Experiência na Amazônia: Capítulo 5 – A oração que valia nossa refeição!

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Por Karina Oliani

Além de desafiar o corpo, chegava a hora da mente. Nessa etapa, se eu não decorasse a “Oração do Guerreiro de Selva”, ficaria sem jantar!

“Senhor, tu que ordenaste ao guerreiro da selva:
Sobrepujai todos os vossos oponentes!
Dai-nos hoje da floresta:
A sobriedade para persistir,
A paciência para emboscar,
A perseverança para sobreviver,
A astúcia para dissimular,
A fé para resistir e vencer,
E dai-nos também Senhor,
A esperança e a certeza do retorno.
Mas, se defendendo esta brasileira Amazônia,
Tivermos que perecer, ó Deus!
Que o façamos com dignidade
E mereçamos a vitória!
Selva!”

Ahhh essa oração! Não tem como completar esse curso sem saber ela, bem como as seis leis do guerreiro de selva, de trás pra frente:

– Tenha a iniciativa, pois não receberá ordens para todas as situações. Tenha em vista o objetivo final;
– Procure a surpresa por todos os modos;
– Mantenha seu corpo, armamento e equipamento em boas condições;
– Aprenda a suportar o desconforto e as fadigas sem queixar-se e seja moderado em suas necessidades;
– Pense e aja como caçador, não como caça; e
– Combata sempre com inteligência e seja o mais ardiloso;

Mas, enquanto se marcha, se rala, se molha e quase não se dorme, não é exatamente como decorar um texto de televisão!

Essa eu decorei na força. Dez horas da noite, agrupados em frente ao Capitão, pela ordem fui a décima pessoa a ter que recitar a oração e, claro, não consegui de primeira. O Capitão tinha sido bem claro: “Quem não falar certo não come!” E no meu time dos que perderiam o jantar, tinham muitos estagiários.

Os poucos que acertaram já estavam cuidando dos seus pés… Claro, pois, depois de 20 horas andando na selva com o coturno molhado, os famosos “pés de trincheira” (que fez com que Napoleão Bonaparte perdesse algumas batalhas na 1ª Guerra Mundial, como a Guerra Patriótica com a Rússia, em 1812) faz qualquer soldado mais forte tocar o sino. Sua pele está tão friável que começa a destacar pedaços, sem falar das bolhas e as micoses que acontecem em campo.

Mas o que sobrou no fim desse longo dia da minha mente estava lá, 100% voltada pra decorar essa Oração, enquanto ouvia os outros estagiários também com a voz trêmula, nervosos, tentando conquistar seu jantar e não serem repreendidos após um dia de muito esforço.

A fila estava dando enorme e o Capitão estava chegando novamente em mim. E, cá entre nós, ele também queria descansar, mas era claro que estava determinado a ficar lá até que o último estagiário declamasse a Oração com perfeição. Bom senso e poucas vezes depois ouvindo a mesma, estava chegando minha vez novamente.

Eu queria começar a Oração pedindo “Senhor ajude que eu consiga lembrar tudo isso, pois estou com muita fome e preciso jantar hoje”, mas, ao invés disso, fui logo proferindo a tão famosa Oração do Guerreiro de Selva, que, por obra divina,  literalmente, saiu como deveria.

Valorizei aquela marmita de comida como nunca!

Sim nós comíamos em um recipiente, tipo um canecão, que os militares cobrem com um saco plástico pra não terem que lavar após a refeição que deve ser feita em 10 minutos. Comer rápido nunca foi um problema pra mim. Minha mãe sempre tentou fazer com que eu mastigasse mais que três vezes antes de engolir. A se minha mãe soubesse que, aqui na Amazônia, o meu jeito esganada de comer fez com que terminasse as refeições a tempo.

Já com o estômago cheio, hora de dormir, certo? Claro que não!

– Senhores estagiários, vocês têm 5 minutos pra estarem a postos e em formação em frente a base, com os seus fuzis em guarda alta, para nossa próxima atividade.

FONTE: Estadão

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