A Esquadra é um conjunto de Forças, composto por meios navais e aeronavais, destinado ao serviço naval, pertencente ao Estado e incorporado à Marinha do Brasil (MB). Desde 9 de julho de 2021, o Vice-Almirante Arthur Fernando Bettega Corrêa está à frente do Comando em Chefe da Esquadra (ComemCh).
Em entrevista à revista Nomar, ele reforçou que o propósito do ComemCh é a manutenção das Forças subordinadas no mais elevado grau de preparação para as operações navais de guerra. O Almirante destacou, na oportunidade, os 199 anos da Esquadra brasileira, comemorados em 10 de novembro, pontuando as principais realizações deste ano e apresentando as perspectivas para 2022.
NoMar: Almirante, o ComemCh é constituído por uma série de Organizações Militares (OM) complexas, como a Força de Superfície, de Submarinos e Aeronaval, que totalizam cerca de 14 mil militares. Como é o desafio de gerenciar tantas OM e meios operativos?
VA Bettega: É muito estimulante, uma vez que as atividades diárias variam desde o gerenciamento de recursos humanos, materiais e financeiros, visando ao adequado preparo e emprego dos meios navais e aeronavais, até o planejamento e execução das operações navais determinadas à Esquadra.
Como se pode inferir da pergunta, os processos são de relativa complexidade e com ritmo bastante acentuado, demandando análises robustas e decisões rápidas. Porém, a Esquadra e os Comandos subordinados possuem Estados-Maiores capazes de empreender tais atividades com celeridade, permitindo-nos agir e assessorar adequadamente o Comando de Operações Navais, no que couber.
NoMar: Uma das atribuições dos meios operativos é defender os interesses e direitos dos brasileiros no mar. Como os meios navais e aeronavais da Esquadra contribuem para a proteção da Amazônia Azul?
VA Bettega: O conceito da Amazônia Azul vem sendo mostrado à sociedade brasileira com a finalidade de chamar a atenção sobre as incontáveis fontes de recursos naturais e de biodiversidade presentes nas Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB), onde possui direitos patrimoniais e de soberania, podendo ir além das 200 milhas náuticas até o limite de nossa Plataforma Continental. Com o farol no crescimento da nação, as AJB precisam ser protegidas e preservadas para seu emprego atual e futuro, de maneira firme e sustentável.
A Esquadra constitui o núcleo do Poder Naval e, portanto, representa um elemento fundamental para a proteção
da Amazônia Azul.
Explorando as características de mobilidade e permanência, contribui para o estabelecimento de uma defesa proativa, que conjuga capacidades de monitoramento e controle de nossa área de responsabilidade, que resultam no estabelecimento de uma abrangente consciência situacional marítima, capaz de identificar e se antecipar a problemas ou ameaças à nossa soberania.
A essa estrutura de monitoramento e controle, soma-se a capacidade de rápida resposta a incidentes, como ocorrido em 2019, na Operação “Mar limpo é vida”, por ocasião do derramamento de óleo que atingiu diversas praias da região Nordeste, e a constante participação em operações no Brasil e no exterior, dentre as quais destaco a “Guinex”, realizada em 2021 no Golfo da Guiné, local onde se encontra o maior foco de pirataria nos dias atuais e que faz parte de nosso entorno estratégico.
Tais atividades demonstram a prontidão e a disposição para o agir de nossa Força, que podem levar a dissuadir potenciais agressores e, em última análise, contribuem para a proteção de nossas linhas de comunicação, vitais para a economia nacional, e para a defesa das bacias petrolíferas, localizadas nas nossas Águas Jurisdicionais.
Para a manutenção dessas capacidades, a Esquadra mantém um rigoroso programa de adestramento que conta com exercícios complexos, incluindo os de lançamentos de armas, como os que ocorreram com êxito em 2021, certificando o aprestamento de nossos sistemas embarcados e demostrando nossa capacidade, contribuindo, secundariamente, para a dissuasão de eventuais ameaças e proteção de nossa Amazônia Azul.
NoMar: Ao completar 199 anos de criação, precisamos ressaltar os feitos do passado, importantes em nossa história. O que o senhor poderia destacar sobre a participação da Esquadra Brasileira na defesa da soberania nacional?
VA Bettega: Primeiramente, podemos citar os conflitos originados da chamada “Guerra da Independência”, quando surgiu a necessidade de se formar rapidamente uma Esquadra Imperial e combater os insurgentes contra o novo regime, na Bahia, Maranhão, Pará e na Província Cisplatina, tornando-se um fator crucial na manutenção da integralidade territorial brasileira e para a consolidação do próprio processo de Independência do Brasil. Destaca-se, em seguida, a participação da Esquadra na Guerra da Tríplice Aliança, a qual exigiu um enorme sacrifício por conta das dificuldades logísticas enfrentadas, numa região insalubre e com meios inadequados para a operação em águas fluviais. Foi o primeiro conflito que envolveu o recrutamento em todas as regiões do país, representando o surgimento do espírito de nacionalidade brasileira num enfrentamento a um inimigo externo.
A participação da Esquadra Brasileira nas Grandes Guerras Mundiais, por sua vez, possibilitou a inserção do Brasil no Conserto das Nações, além de trazer aprendizados como a importância do controle de áreas marítimas, assimilação de novas técnicas de combate e intensificação da mentalidade de profissionalização da Força.
NoMar: Neste ano, o ComemCh atingiu expressivas marcas em suas ações, como a conclusão do Projeto Fênix, e em suas operações, a exemplo da “Aderex” e da “Tridente”. Quais outras realizações o senhor pode destacar?
VA Bettega: No campo das Operações, podemos também destacar os dois exercícios de Lançamento de Armas, ocorridos em junho, e a “Guinex-I”, realizada no período de agosto a outubro, na área marítima do Golfo da Guiné, em apoio à Política Externa nacional e contribuindo para o incremento da Segurança Marítima em nosso Entorno Estratégico.
No que diz respeito ao incremento de nossas capacidades, destaco a homologação do Navio-Aeródromo Multipropósito Atlântico e a qualificação de nossos esquadrões de aeronaves para Operações Aéreas com equipamentos de visão noturna; a criação do 1° Esquadrão de Aeronaves Remotamente Pilotadas; o recebimento da 1ª aeronave AH-15B, que consiste da versão operacional das aeronaves H-225M; a incorporação da Base de Submarinos da Ilha da Madeira e a transferência do Comando da Força de Submarinos para o Complexo Naval de Itaguaí, em julho.
NoMar: Falando em operações, qual é a importância e as vantagens de promover a interoperabilidade entre as Forças Armadas, como ocorrido nas Operações “Urano” e “Poseidon”?
VA Bettega: Houve época em que a simplicidade das guerras permitia que vitórias fossem obtidas pela ação de somente uma Força Armada (FA). O sucesso estava mais ligado à liderança de determinado comandante, à diferença entre os efetivos, ao emprego da massa e à bravura pessoal do que à judiciosa coordenação de elementos materiais, da natureza e de organizações diferentes.
O estudo das guerras e conflitos mais recentes, porém, demonstra que, apesar de bem-sucedidas ações isoladas de FA, as grandes vitórias foram alcançadas por meio de ações adequadamente integradas de forças navais, terrestres e aéreas. Os conflitos atuais tendem a ser limitados, não declarados, convencionais ou não, e de duração imprevisível. As ameaças são fluidas, difusas e também imprevisíveis.
Tudo isso exige que o preparo das FA seja baseado em capacidades, significando isto dispor de forças militares habilitadas para atuar de forma conjunta, dotadas de flexibilidade, versatilidade e mobilidade.
As operações militares de grande envergadura têm demandado o emprego de elementos pertencentes a mais de uma Força Armada. Para tal, as Forças Singulares necessitam somar esforços, compatibilizar procedimentos e integrar as ações, de forma a se obter maior efetividade na execução das Operações Conjuntas. Falando especificamente das operações “Urano” e “Poseidon”, verifica-se que elas visam à maximização das capacidades das demais Forças Singulares, ao habilitá-las a explorar duas características básicas da Marinha: a mobilidade e a permanência.
Quando necessário, os Navios da MB poderão servir como verdadeiras “bases aéreas”, permitindo a operação irrestrita das aeronaves do Exército e da Força Aérea em locais que não contam com essa facilidade.
NoMar: Ainda entre as realizações do ComemCh, houve o incremento na qualidade do adestramento com o novo Simulador Integrado de Combate (SICOMB), no Centro de Adestramento Almirante Marques de Leão (CAAML), em 2021. Quais são os ganhos com esse simulador?
VA Bettega: O Simulador Integrado de Combate é fruto de um projeto desenvolvido pelo Centro de Adestramento Almirante Marques de Leão, em parceria com o Centro de Análise de Sistemas Navais. O projeto do SICOMB foi concebido com o objetivo de suprir diversas lacunas na forma de adestrar os meios da Esquadra, trazendo uma evolução do conceito de interoperabilidade entre passadiço e Centro de Informações de Combate (CIC) genérico, com a possibilidade de reproduzir, em ambiente simulado e de forma integrada, exercícios complexos envolvendo as estações da Manobra e do Centro de Operações de Combate (COC).
O SICOMB é capaz de integrar até três navios em adestramento, com estações de “combate” e “manobra”, e um Comando de Força operando, simultaneamente, em modo multiplayer num mesmo mesmo exercício, com recursos de realidade virtual, sendo possível avaliar as tripulações em manobras táticas, navegação, controle aéreo, guerra antissubmarino e de superfície.
No âmbito do passadiço, é simulado um ambiente 3D completo com navios, submarinos, aeronaves, portos nacionais e estrangeiros, como Rio de Janeiro (RJ), Santos (SP), Vitória (ES), Rio Grande (RS) e Londres (Inglaterra). Há ainda a possibilidade de simular: navegação noturna e em baixa visibilidade; chuva; cobertura de nuvens; estado do mar; vento; corrente; e todos os efeitos físicos que o mar exerce sobre o casco do navio.
No âmbito do COC, cada navio dispõe de sete estações configuradas para as funções de superfície, navegação, coordenação, Controlador Aéreo Tático, avaliador, operador sonar e Oficial de Controle Antissubmarino. Além disso, encontram-se instalados softwares de sonar (o SONAT), produzido pelo Instituto de Pesquisas da Marinha) e de radar, com funcionalidades de compilação do quadro tático.
Dentre os principais pontos de inovação proporcionados pelo SICOMB, destacam-se o emprego de Óculos de Realidade Virtual para o Oficial de Quarto e Vigia, permitindo assim uma experiência mais imersiva; e a criação do Centro de Comando e Controle, local no qual os exercícios serão gerados e um Comandante de Força, apoiado pelos instrutores do CAAML, poderá monitorar o comportamento das equipes em todos os ambientes de guerra e demais consoles, inclusive por meio de sistema de circuito fechado de TV.
Como plano futuro, a ser desenvolvido já a partir de 2022, há a expansão da capacidade do SICOMB de três para quatro navios, tal como a integração do SICOMB aos futuros simuladores SICOMB-AERO e SICOMB-SUB, do Comando da Força Aeronaval e do Comando da Força de Submarinos, respectivamente, de forma que seja possível simular, em um único ambiente, exercícios de Guerra Antissubmarino, Superfície, Guerra Antiaérea/Guerra Eletrônica (GAA/GE) e Apoio de Fogo Naval com equipes dos meios das três Forças.
Entre as conquistas da Esquadra, também houve a criação do 1º Esquadrão de Aeronaves Remotamente Pilotadas.
NoMar: Sobre esse assunto, qual é a perspectiva e os benefícios da operação dessas aeronaves não tripuladas?
VA Bettega: As aeronaves não tripuladas são um meio aéreo dotado de grande autonomia e baixo custo de operação. A facilidade em seu transporte e a possibilidade de decolagem e pouso sem pista, a partir de navios, garantem a mobilidade e a flexibilidade em seu emprego, características que, somadas à sua baixa probabilidade de detecção por parte do inimigo, representam um incremento significativo na condução de missões diurnas e noturnas de Inteligência, Vigilância e Reconhecimento (IVR) por parte da Esquadra, em proveito da defesa da Amazônia Azul.
O recebimento das aeronaves pela MB está previsto para o começo de 2022, com início das operações a partir da Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia no 1º semestre de 2022.
Em breve, haverá a incorporação ao setor operativo do Submarino Riachuelo (S40). Também teremos o reingresso do Submarino Tikuna, e das Fragatas Defensora e Rademaker.
NoMar: Quais são as perspectivas e metas do Comando em Chefe para 2022, ano da comemoração de 200 anos da Esquadra?
VA Bettega: Além do retorno à operação dos meios mencionados, estão previstas as prontificações dos Navios de Desembarque de Carros de Combate (NDCC) Almirante Saboia e Mattoso Maia e a conclusão do Projeto Fênix na Fragata União. Além disso, ocorrerá o recebimento do primeiro Sistema de Aeronaves Remotamente Pilotadas (SARP-E) ScanEagle.
Quanto às comemorações dos 200 anos da Independência e da Esquadra, estão previstos diversos eventos, entre os quais destacam-se a realização de uma Parada Naval, na orla do Rio de Janeiro (RJ), e uma Revista Naval, no interior da Baía de Guanabara, contando com a participação de nossos navios e de Marinhas amigas e, em sequência, a realização da operação “UNITAS LXIII”, que será organizada pela MB.