha brasileira desde os anos 1970, o submarino de propulsão nuclear está sendo desenvolvido pelo Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo e coloca o Brasil em um seleto grupo de países que possuem esse tipo de embarcação. Apenas Estados Unidos, França, China, Rússia e Reino Unido possuem um.

Cabral explica que o submarino não funcionaria apenas como um investimento na Defesa brasileira, mas que também representa uma forma de inovação tecnológica. “Ele [o submarino] não é uma coisa só para a Defesa, ele não é só uma arma de guerra. Você está trabalhando ali com tecnologia de materiais. Do projeto, provavelmente sairão dali modelos de mini usinas nucleares que podem ser transformadas em médias usinas que podem ser disseminadas pelo país”, enfatiza o pesquisador.

A previsão é de que o Brasil inicie a construção do submarino nuclear Álvaro Alberto em 2023 e que possa utilizá-lo em 2028.

Cabral acredita que o submarino é uma oportunidade para “avançar imensamente” em áreas como a pesquisa. Essa oportunidade, segundo o pesquisador, seria uma maneira de compensar o que ele chama de “falta de projeto”. Ele lembra o caso do navio hidroceanográfico Vital de Oliveira, o primeiro e mais moderno do Brasil a ser construído exclusivamente para fins de pesquisa científica.

“O navio oceanográfico Vital de Oliveira, um dos navios oceanográficos mais modernos da Marinha e do mundo […] foi construído na China, com o apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia, da Petrobrás e etc. Mas é interessante, gostaria de ressaltar, que nós temos capacidade de construí-lo aqui e, no entanto, infelizmente não foi feito. Essas questões que me chamam a atenção, a falta de um projeto. Nós temos órgãos, nós temos boas ideias e não conseguimos colocar”, enfatiza.

O pesquisador também aponta o caso da usina maremotriz de Pecém-CE como exemplo das falhas de projeto e falta de investimentos dos governos.

“Veja essa questão da usina a partir da energia das marés, [ela] foi concebida em 2012. Já era para estar pronta. Aí foi abandonada, então retomou em 2017, só vai ficar pronta em 2020. Já era para estar funcionando. Isso que é muito difícil para nós entendermos, infelizmente”, lamenta.

Falta de investimentos na Marinha ameaça a Amazônia Azul?

Ricardo Cabral explica que houve um baixo nível de investimentos na Marinha ao longo dos últimos anos, em sua opinião. Ele lembra que em meio a “desperdícios” e “escândalos”, o reaparelhamento da Marinha não foi realizado.

“Nós precisamos de navios patrulha, precisa de muitos navios patrulha. Tinha um projeto da classe Macaé de construir 50 navios. Eram navios de 50 toneladas, quando você precisa de navios de 1,5 mil toneladas para fazer uma fiscalização. Você precisa das fragatas, das corvetas. E isso tudo está sendo postergado. Pode ser que agora, com um novo governo, a Marinha ganhe prioridade”, disse Cabral.

Em 2017 a Defesa no Brasil recebeu um orçamento de 1,4% do PIB, o equivalente a R$ 92,5 bilhões. Em 2016, esse valor foi de 1,34% no PIB, ou R$ 84,5 bilhões. Para 2018, a expectativa é de que o valor chegue a R$ 100,7 bilhões. Mesmo com o avanço, Cabral acredita que as receitas destinadas ainda estão longe do ideal.

“Só para você ter uma ideia, a média brasileira de investimento em Defesa gira em torno de 1,6% [do PIB]. Se você pegar as dez maiores economias do mundo, elas investem no mínimo 2%”, explica o pesquisador.

Para ele, o ideal de investimento para as Forças Armadas do Brasil deve ser também de 2% do PIB, com o que, segundo ele, é possível “no longo prazo, voltar a ter uma esquadra razoável, como se tinha nos anos 1980”, época em que ele acredita que a esquadra naval brasileira tinha poder de dissuasão “muito maior”. Ele explica que atualmente os navios brasileiros estão “muito antigos” e que as compras realizadas foram de oportunidade. Para ele, é “urgente” o reaparelhamento da Marinha.

“Nós ficamos muitos anos sem construir novos navios […]. O que eu posso dizer é que a esquadra [atual], se tiver problemas, ela sairá ao mar. Mas que as condições, que se perdeu a capacidade de dissuasão, a capacidade de dissuasão é muito pequena, isso é inegável”, ressalta. Ele lembra que esse tipo de investimento é caro e de longo prazo e que requer processos como treinamento e aperfeiçoamento contínuo de táticas e estratégias.

Uma das funções que ele aponta que o Brasil deve cumprir com sua Marinha vai além da já imensa Amazônia Azul, o que cria uma demanda ainda maior de investimentos no setor.

“Nós temos uma área SAR, uma área de busca e salvamento que é responsabilidade do Brasil. O Brasil assinou um acordo internacional sobre isso, que é uma área de 14,8 milhões de km², que é maior ainda do que a Amazônia Azul. E ela vai ao meio do Atlântico Sul basicamente. E é uma área de responsabilidade do Brasil, ou seja, o que acontecer lá fora nós temos que ir lá resgatar, faz parte das nossas missões”, lembra.

Cabral também acredita que desde o governo de Fernando Henrique Cardoso as questões que envolvem a Amazônia Azul e seu imenso potencial foram “negligenciadas”.

Bolsonaro vai investir mais nas Forças Armadas?

Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelo futuro governo no setor da Defesa será atender a expectativa de investimentos na área. Desde a Emenda Constitucional nº 95, que ficou conhecida como “Teto de Gastos”, há uma preocupação das Forças Armadas pela garantia de mais investimentos, como evidenciado pelo documento “Cenários de Defesa 2020-2039”.

Ricardo Cabral explica que os altos oficiais do setor têm mantido uma postura de busca por mais recursos em todos os governos passados e que isso não deve mudar no governo do presidente eleito Jair Bolsonaro.

“Todos os oficiais generais, todos no comando, o comandante da Marinha, destes o que a gente ouve é um empenho, um empenho em conseguir recursos. Isso se fala abertamente todo governo, todo ano, independente do governo, se busca continuamente recursos. Isso é falado”, explica.

A ciência acerca das limitações sobre o orçamento e também sobre estrutura das Forças Armadas tem sido expressada publicamente pelas autoridades militares.

“Nas entrevistas do Almirante Leal Ferreira, o atual comandante da Marinha, ele ressalta a todo momento a busca de recursos, as conversas contínuas no Congresso, com o governo, para a manutenção dos programas, a continuidade dos programas”, aponta Cabral.

Diante de uma perspectiva de cortes e limitações orçamentárias no investimento público, há temor que programas destinados para a proteção da Amazônia Azul que já receberam aporte financeiro sejam descartados.

“Por exemplo, um programa que era o SisGAAZ, o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul, ele foi suspenso por absoluta falta de recursos”, que explica que apesar do fato de o programa não ter começado, houve recursos investidos em estudos preliminares que poderiam ser perdidos com o fim do projeto. Em caso de reativação, explica Cabral, ainda mais recursos seriam demandados.

Com a cara manutenção de uma frota considerada velha na Marinha e um alto investimento demandado para a construção de novas embarcações, sobra um clima de incertezas. O que se sabe, segundo o pesquisador Ricardo Cabral, é que com o investimento necessário o Brasil só tem a ganhar na pesquisa e defesa da Amazônia Azul.



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