Por Fernando Rodrigues
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, 66 anos, quase nunca aparece sorrindo em fotos. Gaúcho de Rio Grande, o futuro ministro da Secretaria de Governo da Presidência da República fica mais relaxado quando conversa sobre temas gerais de sua nova missão.
Em sua 1ª entrevista mais longa após ser nomeado por Jair Bolsonaro para o cargo, revelou que não tem nenhum constrangimento em discordar do presidente eleito. Fala “não” de maneira sincera para o amigo de 40 anos. A amizade começou quando ambos iniciavam suas carreiras militares e participaram juntos de equipes esportivas –a dura prova de pentatlo militar.
“Acho que é fundamental a honestidade não só funcional como também pela consideração pessoal que eu tenho por ele. A minha obrigação é de ser honesto e ajudar o presidente Jair Bolsonaro”, disse Santos Cruz ao Poder360 numa entrevista gravada na última 6ª feira (14.dez.2018). Veio sozinho até o estúdio. Dirige o próprio carro, uma camionete Volkswagen Saveiro, versão Robust.
Formado em engenharia civil pela PUC de Campinas e também egresso da Academia Militar das Agulhas Negras, Santos Cruz notabilizou-se como 1 dos oficiais brasileiros que comandou as forças de paz da ONU no Haiti. Seu período lá foi de 2007 a 2009.
Agradou tanto que as Nações Unidas passaram a contratá-lo diretamente para outras missões. Atuou no Congo e em outros países. Quando Bolsonaro o convidou para ser ministro estava treinando tropas para a ONU em Bangladesh. Culto, conhece inúmeros países e fala inglês e russo.
Uma das recomendações de Santos Cruz ao colega eleito foi a de repensar a decisão de ir à Suíça participar do Fórum Econômico Mundial em Davos, de 21 a 25 de janeiro de 2019. Essa viagem jogaria a cirurgia de reconstrução do trânsito intestinal e retirada da bolsa de colostomia de Bolsonaro para —pelo menos— 28 de janeiro. Nota-se que há amizade sincera na fala do futuro ministro da Secretaria de Governo:
“Eu tenho essa liberdade de falar para ele, como amigo, como pessoa. Conheço ele há 40 anos. Uma pessoa extremamente simples. Muito simples. Honesto. Tenho, graças a Deus, a liberdade de falar: ‘Olha, agora você não é mais o companheiro de equipe, agora você é o presidente. E o Brasil inteiro vai precisar de você’. Quanto mais cedo ele se recuperar, quanto mais cedo fizer a 2ª cirurgia, melhor para ele e melhor para o Brasil. Estou falando isso sem autorização do meu amigo, que agora é o presidente eleito. É importante para o Brasil a presença do Bolsonaro em Davos. Mas eu acho que pode ir o pessoal da área econômica, de outras áreas, dar o recado do Brasil”.
Suas metas no Palácio do Planalto, diz Santos Cruz, são duas: “O princípio da transparência e o princípio da boa aplicação de recursos. Todo mundo tem que ter o direito de fiscalizar a aplicação do dinheiro público. Isso aí é uma coisa. E corrupção tem que ser nível zero. Tem que ser completamente intolerante”.
Ao final deste texto há trechos mais curtos e editados do vídeo:
PREVIDÊNCIA DE MILITARES TAMBÉM SERÁ ALTERADA
Para Santos Cruz, mesmo que agora talvez os militares fiquem de fora da reforma da Previdência –cita a “diretriz” dada por Bolsonaro–, acha que mais adiante todos terão de fazer alguma concessão.
No caso de militares, exemplifica com uma possível diferenciação para estabelecer a idade mínima entre os que têm funções operacionais e os que ficam em operações logísticas e administrativas. Santos Cruz aposentou-se aos 60 anos.
SE PROCURADO, ATENDERÁ CONGRESSISTAS
As funções do general à frente da Secretaria de Governo serão as seguintes:
- PPI – comandar o Programa de Parcerias de Investimentos, que concentra centenas de bilhões de reais;
- publicidade estatal – comandar a Secretaria de Comunicação da Presidência da República e o processo de repartição de verbas de propaganda e patrocínio, que vêm superando R$ 2 bilhões por ano;
- relação institucional – com governadores e prefeitos que procuram o Palácio do Planalto;
- sociedade civil e ONGs – parcerias e convênios ficam na Segov, bem como contato com sindicatos e organizações de classe.
Santos Cruz diz que participará de “interlocução” com o Congresso só se for parte de 1 esforço único, coordenado. E se 1 deputado ou 1 senador procurá-lo na Segov, ele será atendido? “Sim, não tem problema nenhum”, responde. Mas ressaltando que terá de ser em coordenação com as outras áreas do governo.
Após a gravação da entrevista, o Poder360 pediu ao general que explicasse como seria sua atuação para o caso de emendas ao Orçamento propostas por congressistas. Ele respondeu que vai “apoiar os parlamentares, prefeitos e governadores na execução técnica das emendas”. Não entrará na “discussão sobre mérito”.
PUBLICIDADE ESTATAL SERÁ REDUZIDA
Para o general, certas empresas estatais e o próprio governo “agridem” a todos quando destinam muito dinheiro para propaganda –sobretudo instituições que têm problemas contábeis e em seus fundos de pensão.
“Não sei a situação contábil da Caixa Econômica. Pelas informações mais superficiais, não só a Caixa como outras estatais estão com problemas nas suas contabilidades, nos seus fundos de pensão. É chocante o valor utilizado para quem não está bem das pernas financeiramente”, exemplifica Santos Cruz. A CEF tem neste ano de 2018 uma previsão de gastar R$ 685 milhões com publicidade, patrocínio e comunicação.
COMO SERÁ DISTRIBUÍDA A VERBA PUBLICITÁRIA
Santos Cruz diz que o uso das verbas não será para comprar o apoio. “Isso é princípio meu de vida. Eu não vou contrariar princípio meu de vida porque estou na administração [pública]”.
Ocorre que durante a campanha eleitoral, o então candidato Jair Bolsonaro sugeriu que cortaria verbas publicitárias estatais para o jornal Folha de S.Paulo e para a TV Globo. Isso vai ocorrer? Santos Cruz responde que as campanhas serão divulgadas num veículo que “tenha qualidade”.
E qual a métrica para aferir a qualidade do veículo? “Você vê quem é que tem mais credibilidade (…) Você não pode ter preconceito contra 1 ou contra outro”.
Globo e Folha de S.Paulo são veículos líderes de audiência em seus segmentos. Serão contemplados com verbas federais quando houver uma campanha nacional do governo Bolsonaro? A resposta é sim e não.
Segundo Santos Cruz, “tem que discutir os parâmetros dessa divulgação”. Para o general, é possível fazer campanhas “com agências menores, com trabalho de internet”.
Repete que não haverá “a ideia de prejudicar”. Enfatiza: “Você não pode governar com a ideia de prejudicar ou favorecer alguém”. Mas completa, deixando claro que grandes veículos não receberão verbas automaticamente por causa da audiência que têm, mas de acordo com as necessidades que o governo terá em cada campanha: “Não vamos cometer o mesmo erro histórico que vem ocorrendo. Agora, optar mais por 1 ou por outro [veículo] é discricionário. Isso não tenha dúvida. É muito de percepção. Não tem critério técnico para todas as avaliações”.
DADOS DE PUBLICIDADE SERÃO PÚBLICOS
O general pretende voltar a divulgar de maneira detalhada todos os gastos publicitários do governo federal, nas administrações direta e indireta.
O sistema existiu de 1999 a 2016. O presidente Michel Temer eliminou essa transparência a partir de 2017.
IMPRENSA DEVE SEGUIR LIVRE
O general Santos Cruz defende a liberdade de imprensa. “Lógico. Mesmo a imprensa que contraria tem que ser combatida por outra vertente da imprensa e não por imposição de restrição”, diz ele.
1964 NÃO FOI GOLPE NEM REVOLUÇÃO
Numa de suas respostas, Santos Cruz se refere à “revolução” de 1964 e fala que tinha 12 anos naquela época. Depois, recua e afirma que a derrubada do governo civil em 31 de março de 1964 não foi golpe nem revolução.
“Eu não vejo muito como 1 golpe militar não, porque teve uma participação civil muito grande. Eu prefiro não classificar como golpe ou como revolução. Eu acho também que não fizeram revolução, [no sentido de] revolucionar as coisas”, declara.
Acha que os militares no contexto de 1964 fizeram uma “interferência”. E que “foi uma decisão correta” naquele contexto, formando 1 novo regime que “teve erros e teve acertos, como qualquer outro governo”.
O Ato Institucional número 5, de 1968, foi 1 erro por ter levado ao fechamento do Congresso, instituindo a censura e endurecendo o regime? Santos Cruz responde sugerindo achar que teria sido melhor ter feito tudo de uma vez, em 1964, e não esperar até 1968.
“Essas decisões daquele momento a gente tem que ver o porquê. Por que que foi editado o AI-5? Essa que é a questão. Por que não fez em 64, então logo? Deu a largada já, dentro daquela máxima do Maquiavel: já faz a maldade logo, agora”.
Em resumo, o general amigo pessoal de Bolsonaro é 1 pouco mais comedido com as palavras. Não diz que 1964 foi golpe ou revolução. Fala em “interferência”. E completa: “Se a gente analisar, do ponto de vista filosófico, não é bom ter interferência. Do ponto de vista filosófico, é bom que a democracia funcione sem traumas”.
BRASIL NÃO CORRE RISCO DE RUPTURA
O general diz não ver “risco nenhum” de retrocesso institucional, com algo parecido ao que houve em 1964.
“Hoje tem a lei. A sociedade está andando e as instituições estão funcionando”, afirma.
Para Santos Cruz, “hoje ninguém está com vontade de ficar discutindo ideologia, a não ser, talvez, nos barzinhos e na aula de ciência política. Por que a população quer 1 país mais justo e mais prático”.
Ele critica grupos de oposição que interpretam o cenário atual como 1 risco à democracia. “Eu vejo aí umas besteiras imensas de algumas pessoas fazendo conferências internacionais, falando que o Brasil está com risco de perder as liberdades individuais. Não. O Brasil está é no caminho de recuperar as liberdades individuais. Por que você não tinha mais nem liberdade de andar na rua. Você tem que contratar segurança particular, todo mundo para o seu condomínio, para sua casa, para o seu carro, comprar carro blindado, não sei mais o quê”.