Assentado à margem direita do Rio Paraguai, o Forte de Coimbra – uma Fortaleza no Pantanal – surge exuberante e depositário de uma história onde foram dadas mostras do valor do povo brasileiro, numa conjugação de esforços entre militares e civis, em defesa da Pátria e da configuração de nossas fronteiras.
O Ambiente Pantaneiro
O nome Pantanal traz à mente da maioria das pessoas a ideia de um pântano, um charco permanentemente alagado. Longe disto, o Pantanal é uma extensa planície, cortada por inúmeros rios, a qual alterna, desde longínquas eras geológicas, períodos de cheias e secas. As artérias de água doce – rios, córregos e vazantes – convergem para o principal rio, o velho Paraguai. Caudaloso, profundo, sem obstáculos e com mínimo declive, ele é a hidrovia ideal a cortar o oeste brasileiro.
Savana aberta, entremeada de capões de mato alto, o Pantanal é o paraíso da fauna. Assim, a vegetação mais aberta e o elevado número de espécies fazem com que o contato do visitante com animais de diversos portes ocorra com mais frequência no Pantanal do que em outros biomas. Sobre as águas, as flores roxas do aguapé, ou camalote, são a marca dos rios pantaneiros. Também ocorrem extensas áreas cobertas com a palmeira carandá, de mil utilidades para o homem pantaneiro. Caboclos experientes sabem extrair da flora o abrigo, o alimento e a medicação.
A extensa planície sedimentar é quebrada aqui e ali por elevações. Poucas de arenito, como o sítio ferrífero do Urucum; a maioria de calcário, como o morro que recebe o Forte de Coimbra. Mais comuns, existem elevações e platôs que se elevam cinco a vinte metros de altura apenas, mas que recebem do habitante local o pomposo nome de cordilheiras. Nas cheias, é o refúgio do homem, do gado e da fauna silvestre.
Assim, as brancas paredes do Forte de Coimbra são emolduradas pelo verde intenso de uma natureza luxuriante e quase intocada. Sua inspiradora história foi testemunhada por terra, águas, ar, fauna e flora do Pantanal. São, desde sempre, elementos que recebem e moldam o militar que vem guarnecer o Forte, que encantam os visitantes, auxiliam quem os conhece e tornam-se obstáculos ao intruso.
História do Forte
Em 1748, a coroa portuguesa criou a Capitania de Mato Grosso. Seu primeiro Capitão-General, Antônio Rolim de Moura, fundou, em 1752, a cidade de Vila Bela da Santíssima Trindade, que passou a ser capital da Capitania.
Os três primeiros governadores da Capitania voltaram- se para a consolidação das terras portuguesas na região do rio Guaporé. O quarto governador, D. Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres (1772-1789), voltou-se para a região meridional e, desacatando o Tratado de Madri, avançou sobre a margem direita do Paraguai, que, pelo Tratado, era território espanhol. Para tanto, em 1775, enviou o Capitão Matias Ribeiro da Costa, com uma tropa de 245 homens em 15 canoas, para fundar um forte no Fecho dos Morros, considerado o ponto mais estratégico para fazer frente à
subida dos espanhóis de Assunção.
Chegando ao estreito de São Francisco Xavier, julgando ser aquele o ponto procurado, desembarcou Matias a tropa e aí fundou o forte, que pouco depois recebeu o nome de Forte de Coimbra, a Nova. Convém ressaltar que Fecho dos Morros ficava pouco mais de 40 léguas abaixo do estreito São Francisco Xavier. Dois anos depois da fundação, os ranchos do Forte (levantados com troncos e cobertos com folhas de carandá, palmeira abundante na região) foram destruídos por um incêndio e depois reconstruídos.
Em 1797, Ricardo Franco, enviado para comandar o Forte, providencia sua construção em pedra e cal. Passando por fases de prioridades e abandonos, após mais de dois séculos, o Forte de Coimbra, por sua importância histórica e de seus heróis, foi tombado pelo patrimônio nacional.
Os Antigos Habitantes
Os guaicurus, índios nômades, viviam por um extenso território, o qual figura nos mapas do século XVIII, na margem esquerda do rio Paraguai, como “certão dos Aycurús ou Cavalleiros”, cavaleiros porque andavam a cavalo.
Quando iniciaram a conquista das terras da bacia do Prata, os espanhóis encontraram os guaicurus estabelecidos no chaco paraguaio, de onde faziam incursões pelo rio Paraguai, aliados (até 1768) aos índios paiaguás. Em 1778, os guaicurus chegaram-se ao presídio de Coimbra para comerciar com soldados. Oferecem-lhes suas mulheres e, aproveitando a distração, trucidaram 54 soldados.
Por volta de 1789, Melo e Cáceres, Governador da Capitania, enviou o Sargento-Mor Engenheiro Joaquim José Ferreira para comandar o Forte de Coimbra e promover a aproximação com os guaicurus. O empreendimento foi bem sucedido, a ponto de, em 30 de julho de 1791, os chefes indígenas assinarem com o governo da Capitania um tratado de “perpétua paz e amizade com os portugueses”.
Os guaicurus desapareceram do território hoje mato-grossense-do-sul na década de 1850, quando a peste das cadeiras dizimou sua cavalhada. Mesmo assim, uns poucos deles tiveram, ainda, apagada participação na Retirada da Laguna.
O Cerco Castelhano de 1801
Diferente dos outros fortes do Período Colonial, o Forte de Coimbra foi levado a disparar seus canhões em dois conflitos bélicos: o ataque castelhano de 1801, ainda no Período Colonial; e o ataque paraguaio de 1864, já no contexto da Guerra do Paraguai.
Em setembro de 1801, Dom Lázaro de Ribera y Spinosa, acompanhado de 600 homens, quatro sumacas, 12 canhões e 30 a 40 canoas, investiu contra o Forte ainda inacabado. Seu comandante, o Coronel Ricardo Franco de Almeida Serra, sempre fiel aos valores da honra e do patriotismo, contando com uma centena de defensores – incluindo índios guaicurus e negros escravizados –, demonstrou alto valor, coragem e destemor diante de um inimigo muito superior em efetivo e recursos bélicos.
Diante do incitamento à rendição, Ricardo Franco respondeu que a desigualdade de forças sempre foi um estímulo que animou os portugueses a repelir o inimigo, ou a sepultarem-se debaixo das ruínas do forte. E, quando tudo levava a crer que o atacante fosse desembarcar tropas para sitiar o Forte, o Comandante preferiu abandonar o combate, provavelmente devido às necessidades logísticas para numeroso volume de tropas, dando a vitória aos defensores portugueses.
O Ataque Paraguaio de 1864
Depois de vários anos de disputas de interesses com seus vizinhos e após longo período de preparação militar, o Paraguai iniciou a guerra, no final de dezembro de 1864. Eram 6.000 soldados paraguaios invadindo o território do Brasil em duas frentes (uma terrestre e outra fluvial). O primeiro alvo da agressão foi o Forte de Coimbra.
Com dez navios de guerra, mais de 30 canhões de diversos calibres e cerca de 3.200 homens, o Comandante da frente invasora fluvial, Coronel Vicente Barrios, intima os ocupantes do Forte de Coimbra (cerca de 120 militares e alguns civis) que o entregassem sem resistência. Mesmo com uma força muito menor, respondeu o Tenente-Coronel Hermenegildo Portocarrero, que vistoriava Coimbra e assumira o comando da Guarnição em razão do ataque, que somente pela sorte e honra das armas entregaria o Forte.
Os paraguaios, então, iniciaram as investidas no intuito de tomar o Forte de Coimbra, ao que os brasileiros resistiram, por dois dias, frustrando os planos de Barrios de tomá-lo sem luta. Na tarde de 28 de dezembro de 1864, já quase sem munição, a defesa de Coimbra teria de ser feita a baioneta, fato que faria a superioridade paraguaia prevalecer. E é nesse momento que o músico Verdeixas, a mando da esposa de Portocarrero, Dona Ludovina Portocarrero, ergue a imagem de Nossa Senhora do Carmo e exclama: Viva Nossa Senhora do Carmo!
Mesmo com o barulho ensurdecedor da batalha, algo como um milagre acontece: em todos os pontos do avanço e da defesa, todos ouvem o brado de Verdeixas. E repetindo a mesma expressão, ambos os contendores, cada qual no seu idioma, baixam as armas e a batalha para por alguns momentos! Este fôlego deu chance de os combatentes brasileiros, reunidos em conselho de guerra, decidirem pela retirada por causa da munição que acabara. Os paraguaios ocuparam o Forte de Coimbra na manhã do dia 29 de dezembro e dele só saíram mais de dois anos depois.
O Forte e a Comunidade
Os primeiros moradores civis em Coimbra eram índios, ainda no Período Colonial. Após a instalação do Forte em 1775, os ataques dos nativos eram constantes. Entretanto, estes começaram a ser pacificados e a conviver com os portugueses. Os índios instalaram-se nas imediações do Forte, convivendo com o pessoal e auxiliando a Guarnição.
Após a Guerra do Paraguai, com a reconstrução do Forte, a presença civil foi intensificada, chegando pessoas para apoiar as atividades dos militares de Coimbra. O comandante dava um local e eles faziam a casa. Na década de 1930, os comandantes facilitaram mais ainda a instalação dos civis em Coimbra.
Dessa forma, ocorreu o desenvolvimento da comunidade coimbrense, juntando-se a ela, posteriormente, funcionários civis construtores das atuais instalações da 3ª Companhia de Fronteira e Forte de Coimbra, a Companhia Portocarrero.
As famílias dos moradores civis mais antigos, ex-militares ou não, lá construíram suas casas e transformaram o ambiente, evidenciando uma sensação de pertencimento ao lugar, pelo gosto e por sentirem-se parte dele.
Além dos moradores civis mais antigos e de ex-militares que serviram na Guarnição, residem em Coimbra famílias dos militares atuais. Está aí um fator de abnegação ao acompanharem o chefe da família, afastados dos centros urbanos, dos melhores recursos essenciais à vida e ao lazer para, juntos, marcarem presença nacional naquele lugar distante e isolado. Tanto nas saídas esporádicas com destino a outras localidades e cidades quanto nas saídas definitivas, essas pessoas funcionam como multiplicadores do construto cultural, histórico e religioso absorvido no local,
mercê das construções simbólicas e da imaterialidade que do Forte emana.
A Religiosidade Local
A padroeira do Forte de Coimbra é Nossa Senhora do Carmo, desde sua fundação, ainda como paliçada de madeira. A imagem da santa existente na Igreja da Vila de Coimbra é a original trazida por Ricardo Franco, em 1798, quando da assunção ao comando do Forte.
No episódio do ataque castelhano de 1801, no qual os invasores não chegaram a sitiar o Forte, preferindo retrair sem conquistar a fortaleza mesmo com absoluta superioridade de meios, a cultura local credita a obra à Nossa Senhora do Carmo, como o primeiro milagre histórico.
Posteriormente, por ocasião do ataque paraguaio, novamente a Guarnição do Forte conseguiu escapar ilesa, empreendendo a fuga para Corumbá, depois de obstinada resistência, fato este entendido como o segundo milagre histórico.
Tradicionalmente, a fé na padroeira atrai romarias por ocasião da festa da santa, comemorada em 16 de julho.
Além disso, a imagem de Nossa Senhora do Carmo foi condecorada com uma Medalha de Ouro pelo Império Brasileiro e seu manto é ornado com estrelas ofertadas por generais.
Os valores históricos, militares e religiosos ligados ao Forte de Coimbra funcionam como grandes fatores de aglutinação social, devido às construções simbólicas oriundas do legado histórico cristalizado na memória coletiva e enraizado na cultura local.
FONTE: Verde Oliva do EB
FOTOS: Internet