Declaração de Hamilton Mourão foi feita em loja maçônica. Comandante da Instituição rebate e vê “problema” superado.
Por Tânia Monteiro
“Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”, disse Mourão na palestra, que foi filmada.
Ele afirmou ainda que, “desde o começo da crise, o nosso comandante (General Eduardo Villas Bôas) definiu um tripé para a atuação do Exército: legalidade, legitimidade e que o Exército não seja um fator de instabilidade”. O comentário do General, que é Secretário de Economia e Finanças do Exército, ocorreu um dia após o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denunciar pela segunda vez o presidente Michel Temer, por organização criminosa e obstrução da Justiça, uma das últimas “flechas” antes de deixar o cargo, entregue hoje a Raquel Dodge. Na palestra, Mourão seguiu dizendo que “os Poderes terão que buscar uma solução, se não conseguirem, chegará a hora em que teremos que impor uma solução. E essa imposição não será fácil, ela trará problemas”.
O General citou o juramento militar de “compromisso com a Pátria, independentemente de sermos aplaudidos ou não”. E encerrou: “O que interessa é termos a consciência tranquila de que fizemos o melhor e que buscamos, de qualquer maneira, atingir esse objetivo. Então, se tiver que haver, haverá”.
Procurado ontem, Mourão afirmou que não estava “insuflando nada” ou “pregando intervenção militar” e que a interpretação de suas palavras “é livre”. Ele disse que apenas respondeu a uma pergunta. O General afirmou que falava em seu nome e não no do Exército. Mourão estava fardado no evento. Ele permanecerá no serviço ativo no Exército até março, quando passará para a reserva. Oficiais-generais ouvidos pelo Estado criticaram a afirmação de Mourão, considerada “desnecessária”.
O Comandante do Exército, General Eduardo Villas Bôas, foi enfático e disse que “não há qualquer possibilidade” de intervenção militar. “Desde 1985, não somos responsáveis por turbulência na vida nacional e assim vai prosseguir.
Além disso, o emprego nosso será sempre por iniciativa de um dos Poderes”, afirmou Villas Bôas, acrescentando que a Força defende “a manutenção da democracia, a preservação da Constituição, além da proteção das instituições” nacionais. Segundo Villas Bôas, o assunto “internamente já foi conversado e o problema está superado”.
Anteontem, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, conversou com o comandante, que telefonou para Mourão para saber o que houve. Polêmicas. Essa não é a primeira polêmica protagonizada por Mourão. Ele assumiu o atual cargo em outubro de 2015, quando perdeu o Comando Militar do Sul, após ter feito duras críticas à classe política e ao governo. O general havia desagradado ao Palácio do Planalto ao atacar indiretamente a então presidente Dilma Rousseff ao ser questionado sobre o impeachment e dizer que “a vantagem da mudança seria o descarte da incompetência, má gestão e corrupção”.
Democracia é liberdade
A irresponsável tentativa de criminalização generalizada da política condenada neste espaço na quarta-feira passada ameaça a democracia e a liberdade, uma vez que nada substitui a política e os representantes do povo no papel de mediar os conflitos de interesse, inevitavelmente existentes no seio da sociedade, em benefício da preservação do interesse coletivo. Democracia é isso. Não se trata aqui de calar a discussão sobre se e até que ponto o instituto da representação popular está funcionando no País. Esta é, afinal, a questão central no ambiente de crise e desesperança que aflige os brasileiros.
Mas, antes de tudo, é preciso firmar a convicção de que, a despeito dos enormes problemas de disfunção do sistema político brasileiro e a corrupção não é o único, é no regime da liberdade, e apenas nele, que se encontram os mecanismos capazes de promover a correção dos desvios e equívocos que protegem privilégios e promovem injustiças. Um sintoma claro de insidiosa ameaça à democracia e à liberdade é uma peça de propaganda apócrifa, mas obviamente patrocinada por saudosos do regime militar, que circula nas mídias sociais. No alto, encimadas pelo texto “Governo militar 1964-1985 – 21 anos, nenhum ladrão”, as fotos dos cinco generais que ocuparam a Presidência da República naquele período. Abaixo: “Democracia – 31 anos, todos ladrões” e as fotos de seis dos sete presidentes eleitos depois da retirada dos militares. Por razões não explicadas, a peça omite a foto do presidente Itamar Franco.
Essa é uma escandalosa empulhação que pretende explorar a falta de informação e a ingenuidade de brasileiros que, com a melhor das intenções, apoiam o combate à corrupção. Como, entre os generais-presidentes, não figurou “nenhum ladrão”, o retorno dos militares ao poder – essa é a mensagem subentendida – seria a solução óbvia para acabar com a corrupção. Com todo respeito à memória dos cinco autocratas que ocuparam a chefia do governo no período de exceção, o que se pode dizer é que a alegação de terem sido todos honestos é mera suposição, por três bons motivos: uma rígida censura à imprensa, que não permitia a divulgação de nenhuma notícia contra o governo
militar; um rigoroso controle sobre as atividades tanto da Polícia Federal (PF) quanto sobre a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Judiciário, que desempenhavam então, principalmente os dois primeiros, um papel que pode ser considerado meramente decorativo se comparado com o que têm hoje; e, finalmente, o fato de que, mesmo dissimulada sob o manto do poder, a corrupção jamais deixou de existir sob o regime militar, apenas não se sabia a exata extensão em que era praticada.
O exemplo clássico a comprovar a vulnerabilidade ética do regime militar é bem conhecido dos paulistas e responde pelo nome daquele apoiador convicto dos militares que foi por duas vezes prefeito paulistano na segunda, eleito pelo voto popular e uma vez governador biônico do Estado. Está claro, portanto, para quem tem olhos para ver, que mesmo admitida a hipótese da integridade ética e moral dos generais-presidentes, não há como acreditar que seus governos tenham sido imunes à corrupção e que, portanto, a repetição da experiência autocrática seja uma solução para a devassidão patrimonialista que hoje impera. Daqui a 13 meses os brasileiros voltarão às urnas, agora para as eleições gerais para presidente da República, 26 governadores de Estado e 1 do Distrito Federal (DF), e também para a completa renovação da Câmara dos Deputados e das Assembleias estaduais e do DF e para renovar dois terços do Senado.
O tumultuado ambiente político em que o País está mergulhado em consequência dos desmandos do populismo lulopetista, a soma da crise fiscal com o abominável ambiente de corrupção instalado na máquina pública, não permite uma prospecção minimamente plausível do panorama eleitoral de 2018. O eleitor brasileiro parece já estar convencido e o demonstrou no pleito municipal do ano passado que a experiência do populismo de esquerda se esgotou. Para o bem do Brasil, seria bom que o eleitor também se desse conta de que não há mais clima para experimentações perigosas com a liberdade.
FONTE: O Estado de São Paulo