Por Jefferson Puff
Apesar do clima de festa no Rio de Janeiro em meio à cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, com a presença de chefes de Estado e atletas de todo o mundo, ao término do show, do lado de fora do Maracanã, uma tentativa de assalto que terminou com a morte de uma pessoa assustou voluntários e jornalistas que deixavam o estádio – e, segundo especialistas, coloca em xeque a eficácia do esquema de segurança em torno dos locais de competição, com cerca de 85 mil homens e forte aparato militar.
Horas antes, na região da praça Mauá, epicentro dos shows e comemorações em torno do Boulevard Olímpico, outro assalto terminou com a morte de uma arquiteta carioca. Tanto o Maracanã quanto a região do Porto Maravilha são dois locais estratégicos para a operação de segurança da Olimpíada.
Para especialistas consultados pela BBC Brasil, os incidentes levantam um alerta importante e colocam em xeque o esquema montado para garantir a segurança em torno dos locais de competição.
“Considero algo muito grave. Ambas as mortes são graves, mas a do Maracanã é ainda mais, porque, se ocorre num local de extrema atenção, com 45 chefes de Estado, 10 mil atletas, gente de todo o mundo, é sinal de que o mega esquema não está funcionando”, diz Rodrigo Pimentel, ex-capitão do BOPE e comentarista de segurança pública. Para ele, o reforço policial de forma ostensiva em torno de áreas específicas deveria ser capaz de coibir ações do tipo.
“O Rio de Janeiro convive com o maior índice de roubo de rua em quase 20 anos, é claro que é um problema complexo. Mas a ideia de se ter um mega esquema como esse é que ele funcione para evitar assaltos, ao menos nas regiões estratégicas, e, se isso não está acontecendo, há um problema. Algo precisa ser revisto”, avalia.
João Trajano Sento-Sé, doutor em Ciência Política e Sociologia e pesquisador da UERJ na área de violência, acredita que os dois episódios mostram que a operação de segurança montada para os Jogos não consegue conter os problemas cotidianos do Rio e coloca em dúvida se o esquema pode realmente evitar episódios de roubos de rua ou latrocínios.
“Não creio que tenha havido falha. Isso só prova que o esquema de segurança visa proteger os Jogos, os atletas, as delegações, mas que nem tem a pretensão de evitar os problemas cotidianos do Rio de Janeiro, como o latrocínio. As duas pessoas que morreram são cariocas, moradores da cidade, que teriam morrido antes, durante ou depois da Olimpíada, da mesma forma”, diz.
Por sua vez, Michel Misse, professor de Sociologia e Antropologia da UFRJ, avalia que os incidentes não poderiam ter sido evitados.
“O roubo de rua no Rio é como o terrorismo na Europa. É um tipo de ação imprevisível, e não adianta o quão forte seja o esquema de segurança, isso não vai ser evitado. Mas não creio que coloque em xeque a operação como um todo”, diz.
Susto, tiros e morte fora do Maracanã
Segundo a agência de notícias Associated Press, voluntários e outros espectadores que deixavam a cerimônia pouco após a meia noite de sexta-feira ouviram tiros e tiveram que se esconder atrás de carros para se protegerem. Pouco depois, viram um corpo ensanguentado no chão e um homem fugindo em um carro próximo a um estacionamento de uma universidade, ao lado do estádio.
As imagens do jovem ensanguentado junto a uma bicicleta sendo atendido por uma ambulância foram divulgadas pelas agências de notícias internacionais, mas, até o momento, não tiveram grande repercussão na mídia nacional.
As circunstâncias do crime ainda não foram esclarecidas. Relatos iniciais apontam que o responsável pelos disparos seria um policial à paisana que reagiu a uma tentativa de assalto e acabou matando um jovem de 22 anos.
O incidente teria ocorrido nas imediações da esquina da rua São Francisco Xavier com a rua Felipe Camarão, a menos de 1km do Maracanã. Testemunhas ouvidas pela BBC Brasil e que não quiseram se identificar confirmaram o relato dizendo ter ouvido tiros ao deixar o estádio e visto o corpo. Em nota, a Delegacia de Homicídios (DH), que investiga o caso, confirmou a morte e informou à BBC Brasil que uma perícia detalhada foi realizada.
“As primeiras informações obtidas em investigação minuciosa iniciada no local apontam que o suspeito praticava assaltos quando um policial militar de outro Estado, trabalhando na segurança da Olimpíada, teria reagido baleando-o.”
Os policiais civis, militares e bombeiros de outros Estados que atuam na segurança das instalações de competição dos Jogos integram a Força Nacional. Os que estavam de folga puderam tentar assistir ao show no estádio na noite de sexta-feira. Consultados pela BBC Brasil, membros da Força Nacional atuando no Rio e que não quiseram se identificar deram outra versão do caso.
“Era um delegado de Polícia Civil do Distrito Federal que estava de folga no Rio de Janeiro e reagiu ao assalto, matando o jovem. Ele não é da Força Nacional e não está trabalhando na segurança das Olimpíadas”, disse um deles. A DH não confirmou a versão e diz que aguarda investigações para dar mais detalhes.
Praça Mauá
O dia da abertura olímpica já havia começado com más notícias na região da Praça Mauá, outro ponto do Rio que deve receber turistas, voluntários, atletas e jornalistas de todo o mundo durante os Jogos.
A arquiteta Denise Ribeiro Dias, de 51 anos, dirigia na Via Binário, na Zona Portuária, por volta de 9h desta sexta-feira, na altura da estação Santo Cristo do VLT (bonde moderno), num dos acessos ao Boulevar Olímpico, quando foi abordada por três jovens em tentativa de assalto.
Ela foi morta com um tiro na nuca. Dois suspeitos conseguiram fugir e se esconder num galpão abandonado que pertenceria ao Tribunal de Justiça, mas um terceiro, de 20 anos, foi encontrado com uma pistola e preso em flagrante.
Segundo o jornal O Globo, o trio tentou roubar o carro da arquiteta ao fugir de uma operação do Bope no Morro da Providência, distante pouco mais de 1km do Palácio do Itamaraty, que sediaria mais tarde uma recepção para chefes de Estado que vieram ao Rio para a abertura da Olimpíada.
Tanto o Morro da Providência quanto o Morro da Mangueira, nas imediações do Maracanã, foram alvos de operações da polícia na sexta-feira para garantir a segurança da abertura olímpica.
A BBC Brasil entrou em contato com a secretaria extraordinária de Segurança de Grandes Eventos (Sesge), do Ministério da Justiça, e a secretaria de Segurança do Estado do RJ, que repassaram o assunto à DH e disseram que não acrescentariam comentários.
À agência de notícias Associated Press, o diretor de comunicações do Comitê Rio 2016, Mario Andrada, disse que checaria o caso mas que não tinha “nenhuma informação sobre nenhum tiroteio do lado de fora ou próximo ao estádio na noite de ontem”.
FONTE: BBC Brasil