Escola do Exército abre 1ª turma de cadetes mulheres e restringe namoro

Foto Avener Prado
Foto Avener Prado

Por Luís Freitas

O comando de uma escola de cadetes do Exército em Campinas, no interior paulista, terá uma preocupação diferente a partir de 2017: fiscalizar os relacionamentos afetivos de alunos e alunas.

Pela primeira vez em 76 anos, a EsPCEx (Escola Preparatória de Cadetes do Exército), que forma aspirantes para a linha bélica, terá uma turma feminina.

A novidade atraiu candidatas como Evellyn Bezerra de Carvalho Adorno, 20. Filha de um oficial da EsPCEx, ela terminou um relacionamento com um aluno da escola para evitar distrações na preparação para o vestibular.

“Estudei 16 horas por dia. Não quero correr o risco de jogar tudo pelo ralo”. Vaidosa, ela diz que a maior dificuldade será se adequar às regras. Os piercings no umbigo e no nariz, por exemplo, terão de ser retirados.

Esmaltes, só incolores. Maquiagem, short, minissaia e salto alto, nem pensar.

Não há restrições quanto ao comprimento do cabelo, mas ele deve formar um coque que caiba dentro do capacete. Se os fios forem tingidos, a aluna deve atualizar a foto na documentação.

O ingresso das mulheres como combatentes das Forças Armadas foi determinado em 2012 por lei da então presidente Dilma Rousseff.

Marinha, Aeronáutica e Exército tiveram cinco anos para se adaptar –no Exército, a mudança levou mais tempo pelo efetivo maior e pelas reformas estruturais.

Na unidade de Campinas, serão 400 homens e 40 mulheres. A presença delas no Exército não é exatamente uma novidade –desde 1992 já ocupam funções administrativas ou das áreas de saúde, ciência e tecnologia.

Mas será a primeira vez que homens e mulheres serão “colegas de classe”. Dos 28,9 mil inscritos para a prova, 7.600 eram mulheres. A concorrência para elas é de 190 candidatos por vaga, que devem ter entre 17 e 22 anos.

NAMORO

O regime é de internato. Os alunos só são autorizados a sair nas noites de quarta-feira, com toque de recolher às 23h, e aos fins de semana.

Aspirantes que quiserem namorar terão de comunicar o comandante do pelotão. Se um aluno se relacionar com um professor ou instrutor, deve informar o comandante.

“O conhecimento da situação é necessário para manter a disciplina e que não se venha vulgarizar pessoas. Médicos não ficam se pegando no corredor do hospital. Juízes não ficam se pegando no tribunal”, diz o coronel Gustavo Dutra de Menezes, 50, comandante da EsPCEx.

Demonstrações de afeto dentro da escola são proibidas. O mesmo vale para fora da unidade, se estiverem fardados. Nem um aperto de mão é autorizado -o descumprimento pode implicar punições que vão de simples advertência até a prisão. “O único cumprimento dentro do local de trabalho é a continência”.

Tanto rigor não assusta a candidata Ana Carolina Ribeiro Martins, 18, que fez o exame e espera a aprovação para as próximas fases.

Ela, que também é filha de oficiais da EsPCEx, está solteira, e ter um namorado na escola não está nos planos. “É um objetivo de vida. O foco é na carreira”.

Thais do Prado Queiroz, 21, sonha em seguir carreira militar desde pequena. O namorado é oficial de um batalhão anexo à EsPCEx. “Pela instituição exigir muito dos alunos, e que representa um país, tem que ter respeito.”

Ela não acha que encontrará problemas diante da maioria de homens na escola. “Acho que vai ter um assédio, mas nada fora do normal”.

A escola também se modificou para receber as mulheres. Um alojamento exclusivo foi construído, e no banheiro um detalhe chama a atenção. Ao contrário do vestiário masculino, que tem os chuveiros dispostos lado a lado, para elas as cabines são individuais e fechadas.

CARGOS DE COMANDO

A formação na EsPCEx é só o início de uma longa carreira militar, para quem estiver disposto a segui-la. Homens ou mulheres que começarem o curso no ano que vem só poderão alçar cargos de comando em 2063.

Na escola em Campinas, os alunos passam por um ano de atividades teóricas e práticas -em 2012, a unidade foi alçada ao status de instituição de ensino superior. Os aspirantes recebem alimentação e uma ajuda mensal de R$ 969,54. Concluída a formação, eles entram na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ), onde ficam mais quatro anos –lá, o auxílio sobe para R$ 5.622, e os alunos saem como oficiais do Exército.

A partir daí, precisarão chegar às patentes de segundo-tenente, primeiro-tenente, capitão, major, tenente-coronel, coronel, general de brigada, general de divisão, general de Exército e, só depois, comandante do Exército. O processo todo leva, no mínimo, 46 anos.

Mesmo que o ingresso feminino na linha bélica possa ser visto como um avanço, a participação de mulheres como combatentes será limitada.

Inicialmente, serão treinadas para as funções de material bélico e intendência, que compõem uma espécie de “apoio logístico” das tropas.

Ainda não há prazos para que elas cheguem à infantaria ou cavalaria, que formam a linha de frente no combate. “Vai ser um processo gradual”, diz o major Rodrigo Lostinho Ávila, chefe de comunicação social da EsPCEx.

O treinamento para elas, no entanto, será forte. Exercícios e atividades serão os mesmos dos homens, com intensidade menor.

O nível de exigência foi definido pelo Instituto de Pesquisa da Capacitação Física do Exército, no Rio, que considerou diferenças de peso, altura e potencial muscular entre os gêneros.

“Trabalhamos com isonomia. Não vai ter moleza. As exigências serão as mesmas dos homens”, afirma o comandante da unidade, Gustavo Dutra de Menezes.

Para Thais, que luta muay thai e jiu-jitsu, as mulheres podem surpreender. “Gosto de desafios. Estaremos em um lugar onde não acreditam que a gente possa ser mais forte que os homens. Espero mostrar que eles estão errados”, diz.

FONTE: Folha de São Paulo

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