Embarcação comprada da França completou viagem entre Rio e Santos. Navio doca multipropósito Bahia abriga 359 homens de tropa e é capaz de operar três helicópteros.
Por Ricardo Bonalume Neto
Como ele é dotado de dois conveses de voo para helicópteros, faltava apenas poder operar à noite essas aeronaves ditas de “asas rotativas”. Isso foi feito, e o Navio Doca Multipropósito Bahia está apto a cumprir todas as missões que sua exótica denominação define. “Multipropósito” significa, e isso é autoexplicativo, servir para várias finalidades.
Como diz a Marinha, ele serve para “transportar e controlar embarcações de desembarque, viaturas anfíbias e carros de combate; conduzir movimento navio-terra por superfície ou helitransportado; realizar atividades benignas em assistência humanitária e em casos de desastres naturais; dar apoio à realização de operações especiais; prover apoio logístico; e efetuar operações de busca e salvamento”.
O Bahia também pode servir de navio capitânea de uma esquadra e lançar helicópteros antissubmarinos ou armados com mísseis antinavios.
Andar pelo navio é cansativo; ele é enorme, tem vários “conveses”, isto é, andares. Existe até um pequeno elevador de uso exclusivo do comandante, mas que só vai do quarto ao sétimo convés. A maior parte do tempo se passa subindo e descendo escadas, e se perdendo por inúmeros corredores, que ainda têm placas de ruas de Marselha, cidade francesa que era ligada ao navio.
Mas justamente por ter bastante espaço, o Bahia tem uma tripulação de 299 militares e pode embarcar 359 homens de tropa, normalmente fuzileiros navais, os camarotes são confortáveis. E a “praça d’armas”, o salão no quarto convés onde os oficiais fazem suas refeições e descansam, parece tirado de um navio de cruzeiro. É ideal para recepcionar autoridades, uma função tradicional de um navio de guerra.
O navio foi adquirido da Marinha francesa, na qual se chamava Siroco, como uma “compra de ocasião”. Isto é, foi colocado à venda já pronto, em vez de ser projetado e construído no país. Mas valeu cada euro.
Além da capacidade de operar três helicópteros de cada vez, o navio tem uma “doca” da qual entram e saem embarcações de desembarque. Seu armamento é apenas defensivo, mísseis de curto alcance e metralhadoras. Mas a versatilidade também fica clara pelas extensas instalações hospitalares a bordo.
Até agora o navio mais importante da Marinha era o porta-aviões São Paulo, igualmente francês, o antigo Foch. Ele cumpriu sua missão de fazer a Marinha operar de novo aviões de asas fixas, algo que tinha sido cassado na década de 1960, e está agora desativado.
O Bahia é menor, tem menos da metade do deslocamento, mas é mais versátil. Ele foi transferido para a Marinha do Brasil em 17 de dezembro de 2015, em Toulon, cidade ao sul da França. Os franceses construíram recentemente uma classe mais moderna desse tipo de navio porta-helicópteros de “intervenção e projeção”, a Mistral. Por isso o Siroco estava disponível e foi colocado à venda.
A estrutura hospitalar inclui duas salas de cirurgia, oito leitos de terapia intensiva, três leitos para queimados, quatro leitos de triagem, 24 leitos de extensão, além de consultórios médicos, consultório odontológico, laboratório e sala de raios-X.
Entrevista com o Comandante da Marinha AE Eduardo Bacellar Leal Ferreira
O comando da Marinha teve de tomar decisões corajosas, como aposentar o porta-aviões São Paulo. Era o maior navio da esquadra e foi fundamental para a Marinha voltar a operar aviões comuns -em contraste com helicópteros.
Mas reformar e modernizar o São Paulo, que tem mais de meio século, custaria uma fortuna. Por sorte, veio da França uma solução: o Bahia, navio anfíbio capaz de operar helicópteros e embarcações de desembarque, transportar fuzileiros navais, além de ter um hospital a bordo.
Acima de tudo, de acordo com o comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira, o Bahia é “multipropósito”: serve para a guerra e para missões humanitárias. Um navio britânico ainda mais capaz foi avaliado pela Marinha, segundo ele. Resta saber se haverá verba para mais uma “compra de ocasião”.
Folha – O Navio Doca Multipropósito Bahia é hoje o mais importante meio naval da Marinha. Qual foi o motivo de ter sido selecionado?
Eduardo Bacellar Leal Ferreira – O NDM Bahia é um dos mais importantes da esquadra brasileira. Embora planejado para operações de alta intensidade, é indicado para as de baixa intensidade, como missões de caráter humanitário e auxílio a desastres. Isso foi preponderante para a decisão em transferi-lo para o Brasil. A incorporação contribui para que a Marinha amplie a capacidade de operações anfíbias, de comando e controle de grandes áreas oceânicas, de apoio à Defesa Civil e às tropas em regiões afastadas.
Folha – Há planos de adquirir outros semelhantes ou mais capazes?
Leal Ferreira – A Marinha enviou pessoal à Inglaterra para uma inspeção técnica no HMS Ocean, mas, no momento, não há decisão quanto à aquisição.
Folha – Por que a prioridade da Marinha foi dada a submarinos?
Leal Ferreira – A Política Nacional de Defesa estabelece que a postura estratégica de defesa brasileira deve ser dissuasória. Por suas características, o submarino é o principal meio naval para essa negação do uso do mar, o que explica a prioridade ao Prosub (Programa de Desenvolvimento de Submarinos), que prevê a construção de quatro submarinos convencionais e um de propulsão nuclear.
Folha – Um objetivo do Prosuper (Programa de Obtenção de Meios de Superfície) era adquirir escoltas de cerca de 6.000 toneladas. Isso continua de pé?
Leal Ferreira – Em relação aos navios de superfície, a prioridade atual é produzir corvetas da classe Tamandaré. Entretanto, o Prosuper continua sendo um objetivo da Marinha, que aguarda as condições orçamentárias se tornarem favoráveis para poder implementá-lo. No portfólio estratégico, isso é parte da Construção do Núcleo do Poder Naval, a segunda prioridade da Marinha, sendo a primeira o Prosub. Nesse contexto, está em execução um projeto para construir quatro navios-escolta, com significativo poder combatente e grande versatilidade.
FONTE: Folha de São Paulo