Por Marco Antônio Martins
Preocupados com a situação do Complexo da Maré (zona norte do Rio), conjunto de favelas ocupado pelo Exército há pouco mais de um ano, oficiais defendem, nos bastidores, a retirada das tropas da região o quanto antes.
No Comando da Força, em Brasília, militares deixam claro que preferem manter a presença no Haiti a ocupar favelas no Rio de Janeiro.
Um dos motivos do descontentamento dos militares é a limitação das ações na Maré.
Diferentemente do que aconteceu durante a ocupação no Alemão ou durante os dez anos no Haiti, o Exército não pode realizar buscas em residências nem ocupar imóveis que comprovadamente pertenciam a criminosos.
“O Exército não entrou porque quis. Entrou para cooperar com a pacificação daquela região, que é estratégica para o Rio. Só que ali nossas ações foram limitadas, tornando a ação muito mais difícil do que em outras ocasiões”, afirmou o general Fernando Azevedo e Silva, comandante do CML (Comando Militar do Leste), que abrange Rio, Espírito Santo e Minas.
“A missão na Maré é muito mais complexa do que no Haiti. Aqui, há três facções com disputas internas”, disse o general Azevedo e Silva.
O acordo entre o governo federal e o do Rio levou a uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) “amarrada”, na opinião dos oficiais. Na Maré, os militares só podem patrulhar, realizar prisões em flagrantes ou revistas em carros.
No Alemão, os militares obtinham de juízes mandados de busca e apreensão com base em informações que chegavam ao comando da tropa, o que possibilitou vistorias em residências suspeitas de serem esconderijo de armas ou drogas.
As ações resultaram na apreensão de 38 armas, sendo 12 fuzis, além de 2.879 munições. Na Maré, isso só ocorreu quando havia inquérito das polícias Civil ou Federal.
“A decisão de limitar as ações da tropa tem comprometido a missão. Entorpecentes são vendidos e consumidos nas casas, menores aliciados atiram pedras na tropa e traficantes passaram a emboscar os militares do alto das lajes”, afirma o coronel Fernando Montenegro, que coordenou equipes na ocupação do Alemão.
Doze oficiais, entre generais e coronéis, que participaram da ocupação em algum momento, relataram à Folha que, do jeito que a operação é feita, só aumenta os riscos de vítimas fatais, entre militares e a comunidade.
A geografia da região é apontada como complicador. Segundo militares, por ser plana, a Maré exigiria que os telhados de casas fossem ocupados para garantir superioridade à tropa. A Folha apurou que um grupo de generais já mandou um recado ao ministro da Defesa, Jaques Wagner, de que temem uma “tragédia”.
Há três semanas a comerciante Fabíola Rocha Reis, 23, morreu atingida por tiro de fuzil. Outro jovem, Vítor Borges, 19, teve a perna amputada, em fevereiro, vítima de disparos de fuzil feitos por um militar. Na tropa, quatro soldados foram baleados neste ano. Um deles, o cabo Michel Augusto Mikami, morreu em novembro de 2014.
Em dois anos de ocupação no Alemão,nenhum militar ou morador foi baleado. Os ferimentos nos dois lados foram causados por bombas caseiras ou balas de borracha.
Na Maré, traficantes desafiam os militares, e as trocas de tiros têm sido diárias. A previsão é que a Força de Pacificação saia das 17 comunidades até 30 de junho.
Nesta sexta (1º), ocorreu a segunda etapa do processo de substituição do Exército pela Polícia Militar, para a instalação de UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora), em mais quatro comunidades: Nova Holanda, Parque União, Rubem Vaz e Nova Maré.
A Maré fica na rota entre o aeroporto internacional e os principais acessos para zona sul, Barra da Tijuca (zona oeste) e centro do Rio, região estratégica na Olimpíada.
Outro Lado
O gestão do governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) afirmou que desconhece as críticas dos militares. Informou ainda que escolas estão sendo construídas na região, além de um programa de coleta de lixo e de microempreendedor.
FONTE: Folha de São Paulo