Uma conversa franca com o Vice-Almirante do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil Alexandre José Barreto de Mattos sobre os desafios para dirigir a Força de Fuzileiros da Esquadra da Marinha do Brasil.
Por Marcos Ommati
A Força de Fuzileiros da Esquadra (FFE) é o principal braço operativo do Corpo de Fuzileiros Navais do Brasil (CFN). Este, por sua vez, está dividido em dois setores dentro da Marinha do país. Um é de apoio e cuida de cursos, captação de pessoal, aquisição de material, doutrina e carreira. No organograma da instituição, está subordinado ao Comando-Geral do CFN, chefiado por um almirante quatro estrelas. No braço operativo dos Fuzileiros Navais, há o corpo principal que é a FFE, que por sua vez está subordinada ao comandante de Operações Navais, ou seja, dentro do setor operativo da Marinha, onde se encontram as unidades distritais, que ficam espalhadas pelos diversos distritos navais no Brasil. Resumindo: o principal braço operativo dos Fuzileiros Navais se concentra na FFE, cujo atual comandante é o Vice-Almirante (FN) Alexandre José Barreto de Mattos que, coincidentemente, no dia em que concedeu esta entrevista à Diálogo – 14 de fevereiro – foi promovido a Almirante-de-Esquadra e em breve irá comandar todo o CFN do Brasil.
Diálogo: A FFE completou 60 anos em fevereiro. Por que esta data deve ser considerada histórica?
Vice-Almirante (FN) Alexandre José Barreto de Mattos: Toda força, toda instituição, toda pessoa que é sexagenária já viveu muita coisa na sua vida, tem um passado muito importante. O passado da FFE não poderia ser diferente. É um passado glorioso, de evolução permanente, com a constante evolução dos seus trabalhos. Isso faz com que, hoje, a tenhamos uma FFE respeitada em qualquer missão de que participa, principalmente naquelas em apoio à paz nos outros países, naquelas que reforçam a segurança dos brasileiros nas diversas operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O CFN é respeitado junto à Marinha do Brasil, é integrante da Marinha do Brasil, respeitado pela nossa sociedade, assim como por todas as Forças Armadas.
Diálogo: O senhor irá deixar sua atual função em breve. Qual foi o seu principal desafio como comandante da FFE?
V Alte Alexandre: Comandar a FFE é um sonho para todo oficial dos Fuzileiros Navais. Eu diria que meu principal desafio foi estabelecer todas as condições necessárias de disciplina, adestramento, planejamento detalhado, que proporcionam o emprego de mais de seis mil homens da FFE, com a mais absoluta segurança. Temos que nos adestrar, nos preparar, temos que prover segurança para todo esse pessoal que está sempre utilizando munição real, sempre sendo colocado em situação de risco. Temos que prover a eles a segurança necessária, para que eles sempre voltem, no final do dia, ou no final de cada missão, para os seus lares em segurança. Esse é o maior desafio.
Diálogo: Qual a participação do CFN na região Amazônica, a chamada Amazônia Verde?
V Alte Alexandre: Temos dois batalhões de operações ribeirinhas: o 1º Batalhão de Operações Ribeirinhas, que é subordinado ao comando do 9º Distrito Naval, e temos o 2º Batalhão de Operações Ribeirinhas, que é subordinado ao 4º Distrito Naval. Esses dois batalhões atuam na Região Amazônica Verde realizando operações ribeirinhas, segurança na calha de rios, inspeções de navios e inspeções relativas ao tráfego aquaviário naquela região. Estes batalhões também realizam ações de segurança interna, para garantia do uso dos rios da Bacia Amazônica, além de exercícios conjuntos com as demais Forças Armadas e outros órgãos de segurança que são responsáveis diretos por ações de defesa ou ações contra o narcotráfico.
Diálogo: Que tipo de apoio é prestado nestas operações pelos Fuzileiros Navais?
V Alte Alexandre: Nessas operações que são feitas também com os órgãos de segurança, como a Polícia Federal e as polícias locais, o grande apoio que esses batalhões prestam é o suporte logístico, é o apoio referente à inteligência, de modo que os órgãos responsáveis pelo combate ao narcotráfico tenham a tranquilidade e a segurança necessárias para fazerem sua parte neste tipo de missão.
Diálogo: O CFN participou da segurança das Olimpíadas 2016, da Copa do Mundo 2014, atuou nas ocupações dos complexos de favelas do Alemão, Penha e da Maré. Atualmente estão no Haiti, como parte da Missão de Estabilização das Nações Unidas (MINUSTAH), nas missões de GLO no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, além de estarem fazendo varredura em presídios em Natal, no Rio Grande do Norte. Como preparar uma tropa para realizar tantas e tão diferentes missões?
V Alte Alexandre: Nós temos um órgão de adestramento muito intenso que prevê a preparação do nosso pessoal desde o nível mais baixo. A parte principal desse ciclo nós chamamos de eixo central do adestramento. Esse é um termo clássico utilizado para o adestramento da FFE. Todo esse adestramento e todos os planejamentos relacionados a esses adestramentos fazem com que o nosso militar exercite, ao longo do ano, coisas que são fundamentais para o cumprimento de qualquer tarefa: disciplina, obediência total aos preceitos hierárquicos, uma capacidade intensa de se realizar um planejamento detalhado e se conduzir uma operação que tenha um detalhamento tão grande em seu planejamento. Tendo esses fatores bastante treinados ao longo do ano, existe uma capacidade conferida ao fuzileiro naval de participar em qualquer tarefa que lhe seja acometida. Além disso, o CFN é completamente profissional, ou seja, desde o nosso soldado até o almirante-de-esquadra, são todos profissionais, todos voluntários, todos pertencentes a uma carreira, todos concursados. O CFN não tem o militar recruta, aquele que passa pelas suas fileiras ao longo de apenas 10 meses fazendo o serviço militar. Não, são todos profissionais. Isso facilita a realização desses adestramentos, facilita também o aprendizado nos cursos e facilita também a colocação em qualquer tarefa que seja acometida ao CFN. Nós trabalhamos também dentro de um conceito doutrinário de organização por tarefas, ou seja, qualquer tarefa que seja atribuída ao CFN é cumprida com a formação de um grupamento operativo de fuzileiros navais. Quando a gente fala de um grupamento operativo de fuzileiros navais, fala de uma composição de meios e de pessoal que confere ao fuzileiro naval a capacidade de durar na ação com autonomia administrativa e com autonomia de planejamento. Isso também facilita quando estamos, em um momento, trabalhando para a GLO e esse mesmo grupo, rapidamente, seja movimentado como operação de paz e também seja, rapidamente, movimentado para cumprir uma outra ação, onde seja necessário um uso maior da força.
Diálogo: É inegável que a participação em missões de paz e de GLO, que são reais e não treinamentos, acaba sendo muito bom para seus comandados…
V Alte Alexandre: Sem dúvida. Todos esses grandes eventos de que nós participamos, todas as operações de GLO nas comunidades, daqui do Rio de Janeiro e fora dele também, e o próprio Haiti, são operações reais. Isso está sendo fundamental para a evolução do CFN. Hoje, dificilmente encontramos algum militar graduado que não tenha participado de pelo menos um desses eventos, ou seja, que não tenha pelo menos uma experiência em missão real. Não podemos esquecer que nós estamos no Líbano também, na UNIFIL [Força Interina da ONU no Líbano]. Também não podemos esquecer que temos destacamentos de segurança de embaixadas, que também são missões reais. Quando você faz a segurança do embaixador, do corpo diplomático, você está em uma missão real.
Diálogo: Possivelmente a MINUSTAH será desativada em alguns meses. O CFN já estuda a utilização de sua Força em operações em outros países?
V Alte Alexandre: Sim. Já há pedidos junto ao Ministério da Defesa do Brasil para que participemos em missões da ONU por parte do Chipre, Líbano, Congo, Saara Ocidental, República Centro-Africana, Libéria, Síria, Costa do Marfim, Sudão, ou seja, são países que têm dificuldades na sua segurança interna e que os organismos internacionais analisam a possibilidade de enviar tropas em missão de paz para esses países.
Diálogo: Qual a importância da interação dos FN do Brasil com outros corpos de fuzileiros navais de outros países?
V Alte Alexandre: A troca de experiências é fundamental, tanto para nós quanto para eles; essa é uma via de mão dupla. Logicamente, há um equilíbrio nessa troca de experiências. Como tudo que acontece nas relações internacionais, existem as contrapartidas, existem as negociações, os planejamentos. O que nós recebemos de lá, na mesma medida nós podemos passar nossas experiências para outros países também. É importante, pois também serve para o trabalho de operações combinadas, que são exatamente essas que envolvem operações. A UNITAS é um exemplo clássico disso.
FONTE: Diálogo Américas