Documento estabelece diretrizes para a Abin e outros órgãos do governo que trabalham com inteligência; para especialista, texto disciplina o setor e reduz margem de atuação “arbitrária”
Por Bruno Lupion
A publicação do documento, por meio de decreto assinado pelo presidente interino Michel Temer, ocorreu 31 anos após o fim da ditadura militar, que usou órgãos de inteligência do Estado para espionar e torturar opositores.
Nesse período, o país vem lidando com a desconfiança sobre o uso da inteligência pelo poder público à margem da lei ou para controlar movimentos sociais. Em 2012, os servidores da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) divulgaram que o órgão adotava práticas “atrasadas” ao instruir o acompanhamento de movimentos sociais.
Houve também casos de uso indevido de agentes de inteligência em investigações policiais, como no caso da Operação Satiagraha, que tinha como alvo o banqueiro Daniel Dantas. O Superior Tribunal de Justiça anulou a operação apontando a ilegalidade da atuação de agentes da Abin nesse tipo de investigação.
A Abin é responsável por fornecer ao presidente da República e a seus ministros “informações e análises estratégicas, oportunas e confiáveis, necessárias ao processo de decisão”, segundo definição do próprio órgão.
A PNI estabelece diretrizes para a atuação do Sisbin (Sistema Brasileiro de Inteligência). O órgão central desse sistema é a Abin, e dele participam ministérios como Casa Civil, Fazenda e Comunicações, além das Forças Armadas – Exército, Marinha e Aeronáutica.
Qual é o impacto do texto
Camel Farah, coronel do Exército na reserva e consultor na área de inteligência, segurança e defesa, afirma ao Nexo que a PNI vai disciplinar os órgãos de inteligência e reduzir o espaço para que o governante de ocasião ou os servidores do setor atuem de forma “arbitrária”.
“O texto define limites do que a atividade de inteligência e seus executores podem ou não fazer. Isso é fundamental e evita que tenhamos pessoas ultrapassando os limites”
Para Farah, ao definir diretrizes, a PNI também melhorará a organização do sistema de inteligência. “Hoje os órgãos já estão trabalhando, mas de forma reativa, apagando incêndios. Por exemplo, esse ano tem Olimpíada, “então corre todo mundo pra lá”, diz.
A médio prazo, os órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência deverão elaborar seus respectivos planos, que delimitarão os objetivos de cada um deles. A política define “o que” eles devem buscar e os planos, o “como” será feito.
Em novembro de 2012, a Aofi (Associação Nacional dos Oficiais de Inteligência), que representa servidores da Abin, criticou o então ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), José Elito, por ordens para que os agentes acompanhassem o trabalho de movimentos sociais. “É nefasto aceitar que seja correto o acompanhamento pela inteligência de Estado desses movimentos”, disse à época a associação.
O GSI é um órgão localizado na Presidência da República e que tem status superior à Abin. É hoje comandado pelo general Sérgio Etchegoyen, que tem status de ministro. Alguns militares ouvidos pelo jornal “Folha de S.Paulo” acreditam que a agência monitorará movimentos sociais para evitar que o governo Temer seja surpreendido por manifestações. A Abin apoiou a aprovação da Lei Antiterrorismo, criticada por entidades que veem risco de criminalização de movimentos sociais.
O que está no documento
Principais ameaças ao Brasil
O texto estabelece 11 situações que podem colocar a sociedade e o Estado brasileiro em risco e, portanto, devem ser evitadas de forma prioritária pelos órgãos de inteligência. Entre elas estão espionagem, sabotagem, ataques cibernéticos, terrorismo, corrupção e ações contrárias ao Estado Democrático de Direito.
Diretrizes da inteligência
Segundo o documento, o Sisbin e seus órgãos deverão atuar pautados por dez diretrizes, como prevenir ações de espionagem, detectar ações adversas aos interesses do Brasil no exterior, prevenir ações de sabotagem e cooperar para a proteção das infraestruturas críticas do país.
Por que o texto foi publicado agora
É a primeira vez que o Estado brasileiro no período pós-redemocratização define uma Política Nacional de Inteligência. A necessidade desse documento foi estabelecida em 1999, na lei que criou a Abin, mas ele demorou 17 anos para ser publicado.
O governo federal começou a elaborar uma proposta em 2009, na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, por meio de um grupo de trabalho composto por membros do governo e militares, sob a coordenação da Casa Civil, então chefiada pela agora presidente afastada Dilma Rousseff.
O texto foi submetido à avaliação do Congresso e ficou pronto para publicação em 2011. O documento publicado na quarta-feira é basicamente o mesmo que estava parado no Planalto desde 2011.
Farah atribui a demora na publicação do texto à falta de uma “cultura” na sociedade brasileira que dê importância às atividades de inteligência. “Quem está começando a se preocupar agora com isso é a iniciativa privada, que viu que inteligência significa lucro e contra-inteligência, não ter prejuízo. O Estado continua lento”, diz.
Em nota ao Nexo, a Aofi elogia a iniciativa do governo Temer e avalia que a publicação da PNI não está relacionada às Olimpíadas no Rio, em agosto, mas sim a um esforço do atual ministro da GSI em convencer o presidente interino da importância do documento.
FONTE: Jornal NEXO (SP)